terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Todos bem, obrigado
Sting - When we dance
A dica foi do meu pai. Foi ele que me disse para observar as crianças, até mesmo à distância, sem fazer perguntas.
_Elas cantam quando estão felizes, então é fácil saber - disse o meu pai.
E é mesmo simples assim. Eu estava preocupado, porque começaram a usar aparelho nos dentes e nos primeiros dias isso é muito, muito irritante. Com a volta às aulas, a preocupação aumentou, especialmente porque ainda não completaram uma semana com toda aquela engenhoca móvel, estão falando meio farofa. Então me lembrei dessa conversa antiga com meu pai, que tinha outro contexto, não me lembro mais o que era. Sei que falávamos da felicidade e de como saber se as crianças estão felizes.
_Quando a gente pergunta se está tudo bem eles dizem que sim, muito obrigado, bem educados. Mas não sei se é preguiça de responder, se é uma resposta só para me deixar tranquilo ou se realmente está tudo bem. O que acha? - eu disse.
_Menino contente costuma cantar - disse o meu pai.
_E se a música for triste? - eu disse.
_Então é missa, ou menino querendo agradar adulto - ele disse.
_E se for a música tema de Tropa de Elite? - eu disse.
_É hora de cortar o vídeo - ele disse.
_E se também dançarem? - eu disse.
_Entre para o show business - ele disse.
Putz, nem meu pai aguenta minhas perguntas, disso eu me lembro.
Hoje, de longe, vi que cantavam e dançavam. Aguçei o ouvido. Era aquela musiquinha do elefante.
Um elefante,
se balançava,
numa teia de aranha,
quando ele viu,
que a teia aguentava,
foi chamar outro elefante,
Dois elefantes,
se balançavam...
O objetivo dessa canção é saturar o ouvinte de elefantes até que alguém se irrite e ameace os cantores com trombadas. Quando estavam em 19 elefantes pedi que parassem. Foram ao delírio. Cantaram até 27 elefantes, berrando alto, na beira da piscina. Brincaram duas horas dentro dágua. E também molharam o Rafa. Depois colocaram os aparelhos e cantarolaram outras musiquinhas. Nem mencionaram os aparelhos. Como se vê, estamos todos bem, obrigado.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Volta à aulas 2012
I Can't Take My Eyes Off You - Cena de abertura de "Closer"
As crianças voltaram às aulas. Ninguém se atrasou. Deu tudo certo. E eu não fiz nada, só imprimi as etiquetas personalizadas do material escolar. Minha mulher organizou todo o material escolar sozinha e deixou as mochilas prontas na véspera.
Só uma coisa não saiu como o planejado: não retomei os passeios com o Rafa antes do café da manhã. Isso é importante para o Rafa. Nos tempos do velho apê nós caminhávamos em volta da quadra antes que eu levasse as crianças para a escola. E o Rafa está gordinho, ele precisa caminhar.
Meu filho está feliz porque neste ano terá direito a um armário na escola. Ele já tem um cadeado. O sorteio dos armários deverá acontecer no final da semana. Minha filha sugeriu outro nome vencedor para a sua série. A turma vai se chamar "Ouro".
Ela também está feliz porque não houve grandes mudanças na turma, as grandes amigas de sete anos de idade continuam juntas. Minha mulher está feliz porque as crianças estão felizes. Eu começo a achar que também não poderia estar mais feliz, mas poderia, é claro.
Não gosto muito de me lembrar dos tempos da infância e da escola. Foram bons tempos, mas me sinto piegas e meloso quando lembro das minhas histórias de criança. Então prefiro não me lembrar. Também evito fotos da época. Mas hoje, por coincidência, encontrei na gaveta do armário uma camisa de abotoar dos meus tempos de escola primária. Os nomes dos meus colegas estão rabiscados com caneta esferográfica.
Depois me lembrei que minha mãe guardou essa camisa durante anos e anos e só recentemente me entregou. Fiquei com dó de jogar fora e enfiei numa gaveta do armário. Hoje de manhã, acordei em câmera lenta e peguei a camisa de abotoar quando procurava por um par de meias. Dobrei a camisa com cuidado e a recoloquei no fundo da gaveta. Mas, antes, não pude evitar. Procurei pelo nome dela até encontrar. Estava bem fácil, no lado de dentro do bolso da camisa, bem em cima do coração. Flávia Tatiana, minha primeira paixão.
domingo, 29 de janeiro de 2012
Granizo e minhocas
Weezer - The Weight
Choveu granizo na tarde de hoje, logo após o almoço. As crianças correram para pegar algumas pedras de gelo. O gramado do quintal do meu co-cunhado ficou cheio de pedras que caíram do céu. Eu também corri para pegar gelo. Algumas pedras eram do tamanho de bolas de gude. Fiquei com medo do vidro do carro ser quebrado. Mas não houve nenhum problema. Só conversas esquisitas.
_Por que será que as pedras de gelo estão pulando da grama? - disse o meu co-cunhado. Ele não fuma, nem nada. E só tinha tomado uma cerveja long neck.
