quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Pela frente ele é legal




Nós estávamos sempre provocando o Bú.
_Entubador de brachola!
_Engolidor de kibe!
_Morde-fronha!
_Bola-gato!
_Bambi!
E até o Digão, que aos 15 anos já era maior que o armário da cozinha mas nunca sacaneava ninguém, também ensaiava uma valsa com o Bú:
_Macho, macho, macho, man...
_Pô, Digão! Essa música não, pô!
E o Bú procurava revidar.
_Dobra, redobra e enfia no tóba.
_Joga a mãe pra ver se quica.
_Por quê todo viado é surdo?
_Vai chupar uma ampola!
Mas não adiantava, ele estava sempre em nítida desvantagem. E não sabia metade dos palavrões e pegadinhas do Jô. Aquele baixinho agressivo era um grande colecionador de adjetivos que não poderiam ser utilizados na missa. Aliás, eram enfeites de substantivos que não poderiam nem passar perto da sombra da porta de uma Igreja. Não posso nem reproduzir um milésimo desse vasto conhecimento de baixo nível.
Pois o Jô inovou. Num certo dia em que encarnávamos no Bú, sem que ele tivesse fôlego para retrucar, o Jô passou a defendê-lo.
_Pára com isso, pessoal. O Bú é legal.
_Qualé Jô, virou amiguinho de baitôla?, disse o Sumbrái.
_Vão fazer uma festinha, as mocinhas?, falou o Digão.
_As meninas vão fazer um troca-troca de absorvente?
_Pára com isso. O Bú é muito legal. Ele é gente finíssima e vocês não estão sendo bacanas. O Bú, e eu também digo isso pela frente, o Bú é um cara que nem eu, que nem você. É um cara simples, como todos nós. O Bú também é do bem.
Olhamos para o Bú. Ele havia baixado a guarda e aberto uma primeira tentativa de sorriso. Eram semanas e semanas de ataques constantes, de acusações baixíssimas de baitolagens e enrustições homofóbicas. E de repente, ali estava um aceno de paz e vindo de quem ele menos esperava. Por isso mesmo, ele estava desconfiado.
_Bú, eu queria te fazer um pedido.
E aquilo parecia o início de um pedido de desculpas oficial, feito pelo maior sacaneta que já havia aparecido sobre a face da Terra. Eu estava me beliscando.
_Pela frente, Bú, eu peço desculpas. Em meu nome e em nome desses babacas.
Bú não podia acreditar. Era genuíno. Um pedido de desculpas verídico e inconfundível feito pelo Jô, que não pedia desculpas nem quando ouvia uma vaca tossir.
_Ih, Jô, deixa disso, cara, sei que era só brincadeira de vocês...
_Pela frente, Bú, pela frente você é legal. Mas por trás, não. Por trás, Bú, você é todo arrombado...

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