domingo, 22 de abril de 2012
Adotivo
Minha filha tem sete anos e se aproxima com cautela. Eu estou no computador, organizando alguns arquivos sobre marcenaria. Ela está de rabo de cavalo, fica ainda mais linda desse jeito.
_Paiê, posso fazer uma pergunta?
_Mas é claro, princesa. Não precisa dessa cerimônia - eu disse.
_É que ... você pode falar a verdade, viu, paiê, eu estou preparada - ela disse.
_Sim, sim, vou falar. Qual é a pergunta?
_Você é adotivo, paiê?
_Ado... Não, não, eu sou filho do vovô e da vovó. Quero dizer, sou filho gerado pelos seus avós, que também me criaram.
_Fala sério, paiê. Pode falar, eu aguento.
_Mas minha filha, eu não fui adotado. De verdade.
_Ah, paiê, pode falar, eu sou forte, eu não ligo se você for adotado.
_Bom, se é assim, então eu vou dizer a verdade - eu disse. E nessa hora, seus olhos brilharam em lágrimas.
_Eu sabia - ela disse.
_A verdade é o que eu já havia dito antes, eu não fui adotado - eu disse.
_Ah, paiê, você acha que eu não sei. Você é tão diferente do vovô e do Timárcio - ela disse.
_Ok, você venceu. É difícil falar sobre essas coisas, já faz tanto tempo. Mas você descobriu tudo sozinha. Já viu que somos todos bem diferentes. Seu vovô usa bigodes. Seu tio tem os olhos azuis. Meninas inteligentes como você não deixam passar nada. Eu vou te contar a verdade, mas não conta nada para ele: seu tio foi adotado - eu disse.
_Meu tio! - ela disse.
_Ssshhht! Não conta nada pra ele, é segredo - eu disse.
E é mentira, é claro, e logo eu percebo que não devia ter falado aquilo, porque minha filha está chorando baixinho, fortes soluços sacodem seus ombros.
_É brincadeira, filha, seu tio não foi adotado, ele é meu irmão de verdade - eu disse.
_Não, paiê, eu sei que você está com medo de dizer que eu sou adotada - ela disse.
_Impossível, filha. Eu tenho fotos do seu nascimento. E eu e sua mãe te vigiamos desde aquele dia, não tem o menor perigo de você ter sido trocada no berço.
Mas ela está inconsolável. Eu digo que ela tem o meu nariz, as minhas orelhas, o meu queixo e nada a convence. Eu digo que ela tem o meu jeitão, que é mandona como eu, mas ela não se anima. Então eu encontro os arquivos de fotos no computador e vamos olhando as centenas de fotos que acompanham as nossas vidas. Só depois de muito tempo ela se acalma.
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Um comentário:
Muito bom!
Selva
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