_Como assim? - eu disse.
_Ué, as pedras estão pulando da grama, não está vendo? - ele disse.
_Não, você está brincando, as pedras de granizo estão caindo e aí quicam no gramado - eu disse.
_Não, senhor. Elas caem e as que estão no gramado por algum motivo pulam para cima - ele disse.
_Você não está falando sério, está? - eu disse.
_Olha lá, olha lá - ele disse, apontando para as pedras de granizo quicando no gramado.
_Você está enganado. O granizo cai muito rápido e só quando bate no gramado é que o olho percebe. Dá a impressão de que as pedras estão pulando do gramado - eu disse.
_Será? - ele disse.
_Tenho certeza - eu disse.
Ficamos observando o granizo por algum tempo. Aproveitei para examinar a garrafa de long neck. Parecia normal.
_Não sei, não. Acho que tem alguma coisa no gramado que faz o granizo pular - ele disse.
_Talvez sejam as minhocas sopradoras - eu disse.
_Minhocas sopradoras? - ele disse.
_São raras, só aparecem quando chove granizo. Elas sopram muito forte - eu disse.
_Deixa de ser bobo, minhoca sopradora não existe - ele disse.
_Tem razão. Só existe granizo canguru - eu disse.
Boa, aquela cerveja.
sábado, 28 de janeiro de 2012
Errar se erra errando
Nazareth - Morning Dew
Estou pegando uma mania besta de esquecer os tênis. Eu desço, vou para o computador no escritório e acabo ficando só de meias. As muriçocas voltaram então é preciso proteger os pés. Deixo os tênis debaixo da mesa, leio e escrevo. Às vezes desenho no computador, mas prefiro usar papel. Vou direto no moleskine, não gosto de fazer rascunho. Em geral, fico tentando desenhar primeiro na cabeça, depois é que rabisco. Durante anos desenhei direto com caneta gel preta. Errei muito. Acho que aprendi a conviver com os erros. Começo a acreditar que isso é um acerto, embora não seja muito ortodoxo. Eu me distraio e quando vejo estou em alguma outra parte da casa, só de meias. Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha, gosta de puxar as minhas meias. E então vou procurar os tênis.
Encontrei quatro pares de tênis debaixo da mesa do escritório. Estou fazendo escola. As crianças também estão deixando as sandálias e chinelos debaixo da mesma mesa. Rafa também começa a trazer coisas para colocar debaixo da mesa. Rafa é seletivo. Traz só as coisas que mais gosta. Um velho par de meias amarradas, que a minha mulher jogou para que ele brincasse e eu nunca mais usasse. Tem ainda um graveto que ele mordisca e uma bóia branca de caixa dágua. Ele encontrou a bóia no quintal. É o seu brinquedo predileto. É maior do que a cabeça do Rafa, essa bóia.
Enquanto escrevo essas coisas, meu filho vem me dizer que está sem sono e não consegue dormir. Prevejo problemas para a próxima segunda-feira, que é quando as aulas vão recomeçar. A semana de readaptação ao horário de escola foi um fracasso, é claro. As crianças continuaram a dormir tarde. Mas depois de amanhã eu retorno para aquele papel de pai chato que fica controlando horário. Dizem que a gente aprende com os erros, mas eu acho que isso está errado. A gente aprende é com os acertos e sucessos, pois é deles que gostamos de lembrar. Os erros a gente trata logo de esquecer.
Oposição sem rumo - Outra análise do Prof. Villa
Oposição sem rumo
28 de janeiro de 2012 | 3h 05
MARCO ANTONIO VILLA - O Estado de S.Paulo
Nesta semana fomos surpreendidos por uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso. Não pela entrevista, claro, mas pela análise absolutamente equivocada da conjuntura brasileira. Esse tipo de reflexão nunca foi seu forte. Basta recordar alguns fatos.
Em 1985 iniciou a campanha para a Prefeitura paulistana tendo como aliados o governador Franco Montoro e o governo central, que era controlado pelo PMDB, além da própria Prefeitura, sob o comando de Mário Covas. Enfrentava Jânio Quadros, um candidato sem estrutura partidária, sem programa e que entrou na campanha como livre atirador. Fernando Henrique achou que ganharia fácil. Perdeu.
No ano seguinte, três meses após a eleição municipal, propôs, em entrevista, que o PMDB abandonasse o governo, dias antes da implementação do Plano Cruzado, que permitiu aos candidatos da Aliança Democrática vencer as eleições em todos os Estados. Ele, aliás, só foi eleito senador graças ao Cruzado.
Passados seis anos, lutou para que o PSDB fizesse parte do governo Fernando Collor. Ele seria o ministro das Relações Exteriores (e o PSDB receberia mais duas pastas). Graças à intransigência de Covas, o partido não aderiu. Meses depois, foi aprovado o impeachment de Collor.
Em 1993, contra a sua vontade, foi nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco. Não queria, de forma alguma, aceitar o cargo. Só concordou quando soube que a nomeação havia sido publicada no Diário Oficial (estava no exterior quando da designação). E chegou à Presidência justamente por esse fato - e por causa do Plano Real, claro.
