quinta-feira, 13 de junho de 2013

Blog, Koulechov e Facebook



Larry David: the palestinian chicken

A liberdade de falar sobre tudo, com civilidade e cortesia, mas sem prescindir da ironia, da galhofa ou da piada chula quando quisesse, foram os princípios norteadores da criação deste blog. O Caminho do Careca foi feito para que eu escrevesse o que me desse na telha, sem amarras, com o máximo de liberdade e com o mínimo de danos infringidos aos outros. É muito difícil escrever se você pensar em como o seu texto será recebido, no que os outros vão pensar. É impossível, se você quiser agradar todo mundo. Alguém sempre estará pronto a atirar uma torta na sua cara. É estatística pura, é o ponto fora da curva. Para diminuir ainda mais as chances de que isso acontecesse no mundo real, resolvi usar o pseudônimo de Careca. Não é anonimato. Com um mínimo de cliques na Internet é possível descobrir a minha identidade, telefone, endereço e o cardápio de onde almocei no último sábado.

Aqui, evito usar os nomes verdadeiros de parentes e amigos e faço menções veladas às pessoas queridas, desse modo acredito estar de algum modo evitando uma exposição indevida ou algum tipo de constrangimento. Em geral, faço galhofa comigo mesmo, sou o meu próprio palhaço das reações a estereótipos, gafes e situações cotidianas. Algumas vezes posso ter sido negligente com essa regra interna. Mas quase sempre procurei rir de mim mesmo. Mas como disse antes, alguém sempre poderá se considerar indevidamente exposto ou constrangido, com maior ou menor razão.

Com o passar do tempo, meu humor variou do bom ao ruim e do péssimo ao ótimo, e depois tudo de novo. Por óbvio, o número de leitores é proporcional ao bom humor. Textos alegres e descontraídos recebem mais comentários positivos. Textos baixo astral não são clicados, embora promovam uma avalanche de e-mails de produtos que prometem aumentar o tamanho da minha masculinidade(improve your manhood!) e aumentar a minha satisfação com o sexo oposto, com o mesmo sexo e com objetos que remetem a um ou outro. Os robôs cibernéticos funcionam muito bem. Algumas poucas vezes recebi xingamentos por e-mail e o que pareceu uma ameaça(Eu sei onde você mora). Sempre apaguei os xingamentos e publiquei no blog, durante aquele dia em que me senti ameaçado, a minha resposta: Estou à sua espera. Apareça. Desde então, mantenho um taco de beisebol ao alcance, só para o caso.

Não posso estar sempre de excelente humor, embora as boas fases realmente existam. Nos últimos meses tenho escrito pouco no blog e algumas vezes cogitei em voltar aqui apenas semanalmente. Por hábito, prossigo. Paralelamente, estou dando pitacos no Facebook, onde não uso pseudônimo e algumas pessoas sabem que ainda estou trilhando o Caminho do Careca. Faço como sempre fiz neste blog, com civilidade e sem desqualificações e ataques pessoais, isso é de mau gosto e trai um péssimo humor.

Mesmo assim, tenho sido seguidamente chamado de racista, sexista, retrógrado, direitista, extremista, radical religioso(!), chauvinista e outros delicados rótulos e xingamentos no Facebook. É uma peninha, eu sei, mas deixe-me prosseguir. Na maior parte das vezes, quando não são pessoas conhecidas, não me dou ao trabalho de responder. Quando são pessoas próximas, ainda que distantes, trato de responder à altura(sem desqualificações pessoais, é claro) ainda isso me custe uma amizade ou um bloqueio singelo. Isso já aconteceu e não lamento. Não é a isso que eu quero chegar.

O ponto é que muitas vezes as pessoas que me ofendem são muito boas em enxergar o efeito Kulechov no que lhes interessa, mas péssimas em percebê-lo no que se refere ao seu interlocutor. Como todo mundo sabe ao clicar no Google, nos princípios do cinema, Koulechov montou um experimento simples de associação de imagens. Ele exibiu três seqüências: rosto de ator, sopa; rosto de ator, caixão com criança dentro; e rosto de ator, mulher em divã. Pediu aos espectadores que fizessem comentários sobre a interpretação do ator. Na primeira seqüência, a platéia enxergou fome, na segunda, pesar, e na última, desejo. Logicamente, o ator não interpretou coisa nenhuma, ficou apenas parado em frente à câmera para ser filmado.

O experimento é a base da criação da linguagem cinematográfica. Os espectadores, por conta própria, vão criar um tecido narrativo para unir as seqüências de imagens, atribuindo-lhes significados por mera associação de idéias, sem muita reflexão. De uma maneira um pouco mais sofisticada, os ativistas e guerrilheiros culturais que pululam nas redes sociais usam e abusam do efeito Kulechov contra aqueles que consideram seus adversários. É como naquela velha piada do “Você tem aquário em casa? Não? Então você é gay”.

