sexta-feira, 27 de abril de 2012
Sobre acreditar
Hugh Laurie - You Don't Know My Mind
Conversamos outro dia no almoço, foi quando eu soube que as crianças não acreditavam mais no Papai Noel. Elas estavam dizendo o quanto queriam um Ipod, um Ipad e um telefone celular. Eu então disse que estava na hora de escrever para o Papai Noel, que tinham se comportado bem, estudado muito e coisa e tal, mas os dois fizeram careta e minha filha disse:
_Ah, paiê, eu sei que você é que é o Papai Noel - e apontou o dedo para mim.
Já se passaram algumas semanas, não é nenhuma novidade, mas aquilo me deixou um pouco abalado, não é todo dia que enterramos um mito. Elas estão crescendo muito rápido e às vezes eu me sinto como se estivesse feito o Felipe Massa, lá atrás, lutando muito para marcar uns pontinhos, e os dois lá na frente, feito o Vettel e o Webber, liderando de ponta a ponta. Talvez ele olhem para trás, onde eu estou, e até riam um pouco da minha caretice. Bom, pelo menos eu não tenho que brigar com um espanhol na minha equipe, já basta a minha mulher que é meio japonesa.
Nesse dia em que me contaram que eu é que sou o Papai Noel, eles também me disseram que não iriam mais escrever cartas para o Pólo Norte. Ficaram mesmo um pouco chateados porque eu insistia tanto para que escrevessem para o bom velhinho, sabendo que a carta nunca chegaria para um sujeito gordo, de faces rosadas e grande barba branca.
_Eu estou acima do peso e sempre posso deixar a barba crescer - eu disse, mas eles não se convenceram.
_Pai, você mentiu para nós. Papai Noel não existe - disse o meu filho.
É chato ser pego na mentira, especialmente pelo seu filho de oito anos. Para tentar equilibrar as coisas, eu tentei explicar que não era bem assim, que o Papai Noel era só uma figura inventada para explicar o espírito de Natal. E que talvez, no fundo, no fundo, o Papai Noel e o espírito de Natal fossem a mesma coisa. E se fossem, então eu não estava contando uma mentira, só estava dizendo a verdade de uma maneira fantasiada de vermelho, com um largo cinto de fivela. O Noel é o espírito de Natal dito de uma maneira menos complicada e mais fácil de entender.
_Como? - disse a minha filha.
_Não entendi nada - disse o meu filho.
_Paiê, você pirou? - insistiu a minha filha.
_É pai, o que isso tem a ver com espírito de Natal? - disse o meu filho.
Minha mulher me deu um chute na canela por baixo da mesa, porque era agora a hora da verdade, a hora em que você não pode gaguejar e nem truncar as frases porque as crianças estão atentas e estão prontas para uma impressão mental definitiva das suas palavras. Chamo isso de "Momento Guttenberg Cerebral". Quer dizer, chamo nada, acabei de inventar isso.
_O espírito de Natal é o mesmo que acreditar que é melhor ser bom, e que ser mau é ruim. O espírito de Natal também é sobre fazer as coisas, é acreditar que é melhor fazer o bem para você e para os outros, e que as más ações são ruins para você mesmo e para todo mundo. O espírito de Natal é acreditar que o bem só será respondido com gestos de bondade e coisas boas, e que até mesmo quem já fez muita maldade e coisa ruim pode fazer coisas boas. E, finalmente, só é possível acreditar no espírito de Natal se você acredita no nascimento do filho de Deus entre os homens.
As crianças ficaram em silêncio. Minha mulher não me deu mais nenhum chute na canela. De repente, todo mundo começou a falar ao mesmo tempo.
_Pai, quer dizer que o Papai Noel é filho de Deus? - disse o meu filho.
_E os duendes, paiê? E as renas? E a Mamãe Noel? - disse a minha filha.
Minha mulher olhava para mim com aquela cara de quero-ver-você-sair-dessa-jacaré. E a verdade é que eu não saí. Ou melhor, saí pela tangente. Tratei logo de perguntar como era o tal telefone celular que eles tanto querem.
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