quinta-feira, 12 de abril de 2012

Febre - uma tentativa de repostagem

Ontem fiz um post enorme sobre febre que simplesmente sumiu. Achei que tinha publicado e o danado do post desapareceu. O que segue abaixo é uma tentativa de repostagem.

Meu filho teve febre na escola e passou mal. Foi por causa disso que eu me lembrei de uma vez que também passei mal na escola.

Eu estava na terceira série, numa escola pública da minha superquadra. Na época, as pessoas confiavam no ensino que oferecido nas escolas públicas. Os professores eram muito respeitados. Lembro que eu estava na aula de ciências. Eu não gostava muito da aula de ciências. A professora se chamava D.Cecília ou D. Conceição, não sei mais. Usava muletas de metal, as primeiras que vi na vida, tinha uma perna mais fina do que a outra, acho que era vítima da poliomielite. D. Cecília era uma das professoras mais envelhecidas da escola. Também era muito rigorosa e irritada, eu não gostava muito de olhar para ela. Ela gostava de fazer perguntas para os alunos. E eu me embasbacava todo quando ela fazia perguntas para mim. Então eu não olhava para ela.

Lembro que estava fazendo outra coisa enquanto a professora falava, com voz monótona, sobre os estados físicos da matéria. Eu estava em estado físico sonolento. De repente, o menino que estava do meu lado perguntou se eu estava me sentindo bem.

_Eu acho que não - eu disse. E fechei a mão esquerda bem forte.


Então eu apaguei. Num instante, D. Cecília já estava do meu lado me ajudando a ser levado até a secretaria da escola. Fui colocado sobre um grande banco de madeira que havia na antesala da diretoria. Disseram que fiquei branco, branco, branco e desmaiei. Fui socorrido com copos de água gelada e chá. Colocaram uma toalha molhada sobre a minha testa. Alguém mediu a minha temperatura, não tinha febre nem nada, mas suava frio. As mulheres debateram os motivos para o desmaio. Eu continuava com a mão fechada, bem apertada. D. Cecília me perguntava sobre alergias, asma, bronquite, dor-de-cabeça, diarréia, vômito, diabetes e se alguém havia batido na minha barriga. Eu não disse nada. Só apertava a mão fechada. Elas decidiram depois de alguns minutos que só poderia ter sido alguma coisa que eu tinha comido porque de repente eu comecei a passar mal e a ficar enjoado. Acho que me deram chá de camomila. Até hoje não gosto de chá de camomila.

_O que foi que você comeu? Melancia? Goiaba? Manga? Bebeu café? Comeu ovo? - me perguntaram. E eu disse que tinha comido ovo. Eu adorava ovos no café-da-manhã, uma novidade deliciosa que minha mãe tinha introduzido não fazia muito tempo, porque eu estava muito magro e fraco para a idade. Ovos cozidos eram a minha regalia.

_Foi o ovo! - elas disseram quando a minha mãe chegou, esbaforida, para ver o que tinha acontecido comigo. Tentei protestar, mas quem era eu para saber mais do que todas aquelas pessoas solícitas e preocupadas. Apertei a minha mão esquerda e fui embora com a minha mãe.

Em casa, quando tive certeza de que não seria surpreendido, abri a minha mão e lá estava o pequeno ponto vermelho, a marca que até hoje está estampada logo abaixo do indicador. Foi ali que eu enfiei, sem querer, toda a ponta do meu compasso, e era uma ponta bem grande. Eu estava escarafunchando o meu nome na lateral da carteira com a ponta de aço do compasso. Usava a mão esquerda aberta sobre a carteira para maior apoio e pressão com a mão direita. Numa das investidas, a ponta do compasso resvalou e cravou na minha outra mão. Comecei a passar mal logo depois que tirei a ponta do compasso e um pequeno fio de sangue começou a escorrer do furo na minha mão.

Nesse ponto do post que desapareceu eu fazia um arrazoado longo, não me lembro mais como foi. Eu chegava à conclusão de que os acontecimentos da minha vida não carregam significados ocultos e nem lições preciosas. Talvez, com um pouco de boa vontade, carreguem lições mínimas que eu mesmo esqueci e por vezes até desdenho um pouco. Eu lembrava que venho fazendo isso há mais de cinco anos neste blog, contando minhas historinhas chinfrins, minhas elocubrações bestas, minhas conclusões absurdas, meu dia-a-dia simplório e sem-graça. Também lembrava que fazia isso sem um propósito definido, mas com a intenção clara de dizer coisas que estão travadas na minha garganta. Às vezes consigo isso, e no post de ontem, eu realmente havia conseguido, embora agora já não tenha tanta certeza.

Seja como for, hoje meu filho está bem.

2 comentários:

Anônimo disse...

Careca
Eu adoro ler as suas "historinhas chinfrins, suas elocubrações bestas, suas conclusões absurdas, seu dia-a-dia simplório..."
Pra mim eles têm muita graça e estilo. Por favor, prossiga.
Abração
Tina

Careca disse...

Tina, obrigado pela força.
Abç,

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