Não importa o que você diz. Os ativistas e guerrilheiros culturais não querem saber de argumentos. O negócio deles é a desqualificação pessoal sumária. Antes que você perceba, e sem motivo, a militante feminista o estará chamando de serviçal da ignorância, sequaz do machismo, chauvinista praticante, retrógrado e aliado do conservadorismo religioso. Ou ignorante, que é tudo isso. É um método muito internalizado e comum até mesmo em inocentes e despreocupados simpatizantes de causas de grupos minoritários.

As ofensas ocorrem principalmente quando discordo de alguns posicionamentos relacionados à conquista de privilégios para grupos minoritários que se identificam de acordo com abstrações de classe, raça, gênero, inclinação sexual e religião, tudo em detrimento dos direitos fundamentais da menor das minorias, o indivíduo. Nunca é demais lembrar que é no indivíduo e na noção de dignidade da pessoa humana que se baseiam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Nessas ocasiões, raramente aparece alguém para perguntar, ei, quem é que vai pagar essa conta? Ei, se esse grupo conseguir seus objetivos, quais minorias dentro desses segmentos sofrerão as conseqüências, como fica o indivíduo? Os direitos iguais para homens e mulheres serão preservados? Todos continuarão a ser iguais perante a lei, ou essa diferença é temporária?

Nestes comentários, acadêmicos, escritores, blogueiros, jornalistas, donas-de-casa, ciclistas e simpatizantes das minorias muitas vezes se apressam a endossar argumentos, mitos e palavras-de-ordem dos ativistas e militantes de algumas causas. Muitas são perfeitamente contraditórias, mas, mesmo assim, conseguem simpatias de grupos que condenam pelo menos uma delas. No Facebook, exemplos de apoios a causas conflitantes, que conseguem congregar opositores intrínsecos existem aos borbotões. Um dos mais clássicos é a liberação das drogas e o combate ao fumo. O maconheiro(ah, já existe uma proposta que condena o uso deste substantivo) ativista condena o cigarro com filtro mas é chegado numa palha. Lembrá-lo da possibilidade de estar ocorrendo uma esquizofrenia pode lhe custar ouvir uns palavrões.

Existem discrepâncias e contradições ainda mais bizarras nos comentários do Facebook. Já vi de tudo. O anti-clerical que deseja uma Igreja moderna. O artista bacana e libertário que prega o fim das religiões. O acadêmico que se acostumou a recorrer ao argumento de autoridade. O defensor de direitos humanos que torce para que o índio infanticida e homicida continue a ser tutelado, sem responsabilidade penal. O abortista que é contra a pena de morte. O anti-abortista que é a favor da pena de morte. O ciclista que deseja o respeito dos motoristas mas não vê problemas em bicicletar embriagado e drogado. O gayzista promíscuo que move montanhas para se casar no civil. A prostituta que considera vender o corpo uma atividade digna e feliz. A socióloga que não se incomoda em ser confundida com uma prostituta, desde que isso não configure uma agressão. O anarquista que prega o fim do Estado e que acha ótimo o assistencialismo do bolsa família. O ecologista que adora milho e quer o fim dos transgênicos. É no forévis, como dizia Mussum. É mesmo.

Claro, os pontos fora da curva sempre existirão. E também não sou nenhum santo, carrego minhas contradições e idiossincrasias. Por isso não considero extraordinário ser acusado de propensões e simpatias inexistentes até mesmo por amigos e pessoas que me conhecem de longa data. É o efeito Kulechov. As pessoas fazem associações. Ponto. Algumas são pertinentes, mas a maioria não é. Uma coisa não implica, necessariamente, na outra. Por exemplo: não sou gayzista, mas também não sou anti-gay. O que não me impede de apontar a existência de uma corrente ativa gayzista que pode ter ou não ter razão em um monte de temas, mas nunca terá, assim como qualquer grupo, razão a priori. Acho a mutilação sexual de bebês mulheres africanas por motivos religiosos uma coisa abominável, mas não consigo abominar a circuncisão de bebês judeus do sexo masculino. Acho ridículo se falar em preservação de culturas autóctones para índios escutando músicas nos Ipods e celulares. Em liberação de drogas onde se vende crack na esquina. Em extinguir zoológicos e ir para um churrasco. E por aí vai.

Não sou autoridade em nenhum tema e defendo a liberdade de opinião, com os limites já previstos na lei. Não faço o tipo do “você sabe com quem está falando?” Mais fácil rir de mim mesmo e me colocar em dúvida. Por último, evito dizer que desta água não beberei. Ninguém é de ferro, até mesmo pessoas excelentes podem acabar cometendo alguma ofensa em público e depois pedir desculpas em privado.

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