Em 2005, no auge da crise do mensalão, capitaneou o movimento que impediu a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Lula. Espalhou aos quatro ventos que Lula já era página virada na nossa História e que o PSDB deveria levá-lo, sangrando, às cordas, para vencê-lo facilmente no ano seguinte. Deu no que deu, como sabemos.
Agora resolveu defender a tese de que a oposição tenha um candidato presidencial, com uma antecedência de dois anos e meio do início efetivo do processo eleitoral. É caso único na nossa História. Nem sequer na República Velha alguém chegou a propor tal antecipação. É uma espécie de dedazo, como ocorria no México sob o domínio do PRI. Apontou o dedo e determinou que o candidato tem de ser Aécio Neves. Não apresentou nenhuma ideia, uma proposta de governo, nada. Disse, singelamente, que Aécio estaria mais de acordo com a tradição política brasileira. Convenhamos que é um argumento pobre. Ao menos deveria ter apresentado alguma proposta defendida por Aécio para poder justificar a escolha.
A ação intempestiva e equivocada de Fernando Henrique demonstra que o principal partido da oposição, o PSDB, está perdido, sem direção, não sabendo para onde ir. O partido está órfão de um ideário, de ao menos um conjunto de propostas sobre questões fundamentais do País. Projeto para o País? Bem, aí seria exigir demais. Em suma, o partido não é um partido, na acepção do termo.
Fernando Henrique falou da necessidade de alianças políticas. Está correto. Nenhum partido sobrevive sem elas. O PSDB é um bom exemplo. Está nacionalmente isolado. Por ser o maior partido oposicionista e não ter definido um rumo para a oposição, acabou estimulando um movimento de adesão ao governo. Para qualquer político fica sempre a pergunta: ser oposição para quê? Oposição precisa ter programa e perspectiva real de poder. Caso contrário, não passa de um ajuntamento de vozes proclamando críticas, como um agrupamento milenarista.
Sem apresentar nenhuma proposta ideológica, a "estratégia" apresentada por Fernando Henrique é de buscar alianças. Presume-se que seja ao estilo petista, tendo a máquina estatal como prêmio. Pois se não são apresentadas ideias, ainda que vagas, sobre o País, a aliança vai se dar com base em qual programa? E com quais partidos? Diz que pretende dividir a base parlamentar oficialista. Como? Quem pretende sair do governo? Não será mais uma das suas análises de conjuntura fadadas ao fracasso?
O medo de assumir uma postura oposicionista tem levado o partido à paralisia. É uma oposição medrosa, envergonhada. Como se a presidente Dilma Rousseff tivesse sido eleita com uma votação consagradora. E no primeiro turno. Ou porque a administração petista estivesse realizando um governo eficiente e moralizador. Nem uma coisa nem outra. As realizações administrativas são pífias e não passa uma semana sem uma acusação de corrupção nos altos escalões.
O silêncio, a incompetência política e a falta de combatividade estão levando à petrificação de um bloco que vai perpetuar-se no poder. É uma cruel associação do grande capital - apoiado pelo governo e dependente dele - com os setores miseráveis sustentados pelos programas assistencialistas. Ou seja, o grande capital se fortalece com o apoio financeiro do Estado, que o brinda com generosos empréstimos, concessões e obras públicas. É a privatização em larga escala dos recursos e bens públicos. Já na base da pirâmide a estratégia é manter milhões de famílias como dependentes de programas que eternizam a disparidade social. Deixam de ser miseráveis. Passam para a categoria da extrema pobreza, para gáudio de alguns pesquisadores. E tudo temperado pelo sufrágio universal sem política.
Em meio a este triste panorama, não temos o contradiscurso, que existe em qualquer democracia. Ao contrário, a omissão e a falta de rumo caracterizam o PSDB. Para romper este impasse é necessário discutir abertamente uma proposta para o País, não temer o debate, o questionamento interno, a polêmica, além de buscar alianças programáticas. É preciso saber o que pensam as principais lideranças. Numa democracia ninguém é líder por imposição superior. Tem de apresentar suas ideias.
MARCO ANTONIO VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)
28 de janeiro de 2012 | 3h 05
MARCO ANTONIO VILLA - O Estado de S.Paulo
Nesta semana fomos surpreendidos por uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso. Não pela entrevista, claro, mas pela análise absolutamente equivocada da conjuntura brasileira. Esse tipo de reflexão nunca foi seu forte. Basta recordar alguns fatos.
Em 1985 iniciou a campanha para a Prefeitura paulistana tendo como aliados o governador Franco Montoro e o governo central, que era controlado pelo PMDB, além da própria Prefeitura, sob o comando de Mário Covas. Enfrentava Jânio Quadros, um candidato sem estrutura partidária, sem programa e que entrou na campanha como livre atirador. Fernando Henrique achou que ganharia fácil. Perdeu.
No ano seguinte, três meses após a eleição municipal, propôs, em entrevista, que o PMDB abandonasse o governo, dias antes da implementação do Plano Cruzado, que permitiu aos candidatos da Aliança Democrática vencer as eleições em todos os Estados. Ele, aliás, só foi eleito senador graças ao Cruzado.
