sábado, 3 de novembro de 2007

Mosquitos me amam


É verdade. Desde pequeno eu sou perseguido por mosquitos. Se eu estou junto com dez pessoas numa sala fechada, ou aberta, os mosquitos vão morder uma única pessoa: eu. Se todos estiverem de repelente, inclusive eu, serei o único e também o mais picado. Eu atraio mosquitos desde bebê. Com ou sem repelente, os mosquitos me amam. É uma química que existe há tanto tempo que eu já considero natural.
Eu me lembro, por exemplo, de uma das poucas vezes em que topei acampar com um bando de amigos da faculdade. Fomos para o Cristal, uma das quinhentas belíssimas cachoeiras que existem no entorno dessa cidade. Era preciso deixar o carro longe e caminhar um bocado até as proximidades da cachoeira para só então montar as barracas. O sol era tão forte que alguns raios concentrados derreteriam halteres. As árvores retorcidas do cerrado ampliavam a sensação de se estar mergulhando de cabeça no sertão de Guimarães Rosa. Virge!Nonada.
Antes de sair do carro, o Zalberto me perguntou se eu havia trazido repelente.
_Trouxe uns dois quilos, eu respondi, piscando.
_Então tome um banho com ele e dê logo um gole nessa vodka, meu amigo, que os mosquitos daqui atacam na chegada, na meada e na saída.
Segui rigorosamente as instruções, observado pelos meus amigos e amigas. A vodka Natacha, nunca esqueci a marca, havia rasgado a minha garganta e se preparava para fazer o mesmo com o que restava das minhas tripas. Eu podia sentir aquela russa falsificada abrir caminho pelas entranhas. Então tomei mais dois ou três goles. Se eu tivesse um olho interno teria visto meu fígado fazer uma oração desesperada e pedir a extrema unção. Um clarão se acendeu atrás das minhas pupilas. Eu estava me sentindo mais malvado que Jack Nicholson em “O Iluminado”. Se eu encontrasse uma das portas da percepção, faria com ela exatamente o Jack fez com a porta do banheiro naquele filme. Estava pronto para encarar o cerrado. Aleluia!
Caminhei com passos firmes, embalado pelo álcool. Estava tão empolgado que não percebi que estava me distanciando do meus amigos e da minha tchurma. Caramba! E eu nem sabia o caminho para a cachoeira. Segui o meu instinto e uma trilhazinha meio vagabunda que havia por ali. Acabei meio perdido, mas pelo menos estava na beira do rio. Vindo lá da frente, eu podia escutar um barulho de cachoeira. Os outros não tardariam. Tratei de arrumar um bom lugar para armar a barraca. Limpei a área. Deixei o chão lisinho e montei a Transa-A2. Cinco quilos de ferragens e mais dois quilos de lona. Era o que havia de mais moderno, leve e prático para se acampar na época. Em dez minutos estava tudo pronto.
E nada da tchurma. (Continua)

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