quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Corredores, abóboras e empadas



Meu amigo Velho Tom é um sábio, embora pareça desmiolado. Os anos de cerveja, uísque e vinho prejudicaram um bocado o ex-fígado dele. Aliás, o ex-fígado só não se mudou porque o Velho Tom pensou bem e bebeu a grana reservada da mudança. Entretanto, os anos de álcool não atingiram a rapidez de raciocínio, a sacada esperta e a cortada certeira. Com as palavras, o meu amigo é um ás de espadas. E truco! Outro dia, falando da humanidade na frente de alguns copos de cerveja gelada, ele decretou:
_Existem três tipos de seres humanos: os corredores, os abóboras e os comedores de empada.
Naturalmente, eu não fiz nenhum comentário. Não se pode apressar o Velho Tom. Se você atalha uma das suas manifestações epistemológicas existencialistas, é capaz dele perder o fio da meada e a coisa ficar solta no ar. Não. Com o Velho Tom você tem que saber o momento certo de encaixar as perguntas para obter respostas. Ou então você encaixa as perguntas e recebe outras perguntas de volta. O que é natural entre marido e mulher, mas superchato quando se trata de um cupincha velho de guerra.
_Pois sim, existem três tipos de seres humanos: corredores, abóboras e empadas – voltou a afirmar.
E eu é que não iria apontar as diferenças conceituais existentes entre os dois vaticínios do meu amigo. Não. Com o Velho Tom, o melhor é esperar o momento certo para inserir comentários pertinentes. Ou então você insere os comentários e o Velho Tom manda você inserir uma ampola você sabe aonde. E depois de uma certa idade, não fica bem escutar uma série de coisas tolas sobre inserções e enxertos sexuais.
_É isso mesmo: corredores, abóboras e empadas – reafirmou o meu amigo.
Certo. Eu pensei comigo. A cerveja está gelada. O lugar é agradável. Tem um vento gostoso. Dá para ver gente bonita. Tem até um parquinho com crianças. É perfeito. E está na sombra.
_O que você acha? – perguntou ele. E como só estávamos nós dois na mesa, deve ter sido para mim.
_O que eu acho do quê? – eu perguntei, fingindo tão intensamente o desinteresse, que chegava a ser desinteresse o que deveras sentia.
_Corredores, abóboras e empadas – ele disse, sério.
_Esses são os seres humanos – falei.
_Muito bem dito – falou.
_Na verdade, quem falou isso foi um amigo meu – eu disse, rindo por dentro.
_É mesmo? Quem?
_É um cara que não tem a memória próxima.
_Quem?
_Você conhece de vista. Ele também gosta muito de cerveja.
_Deve ser gente boa.
_É um corredor que detesta abóboras, mas gostaria mesmo era de ser um comedor de empada.
_Careca, você tirou palavras da minha boca – e me olhou, agradecido.
_Amigos são para essas coisas – retruquei.
_Que coisas? – indagou.
_Que amigos? – inquiri.
_Careca, meu velho amigo, você está um bocado confuso.
Concordei com a cabeça em balanço afirmativo. Às vezes eu me sinto como se fosse apenas uma velha abóbora comedora de empada, vendo corredores a lutar e curtir a vida.

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