Passados seis anos, lutou para que o PSDB fizesse parte do governo Fernando Collor. Ele seria o ministro das Relações Exteriores (e o PSDB receberia mais duas pastas). Graças à intransigência de Covas, o partido não aderiu. Meses depois, foi aprovado o impeachment de Collor.
Em 1993, contra a sua vontade, foi nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco. Não queria, de forma alguma, aceitar o cargo. Só concordou quando soube que a nomeação havia sido publicada no Diário Oficial (estava no exterior quando da designação). E chegou à Presidência justamente por esse fato - e por causa do Plano Real, claro.
Em 2005, no auge da crise do mensalão, capitaneou o movimento que impediu a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Lula. Espalhou aos quatro ventos que Lula já era página virada na nossa História e que o PSDB deveria levá-lo, sangrando, às cordas, para vencê-lo facilmente no ano seguinte. Deu no que deu, como sabemos.
Agora resolveu defender a tese de que a oposição tenha um candidato presidencial, com uma antecedência de dois anos e meio do início efetivo do processo eleitoral. É caso único na nossa História. Nem sequer na República Velha alguém chegou a propor tal antecipação. É uma espécie de dedazo, como ocorria no México sob o domínio do PRI. Apontou o dedo e determinou que o candidato tem de ser Aécio Neves. Não apresentou nenhuma ideia, uma proposta de governo, nada. Disse, singelamente, que Aécio estaria mais de acordo com a tradição política brasileira. Convenhamos que é um argumento pobre. Ao menos deveria ter apresentado alguma proposta defendida por Aécio para poder justificar a escolha.
A ação intempestiva e equivocada de Fernando Henrique demonstra que o principal partido da oposição, o PSDB, está perdido, sem direção, não sabendo para onde ir. O partido está órfão de um ideário, de ao menos um conjunto de propostas sobre questões fundamentais do País. Projeto para o País? Bem, aí seria exigir demais. Em suma, o partido não é um partido, na acepção do termo.
Fernando Henrique falou da necessidade de alianças políticas. Está correto. Nenhum partido sobrevive sem elas. O PSDB é um bom exemplo. Está nacionalmente isolado. Por ser o maior partido oposicionista e não ter definido um rumo para a oposição, acabou estimulando um movimento de adesão ao governo. Para qualquer político fica sempre a pergunta: ser oposição para quê? Oposição precisa ter programa e perspectiva real de poder. Caso contrário, não passa de um ajuntamento de vozes proclamando críticas, como um agrupamento milenarista.
Sem apresentar nenhuma proposta ideológica, a "estratégia" apresentada por Fernando Henrique é de buscar alianças. Presume-se que seja ao estilo petista, tendo a máquina estatal como prêmio. Pois se não são apresentadas ideias, ainda que vagas, sobre o País, a aliança vai se dar com base em qual programa? E com quais partidos? Diz que pretende dividir a base parlamentar oficialista. Como? Quem pretende sair do governo? Não será mais uma das suas análises de conjuntura fadadas ao fracasso?
O medo de assumir uma postura oposicionista tem levado o partido à paralisia. É uma oposição medrosa, envergonhada. Como se a presidente Dilma Rousseff tivesse sido eleita com uma votação consagradora. E no primeiro turno. Ou porque a administração petista estivesse realizando um governo eficiente e moralizador. Nem uma coisa nem outra. As realizações administrativas são pífias e não passa uma semana sem uma acusação de corrupção nos altos escalões.
O silêncio, a incompetência política e a falta de combatividade estão levando à petrificação de um bloco que vai perpetuar-se no poder. É uma cruel associação do grande capital - apoiado pelo governo e dependente dele - com os setores miseráveis sustentados pelos programas assistencialistas. Ou seja, o grande capital se fortalece com o apoio financeiro do Estado, que o brinda com generosos empréstimos, concessões e obras públicas. É a privatização em larga escala dos recursos e bens públicos. Já na base da pirâmide a estratégia é manter milhões de famílias como dependentes de programas que eternizam a disparidade social. Deixam de ser miseráveis. Passam para a categoria da extrema pobreza, para gáudio de alguns pesquisadores. E tudo temperado pelo sufrágio universal sem política.
Em meio a este triste panorama, não temos o contradiscurso, que existe em qualquer democracia. Ao contrário, a omissão e a falta de rumo caracterizam o PSDB. Para romper este impasse é necessário discutir abertamente uma proposta para o País, não temer o debate, o questionamento interno, a polêmica, além de buscar alianças programáticas. É preciso saber o que pensam as principais lideranças. Numa democracia ninguém é líder por imposição superior. Tem de apresentar suas ideias.
