terça-feira, 6 de novembro de 2007

Mosquitos me amam III




Índios são legais. Índios são gente boa. Mantenho distância de índios. Quando eu era menino, os índios eram os vilões das histórias do Zorro (The Lonely Ranger) nos quadrinhos da Ebal. E ali, no meio do mato, bêbado feito um gambá, cercado de índios por todos os lados, eu me lembrava que só o Tonto era do bem.
_Alô amigos, como vão vocês? Viva Tupi! Axé Tupã! Valei-me Caramuru! Help me Anhanguera!
_O que você está tomando aí?, me perguntou um deles. Era o único que não estava pintado e também o único de jeans e camiseta. Pelo jeitão e pela idade indefinida, parecia ser o que mandava.
_ Natasha, eu disse.
_Queremos Natasha, disse o índio.
_ Amigos, essa Natasha não vai dar pra todo mundo.
_ Mas vai dar para mim, ele completou e me tomou a garrafinha.
Foram apenas dois goles, mas o bastante para que o chefe Megaré se tornasse, a partir dali, meu amigo de fé, meu irmão camarada. Outro índio descolou um violão e um terceiro uma gaitinha. Só faltava um pandeiro e um repertório. Antes que eu atacasse a imortal “Táxi para uma estação lunar”, Megaré atravessou e começou a cantar “Ouro de Tolo”, de Raul Seixas e Paulo Coelho. Depois de umas duas ou três músicas de Raulzito e Alquimista, a tchurma (Zalberto, Amanda, Poliana, Rodrigão, Cabeça, Sandrinha e Briana) chegou com Natasha para todo mundo.
No meio da festa, eu perguntei para o cacique Megaré qual era o melhor remédio natural para picada de mosquito.
_Para picadura de mosquito?
_Qualé ô pajé? Essa é velha. Pergunto com a maior seriedade.
_Bom, para mim só tem um remédio: birita - disse o bugre.
_Mas isso não afasta os insetos - observei.
_ É verdade, mas você não sente mais nenhum. - retrucou.
_Mas índio leva picada de mosquito? - perguntei.
_ Claro, por isso é que a pele é vermelha, otário.
Lembro de ter acordado na minha Transa-A2 e jurado que jamais iria tomar Natasha de novo. Ainda estava jurando quando a Amanda se virou e perguntou se eu poderia pegar água para ela, enquanto ela se vestia. Considerei jurar em falso. Eu me belisquei para ver se não estava sonhando. Mas estava. Acordei sozinho na barraca. A única parte do corpo que havia deixado de fora do saco de dormir foi a minha cabeça. Minha orelha agora parecia com a do Doutor Spock. Era como se eu tivesse levado uma pancada de uma prancha de surf na metade do rosto. Tudo latejava à esquerda. E o teto da barraca, por dentro, estava coberto de pernilongos. Todos gordos e bem alimentados. Com cuidado, fechei o zíper da barraca. Uma hora e meia depois, saí da barraca coberto de sangue, mas com um estranho sorriso no rosto.
Depois, Amanda e Poliana vieram me chamar para ir até a cachoeira. Como eu havia jurado não tocar mais em Natasha, aquela foi uma das últimas vezes que acampei. Sem a vodka, não era a mesma coisa. Mas todas as vezes que os mosquitos me atacam, eu me lembro daquela manhã em que me vinguei de todos eles, um por um e lentamente. O sabor daquela vingança ainda é um bálsamo.

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