sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O manequim daqui de casa



Iggy Pop - Beside You

Sobre a minha mesa, no escritório, eu tenho o monitor, o modem, um apontador grande, um grampeador velho, que eu afanei de um antigo trabalho, um monte de revistas que os meninos largaram e o manequim daqui de casa. É daqueles de madeira, para desenho. Veio de brinde no primeiro fascículo de uma coleção que prometia me ensinar a desenhar. Eu não acreditei, é claro. Eu sou burro e velho demais para aprender coisas que uma criança consegue fazer de olhos fechados. Comprei o primeiro fascículo porque vinha o manequim de brinde.

Desde que cheguei em casa com o manequim os meninos cismam com ele. Minha filha quer desenhar um rosto no boneco. Eu não deixo, é claro. Por vingança, ela coloca o manequim em posições de balé. Os braços em arco, os pés em pliê, a cabeça levemente inclinada como se estivesse fazendo par com outra bailarina em O Lago dos Cisnes. Finjo que não noto.

Meu filho também implica com o manequim. Quer que eu tire o suporte, para que ele seja mais um entre os bonecos que possui e lute contra Max Still, dinossauros e outros bichos.

_Filho, eu não tenho contra uma luta, mas nada de tirar o manequim do suporte - eu digo.

E é lógico que, por vingança, meu filho vive colocando o manequim em posições de luta. A predileta é aquela pose do karatê kid, com o manequim se equilibrando na ponta do pé, a outra perna em suspenso, dolorida, mas pronto para desferir o golpe certeiro no queixo do adversário, igualzinho ao Anderson Silva ou o Steven Seagall, ou os dois, sei lá.

Às vezes as crianças mexem no manequim ao mesmo tempo, dá para perceber, porque as poses de luta ficam meio esquizofrênicas, como se o manequim fosse um Bruce Lee que usasse tutu.

Agora à noite, por exemplo, o manequim está com um braço levantado e o outro caído, a perna direita esticada parece dar um chute de trivela e a outra perna está dobrada de um jeito impossível, com o joelho totalmente voltado para baixo e o pé apontando para cima.

Logo que comprei o manequim, eu gostava de deixá-lo reto, de pé, quando o encontrava nas poses esquisitas, elaboradas pelas crianças. Agora eu fico examinando as poses esquisitas e tentando adivinhar quem fez o quê. É lógico que não consigo.

O estranho é que nunca usei o manequim para fazer um desenho. Ficou mais como enfeite de mesa. Uma vez achei que havia alguma simbologia misteriosa envolvendo este boneco, como se ele fosse um Rosebud ou alguma coisa. Mas depois desencanei. As coisas só podem ser o que acreditamos que são.

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