MARCO ANTONIO VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Contenção de despesas nível 5 alerta vermelho
Terence Trent D'Arby - Wishing Well
É verdade. Às vezes eu tenho a impressão de que a crise passou por aqui em casa antes de pular o Equador, quebrar aqueles bancos nos EUA e depois rumar para a Europa, quebrando países. É coisa séria. A crise lá fora está uma loucura embora não se veja ninguém arrancando os cabelos. Por aqui dizem que o país está bombando, que nunca fomos tão felizes e cheios da nota, mas não é o que diz o meu saldo bancário. Somos bem felizes, é verdade, mas ninguém aqui em casa fica dando risada à tôa. Também é bem verdade que eu não tenho mais um contracheque, no máximo aparecem uns cheques do contra uma hora aqui outra acolá.
Estamos nos virando, é claro. Eu me viro o tempo todo, sou um paranóico convicto. Para você ter uma idéia, uma vez eu estava indo para uma festa encontrar uns amigos e tive a impressão de que um carro me seguia. Eu olhei pelo retrovisor, balancei a cabeça, não, não poderia ser verdade, quem iria me seguir?, mas olhei de novo e lá estava o carro, os faróis brilhando, o da esquerda meio cambeta. Mudei de pista e o farol cambeta também mudou. Voltei para a outra pista, o farol cambeta também voltou. Diminuí a marcha e o cara também. Acelerei, o sujeito colou no meu para-choques(os carros tinham isso naquele tempo). Liguei o limpador do vidro traseiro. O carro de trás lavou os vidros da frente.
Putz, eu pensei, além de me seguir o cara também está me imitando. E aí reparei que atrás do farol cambeta tinha um outro carro que também fazia tudo o que eu e o meu imitador fazíamos.
Putz, estou perdido, pensei. Tenho que me livrar desses caras, vai ver, são sequestradores, ou então isso é uma nova modalidade de assalto. Os caras seguem você até provocar um ataque cardíaco ou você bater de tanto olhar para o retrovisor, o que acontecer primeiro. Aí eles te cercam e...zás, entrei bruscamente à direita para despistar os dois seguidores. Mas não adiantou. Os caras conseguiram fazer a curva, o cambeta cantou os pneus e acho até que levantou duas rodas. Mas ali estavam os caras, firmes no meu retrovisor.
Putz, e agora, e agora, e agora? Então eu entrei por uma via mais calma, quase sem trânsito. Pensei em dar um cavalo de pau e enfrentar os seguidores, mas não sei dar cavalo de pau. Pensei em pular do carro em movimento, rolando pelo asfalto. Mas ia ser um preju danado, eu ainda estava numa das 60 prestações do consórcio. Enquanto eu pensava em ágio e na falta de seguro, a rua acabou. Putz. Não tinha jeito. Eu tinha que me entregar. Abri a porta do carro e saí com as mãos para cima.
_Não atirem, não atirem, eu me rendo - eu disse.
_Pô, Careca, não sabe o endereço da festa? - disse um amigo meu que tinha um dodginho histórico, com uns faróis cambetas. Atrás dele, num fusca, outros amigos também reclamavam.
Depois disso, nunca mais liderei uma caravana até uma festa. Eu até que tentei, mas sempre tinha alguém para lembrar dessa história. E foi justamente enquanto eu me lembrava dessa história que a moça do caixa disse que o cartão não estava funcionando.
_Como? - eu disse.
_O cartão não está sendo reconhecido, senhor - ela disse. Moça, simpática, bem educada, e me olhava como se eu fosse um estelionatário amador. E velho.
_Hum, não está sendo reconhecido, hum - eu disse. Eu repito as coisas quando acho que não fazem sentido, é mania minha.
_É, senhor. É preciso inserir o cartão novamente - ela disse. E estendeu a mão.
Eu tenho uma reação alérgica quando estendem a mão para pegar o meu cartão de banco. Não sei porque, mas toda vez eu recuo o cartão e o protejo com o corpo. É uma reação comum, instintiva. Já vi gente protegendo o cartão com a mão, como se fosse uma carta de poker. Já vi gente trocar o cartão e mostrar o cartão certo. E também já vi gente que teve o cartão apreendido até o gerente chegar. E o gerente sempre demora. Por isso, tenho o maior medo de ficar sem cartão.
_Pode deixar que eu mesmo tento - eu disse. E olhei para a fila do caixa. Era imensa. Em dois minutos, parece que trinta pessoas entraram na fila do caixa. E agora, todas elas me odiavam, é claro. Eu sei, porque eu também já sucumbi ao ódio da fila do caixa. Foi só uma vez, mas foi marcante. Sei que daquela vez eu prometi que não iria mais odiar nem ser odiado na fila do caixa, mas esqueci de combinar com o meu cartão. Ele não era reconhecido.
_Putz, isso nunca aconteceu antes - eu disse.
_É claro, senhor - disse a moça do caixa. E eu pude notar que ela não acreditava em mim. E também olhei para a fila do caixa e peguei uns três ou quatro caras revirando os olhos, como se também não acreditassem naquela cascata. Embora fosse verdade, diga-se e ressalte-se de passagem. Nunca tinha acontecido aquilo de não ser reconhecido.
