segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Mosquitos me amam II




Eu não sabia, mas só iria encontrá-los bem mais tarde, quase no dia seguinte. Aquela seria uma noite de prova para a minha existência. Eu, só para passar o tempo e a bebedeira, fui catar lenha para a fogueira. Essa atividade consumiu umas boas horas, pois quando eu encontrava lenha eu perdia o caminho de volta para a barraca. E quando eu achava a barraca eu havia perdido a lenha. Mesmo assim, consegui juntar gravetos suficientes para provocar um incêndio de grandes dimensões. E isso talvez tivesse acontecido se não fossem os mosquitos. Na época eles já me amavam profundamente. O efeito anestésico da Natachiúska estava passando e eu começava a sentir as picadas dos insetos. Não se pareciam nem um pouco com as agulhadas que eu sentira no lugar onde antes havia um fígado. As pontadas da vodka russa paraguaia eram fichinha perto das ferroadas dos pernilongos. E além da dor, as picadas eram acompanhadas de uma aflição por coçar e mais ardência do que seria suportável para um ser humano sóbrio. Vodka. Eu precisava de vodka.
Procurei na minha mochila e não encontrei. Procurei dentro da barraca e não encontrei. Procurei no meu bolso de trás e lá estava ela, metade de uma garrafa Natacheska pronta para ser consumida. Um bom gole e as dores já começaram a arrefecer. Logo, logo, eu já havia esquecido que precisava acender a fogueira. A visão do sol se pondo me lembrou da urgência da tarefa, pois eu não havia trazido lanterna. Corri para a mochila em busca dos fósforos. Não encontrei. Olhei dentro da barraca, e nada. Procurei no bolso da frente e lá estavam eles, todos os 60 palitos de fósforos deitadinhos na caixinha deles. Eram lindos, eram a minha única chance de sobrevivência.
Arrumei um pedaço de papel sob uma pirâmide de gravetos e acendi. Em segundos, os gravetos se transformaram em cinzas. E nada de fogueira. 49 fósforos depois eu percebi que deveria utilizar os fósforos com mais bom senso. Mesmo assim, não conseguia acender a fogueira. Os oito fósforos seguintes foram dramaticamente gastos de modo infrutífero. Eu estava pondo tudo a perder. Só me restavam duas tentativas. E uma delas era um fósforo meio defeituoso, com um pescocinho bem fininho. Dava para notar que se eu tivesse que utilizar aquele fosforozinho eu acabaria com o dedo queimado.
Risquei o último dos bons palitos e necas de pitibiribas. Ao invés de fogueira tudo o que eu havia conseguido produzir fora uma brasinha bem pequena, no canto de um graveto. Soprei ali, com cuidado, numa tentativa de avivar uma chama. Nada. A pequena brasa fechou o olho vermelho e se extinguiu para sempre. Eu peguei a garrafinha para mais um gole desesperado. Sem querer, um pouquinho da Natachieska caiu sobre os gravetos. Foi então, oh! meus cupinchas, que uma pequena explosão aconteceu e uma fogueira se acendeu automaticamente para a alegria dos meus olhos. Bum! A Natachenka velha de guerra era o melhor acendedor automático de fogueira em que eu já havia colocado a boca.
Foi bem na hora, pois o sol já havia se deitado para dormir e os pernilongos já estavam prontos para o jantar. Para evitá-los eu tinha que ficar muito próximo das chamas. Conferi a garrafinha. Definitivamente, o que restava ali daria para resistir por duas horas, no máximo. Por outro lado, se eu tomasse tudo de uma vez, talvez eu desmaiasse até o dia seguinte. Mas talvez eu entrasse em estado de coma, e o meio do cerrado não é um bom lugar para entrar em coma.
Eu ainda analisava as possibilidades quando os índios chegaram. (Continua)

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