Os prédios da vizinhança já estão todos enfeitados, mas aqui em casa ainda não começamos os arranjos para o Natal. As crianças ainda não estão de férias. E os adultos também não. Temos um monte de planos de férias, mas a experiência diz que é melhor ter somente um plano e segui-lo à risca. Quem tem um monte de planos acaba trabalhando. Como o processo de contenção de despesas ainda não está concluído, exatamente porque é um processo, existe o risco de tirarmos poucas férias.
Na segunda semana de dezembro é que será possível respirar um pouco mais devagar e burilar os planos com cuidado. Mesmo assim fico pensando nos enfeites de Natal. Não sei quando começamos com isso, de colocar as luzinhas, de enfeitar os pinheirinhos chineses de plástico. Lembro que na minha infância não era assim.
Em casa, as bolas de Natal eram cuidadosamente guardadas numa caixa com fitas de palha de madeira e serragem. Eram caras e frágeis, muito frágeis. As bases tinham uns anéis de arame, que enferrujavam. Quando uma bola caía, ela se espatifava em mil pedacinhos, super-cortantes.
Não havia árvore de Natal. Não me lembro. Não havia o costume de se usar pinheirinhos. Minha mãe fazia uns arranjos super-caprichados, gostava de usar velas grandes. Havia uma preocupação com a brasilidade. Com o não fingimento de neve.
O clima era sempre de oração, lá em casa. Minha mãe fazia novenas. E nós todos participávamos. E a gente cantava um bocado as músicas de Natal que se cantava na Igreja Católica, Apostólica e Romana.
No centro-oeste, com o sol e o poeirão, eu achava que a neve das histórias da Disney era uma benção especial para as crianças do Norte. Eu pedia a paz mundial nas minhas orações de menino. Eu pedia o fim da fome no mundo. Eu pedia agasalho para quem tivesse frio e aqui fazia um calorão danado, não era como hoje. Eu pedia perdão pelos meus pecados e também pelo dos outros. Também tinha meus interesses. Negociava minha santidade de menino com os céus. Eu pedia um autorama estrela e uma bicicleta caloi. Eu pedia kichute e bola de cobertão. O bom velhinho me ouvia. Eu ia até o açougue com o meu irmão pedir sebo para esfregar nas costuras da bola de cobertão. E também pedia coisas mais difíceis. Eu pedia para ser um craque do futebol que nem o meu irmão. Eu pedia para pelo menos deixar de ter os pés chatos feito um pato. E eu um dia fiquei de joelhos e rezei de mãos postas, igual a ilustração de santinho de missa, porque deixei de usar as botas ortopédicas. Deve ter sido, com certeza, depois do Natal.
E bem depois disso, eu cantei no coral da universidade, onde muitas moças cantavam. Eu pedi uma moça bonita em namoro, mas ela não quis. Eu pedi a uma moça mais ou menos, mas ela não topou. Tinha uma feinha de olho em mim, então eu desisti de vez da minha curta temporada no coral. Nunca fui bom cantor, mesmo. Só era bom em contar vantagem, em exagerar meus exageros. Mesmo assim tenho saudades. Mas não gosto de lembrar muito, as lembranças parecem reflexos numa bola de Natal daquelas antigas, mil facetas difíceis de remontar.
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