_Pô, mas eu sou eu mesmo, e este é o meu cartão, juro, como é que a máquina não reconhece? - eu disse. E passei a digital no visor da máquina, olhei de perto, sei lá, hoje em dia tem maquininha que reconhece até fundo de olho, mas nada deu certo.
A moça do caixa então estendeu a mão novamente, mas eu sorri e disse que tinha um plano b.
_Eu tenho um plano b - eu disse.
_Como? - disse a moça do caixa.
_Vou telefonar para a minha mulher e ela vem pagar a conta - eu disse.
A moça do caixa deu um sorrisinho irônico, daqueles de canto da boca, e na certa deve ter pensado com seus botões que eu era mais um marmanjo vagabundo e cervejeito sustentado pela mulher. No que ela tinha um pouco de razão, embora a situação tivesse pelo menos uma atenuante. Eu não estava comprando nenhuma cerveja. Atrás dela, outros fregueses balançavam a cabeça. Um velhinha disfarçou uma careta de nojo. Parecia a velhinha do Frajola e PiuPiu, com o cabelo em coque. Lá no final da fila alguém soltou uma gargalhada. Só podia ser comigo, é claro.
E assim, ó minha kombi de leitores, eu liguei para a minha mulher e pedi socorro. Até ela chegar, enfrentei os olhares de reprovação de uma penca de seres humanos que tinham cartão sem problemas. Menos da velhinha. O dela também não foi reconhecido.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Em busca de um colchão
PM DAWN - GOT ME FLOATIN
Eu e a minha mulher passamos as tardes dos últimos dias visitando lojas à procura de colchões novos para crianças. Fomos numas vinte lojas e ouvimos pelos menos vinte e um vendedores. Sim, numa loja conversamos com dois vendedores, um se cansou logo da gente. Numa das primeiras lojas, quando ainda prestávamos atenção, a vendedora foi bem instrutiva ao nos dar uma aula sobre o tempo de vida dos colchões.
_Agora o tempo de vida estabelecido pela ABNT é de cinco anos - disse a vendedora.
_Como assim? Lá em casa o colchão já tem mais de dez anos e está novinho - disse a minha mulher, que me deu uma olhada que significa "você não vai falar nada?".
_É. Novinho - eu disse.
É bem mais forte do que eu, não tem jeito. Todas as vezes que minha mulher joga esse olhar de "você não vai falar nada?" para cima de mim eu me transformo num eco humano. É como se eu entrasse no "modus operandi coadjuvante", onde tudo o que eu preciso fazer é sorrir nas horas certas e repetir a última palavra, à la Barbosa.
_Acredito, acredito - disse a vendedora. E sorriu para pegar fôlego.
_Lá em casa o colchão também tinha mais de dez anos. Mas desde que eu me tornei vendedora de colchões, troco o colchão de cinco em cinco anos e vale a pena, não me arrependo. Já visitei fábricas e mais fábricas, sei como são feitos e já vi como fica, pelo lado de dentro, um colchão com mais de dez anos. É pior do que aquelas fotos que colocam em maço de cigarros. É um horror - disse a vendedora.
Ela falou da cor e dos cheiros do colchão com mais de dez anos. Minha mulher ficou impressionada com a descrição. Então ela começou a enfatizar as qualidades dos colchões novos e do tanto que os colchões velhos favorecem o aparecimento de alergias, especialmente em crianças e casais jovens.
_Nossa! - disse a minha mulher. E me olhou de novo com aquele olhar.
_Ssa! - eu disse.
_Acho que também vamos ter que comprar um colchão novo - disse a minha mulher.
_Novo?! - eu disse.
_É, o colchão da gente já tem mais de dez anos - disse a minha mulher.
_Mas está novinho, a Rose vira de seis em seis meses - eu disse.
_É, eu também fazia isso, mas não adianta nada, vai por mim. Por dentro, é um horror - disse a vendedora.
_Horror - dissemos eu e a minha mulher.
Excelente vendedora. Ela nos deu o maior susto e nos convenceu de que realmente precisávamos de colchões novos. O único problema é que nos convenceu bem demais e decidimos no ato que os colchões deveriam ser para pronta entrega. Na verdade, ficamos tão impressionados que se a loja tivesse pelo menos um colchão disponível teríamos saído com ele, eu mesmo carregaria. Mas o melhor que ela poderia fazer era nos entregar em 45 dias, e nesse tempo o mundo dá muitas voltas.
Ao sairmos da loja os efeitos persuasivos da vendedora começaram a se dissipar e nós fomos recuperando a consciência, aos poucos. A nossa educação sobre colchões foi se formando rapidamente, e nos últimos cinco vendedores, já sabíamos das vantagens e desvantagens de um monte de colchões que estão no mercado.
Então eu me lembrei de uma vez que saí com minha mãe para comprar um colchão novo para mim. Na época, eles recomendavam um colchão que tinha uma tábua sobre espumas e molas. Era duro pacas o colchão recomendado. E também muito caro. Mas era muito bom para a coluna, a formação moral e cívica e bem-estar social do jovem que dormisse sobre ele. Minha mãe ouviu aquela arenga sobre o colchão e acreditou. Acabou encontrando um mais em conta e, como resultado, dormi sobre uma placa dura de madeira do final da infância até o início da vida adulta. Então eu contei essa historinha para a minha mulher, sugerindo que talvez essa história de tempo de vida não fosse bem assim e no final que talvez fosse melhor a gente manter o colchão grande e comprar só os novos para as crianças.
