quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Choque anafilático



Na mesma época que eu descobri que poderia ficar surdo, mudo e amnésico ao ver uma supermodelo, mesmo que à mesma distância de um salto triplo do João do Pulo, também descobri que poderia sofrer um choque anafilático.

Eu desconfiava disso. Só pode ser de família. Meus irmãos são hipersensíveis a algumas substâncias. Minha irmã mais velha, por exemplo, não pode nem chegar perto de frutos do mar. Camarão, caranguejo, lagosta, ostra, marisco, lula, tudo isso pode provocar reações muito desagradáveis e perigosas. Basta dizer que uma vez ela quase morreu porque comeu um inocente risólis. O recheio era de frango, mas o danado tinha sido feito no mesmo óleo que os risólis de camarão. Como resultado, ela ficou dois dias internada, inchou feito um balão, teve uma crise respiratória gravíssima e faturou um milhão de euros em indenização do buffet que serviu a bomba para ela, em Londres, na Inglaterra.

É. É só lá fora que indenização dá grana, gente. Aqui, e isso é só uma hipótese, mesmo se o ministro dos transportes voltar trolado de um churrasco e atropelar um funcionário público na rua a indenização será uma mixaria de cestas básicas. E ainda vão querer culpar o funcionário público. Ainda mais se ele for lixeiro.

Lá fora, não. A menos que você seja estrangeiro. Aí primeiro vão querer te acusar de terrorismo. Como aconteceu com a minha irmã. Para você ter uma idéia, deitada, na cama do hospital, ela ficou muito parecida com o Bob Esponja pintado de cor-de-rosa. Aproveitando-se disso, o buffet divulgou, por meio de um tablóide especializado em sacanear a Britney Spears, uma foto da minha irmã no hospital e a informação de que ela já havia dado o “golpe do anafilático” em buffets da Espanha, França e Alemanha. Foi o bastante para o caso se transformar em escândalo nacional. Ou melhor, transnacional, já que estamos falando do Reino Unido.

A sorte é que ela ainda não tinha visitado a Alemanha. E os buffets da Espanha e da França haviam fechado as portas depois que pagaram as indenizações devidas. Por causa disso, a opinião pública transnacional da Grã-Bretanha acabou ficando do lado dela. Nas ruas, as pessoas, especialmente os clandestinos, torciam para que ela ferrasse com o buffet. Outros queriam que ela se mudasse para a Alemanha e ferrasse com os buffets de lá. Outros achavam que a Britney Spears era mais magra. E alguns malucos achavam que ela já tinha sido o Bob Esponja de um dos filhos de Charlie e Diana.

Mas ela não fez nada disso. Entrou em acordo e recebeu a bolada. Teve muita sorte, pois um marisco, lula, dilma ou até mesmo uma lagosta teriam sido fatais. Hoje ela pensa muito em sair de Londres, porque não agüenta mais aquela maresia de sanidade, aquele jeitão das coisas funcionarem, toda aquela ordem, paz, segurança e tranqüilidade. Mas eu sei que no fundo, no fundo, no fundo, ela quer mesmo é voltar para a terrinha. Da Edith Piaf.

Ela diz que aproveita todo o tempo livre que tem para fazer as malas. Nesse ritmo estará com tudo pronto para se mudar para Paris antes do Natal. A Patroa diz que ela está enrolando, mas devo dizer, em defesa da minha querida irmã, que são muitas malas. E algumas são Louis Vuitton. Acho que é possível que ela esteja com um pouquinho de medo de encarar mais uma temporada numa cidade fantástica, num país sensacional, onde tudo também funciona direito e você é bem tratado se souber falar francês e escolher o vinho certo. (Continua)

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