_É claro, estamos em contenção de despesas nível cinco alerta vermelho - disse a minha mulher.
Na tarde de ontem, resolvemos dar um tempo de ver colchões, até porque é muito chato ficar ouvindo aquela arenga sobre tempo de vida, conforto, alergia, qualidade, espuma, mola coberta e o escambau. Fomos ao cinema ver "O espião que sabia demais". Então, ó minha kombi de leitores, nós cronometramos direitinho e conseguimos chegar no shopping vinte minutos antes da fita começar a rodar. Por isso, resolvemos passear um pouco antes de comprar as entradas e as pipocas. Foi então que vimos ali, na área de saldão dessa loja, um colchão igual ao que a gente queria para uma das crianças com um megadesconto, pronta entrega e limpinho. Eu mesmo carreguei até o carro. Quase perdemos o filme, mas valeu, metade do problema já está resolvido.
Pelo menos era o que eu achava até acordar na manhã de hoje como se não tivesse dormido direito, até porque não dormi. A verdade é que não consegui deixar de pensar no que a vendedora falou sobre o interior dos colchões de mais de dez anos, sobre o horror e tudo mais e tive um pesadelo. Nele, eu demorava a descobrir que durante anos dormi sobre um colchão velhaco, que me roubava os meus mais belos sonhos, além de servir de criadouro de ácaros e outros bichos microscópicos comedores de pele e me fazer espirrar. Mas nem adianta sonhar com um colchão novo. Afinal, estamos em contenção de despesas nível cinco alerta vermelho.
Duas fotos do Careca
Novo artigo imperdível do Prof. Villa
O incômodo silêncio da oposição
PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA
Marco Antonio Villa
O silêncio da oposição incomoda. Desde 1945 – incluindo o período do regime militar – nunca tivemos uma oposição tão minúscula e inoperante. Vivemos numa grande Coreia do Norte com louvações cotidianas à dirigente máxima do país e em clima de unanimidade ditatorial. A oposição desapareceu do mapa. E o seu principal partido, o PSDB, resolveu inventar uma nova forma de fazer política: a oposição invisível.
A fragilidade da ação oposicionista não pode ser atribuída à excelência da gestão governamental. Muito pelo contrário. O país encerrou o ano com a inflação em alta, a queda do crescimento econômico, o aprofundamento do perfil neocolonial das nossas exportações e com todas as obras do PAC atrasadas. E pior: o governo ficou marcado por graves acusações de corrupção que envolveram mais de meia dúzia de ministros. Falando em ministros, estes formaram uma das piores equipes da história do Brasil. A quase totalidade se destacou, infelizmente, pela incompetência e desconhecimento das suas atribuições ministeriais.
Mesmo assim, a oposição se manteve omissa. No Congresso Nacional, excetuando meia dúzia de vozes, o que se viu foi o absoluto silêncio. Deu até a impressão que as denúncias de corrupção incomodaram os próceres da oposição, que estavam mais preocupados em defender seus interesses paroquiais. Um bom (e triste) exemplo é o do presidente (sim, presidente) do PSDB, o deputado Sérgio Guerra. O principal representante do maior partido da oposição foi ao Palácio do Planalto. Numa democracia de verdade, lá seria recebido e ouvido como líder oposicionista. Mas no Brasil tudo é muito diferente. Demonstrando a pobreza ideológica que vivemos, Guerra lá compareceu como um simples parlamentar, de chapéu na mão, querendo a liberação de emendas que favoreciam suas bases eleitorais.
Em 2011 ficou a impressão que os 44 milhões de votos recebidos pelo candidato oposicionista incomodam (e muito) a direção do PSDB. Afinal, estes eleitores manifestaram seu desacordo com o projeto petista de poder, apesar de todo o rolo compressor oficial. Mas foram logrados. O partido é um caso de exotismo: tem receio do debate político. Agora proclama aos quatro ventos que a oposição que realiza é silenciosa, nos bastidores, no estilo mineiro. Nada mais falso. Basta recordar o período 1945-1964 e a ação dos mineiros Adauto Lúcio Cardoso ou Afonso Arinos, exemplos de combativos parlamentares oposicionistas.
E pior: o partido está isolado, fruto da paralisia e da recusa de realizar uma ação oposicionista. Desta forma foi se afastando dos seus aliados tradicionais. É uma estratégia suicida e que acaba fortalecendo ainda mais a base governamental, que domina amplamente o Congresso Nacional e que deve vencer, neste ano, folgadamente as eleições nas principais cidades do país.
O mais grave é que o abandono do debate leva à despolitização da política. Hoje vivemos – e a oposição é a principal responsável – o pior momento da história republicana. O governo faz o que quer. Administra – e muito mal – o país sem ter qualquer projeto a não ser a perpetuação no poder. Com as reformas realizadas na última década do século XX foram criadas as condições para o crescimento dos últimos dez anos. Mas este processo está se esgotando e os sinais são visíveis. Não temos política industrial, agrícola, científica. Nada.
Este panorama é agravado pelo sufrágio universal sem política. Temos eleições regulares a cada dois anos. Foi uma conquista. Porém, a despolitização do processo eleitoral acentuado a cada pleito é inegável. Para a maior parte dos eleitores, a eleição está virando um compromisso enfadonho. Enfadonho porque vai perdendo sentido. Para que eleição, se todos são iguais? O eleitor tem toda razão. Pois quem tem de se diferenciar são os opositores.
Ser oposição tem um custo. O parlamentar oposicionista tem de convencer o seu eleitor, por exemplo, que os recursos orçamentários não são do governo, independente de qual seja. Orçamento votado é para ser cumprido, e não servir de instrumento do Executivo para coagir o Legislativo. Quando o presidente do principal partido de oposição vai ao Palácio do Planalto pedir humildemente a liberação de um recurso orçamentário, está legitimando este processo perverso e antidemocrático – inexistente nas grandes democracias. Deveria fazer justamente o inverso: exigir, denunciar e, se necessário, mobilizar a população da sua região que seria beneficiada por este recurso. Mas aí é que mora o problema: teria de fazer política, no sentido clássico.
Já do lado do governo, qualquer ação administrativa está estreitamente vinculada à manutenção no poder. Não há qualquer preocupação com a eficiência de um projeto. A conta é sempre eleitoral, se vai dar algum dividendo político. A transposição das águas do Rio São Francisco é um exemplo. Apesar de desaconselhado pelos estudiosos, o governo fez de tudo para iniciar a obra justamente em um ano eleitoral (2010). Gastou mais de um bilhão. Um ano depois, a obra está abandonada. Ruim? Não para o petismo. A candidata oficial ganhou em todos os nove estados da região e na área por onde a obra estava sendo realizada chegou a receber, no segundo turno, 95% dos votos, coisa que nem Benito Mussolini conseguiu nos seus plebiscitos na Itália fascista.
Se continuar com esta estratégia, a oposição caminha para a extinção. O mais curioso é que tem milhões de eleitores que discordam do projeto petista. Mais uma vez o Brasil desafia a teoria política.
PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA
Marco Antonio Villa
O silêncio da oposição incomoda. Desde 1945 – incluindo o período do regime militar – nunca tivemos uma oposição tão minúscula e inoperante. Vivemos numa grande Coreia do Norte com louvações cotidianas à dirigente máxima do país e em clima de unanimidade ditatorial. A oposição desapareceu do mapa. E o seu principal partido, o PSDB, resolveu inventar uma nova forma de fazer política: a oposição invisível.
A fragilidade da ação oposicionista não pode ser atribuída à excelência da gestão governamental. Muito pelo contrário. O país encerrou o ano com a inflação em alta, a queda do crescimento econômico, o aprofundamento do perfil neocolonial das nossas exportações e com todas as obras do PAC atrasadas. E pior: o governo ficou marcado por graves acusações de corrupção que envolveram mais de meia dúzia de ministros. Falando em ministros, estes formaram uma das piores equipes da história do Brasil. A quase totalidade se destacou, infelizmente, pela incompetência e desconhecimento das suas atribuições ministeriais.
Mesmo assim, a oposição se manteve omissa. No Congresso Nacional, excetuando meia dúzia de vozes, o que se viu foi o absoluto silêncio. Deu até a impressão que as denúncias de corrupção incomodaram os próceres da oposição, que estavam mais preocupados em defender seus interesses paroquiais. Um bom (e triste) exemplo é o do presidente (sim, presidente) do PSDB, o deputado Sérgio Guerra. O principal representante do maior partido da oposição foi ao Palácio do Planalto. Numa democracia de verdade, lá seria recebido e ouvido como líder oposicionista. Mas no Brasil tudo é muito diferente. Demonstrando a pobreza ideológica que vivemos, Guerra lá compareceu como um simples parlamentar, de chapéu na mão, querendo a liberação de emendas que favoreciam suas bases eleitorais.
Em 2011 ficou a impressão que os 44 milhões de votos recebidos pelo candidato oposicionista incomodam (e muito) a direção do PSDB. Afinal, estes eleitores manifestaram seu desacordo com o projeto petista de poder, apesar de todo o rolo compressor oficial. Mas foram logrados. O partido é um caso de exotismo: tem receio do debate político. Agora proclama aos quatro ventos que a oposição que realiza é silenciosa, nos bastidores, no estilo mineiro. Nada mais falso. Basta recordar o período 1945-1964 e a ação dos mineiros Adauto Lúcio Cardoso ou Afonso Arinos, exemplos de combativos parlamentares oposicionistas.
E pior: o partido está isolado, fruto da paralisia e da recusa de realizar uma ação oposicionista. Desta forma foi se afastando dos seus aliados tradicionais. É uma estratégia suicida e que acaba fortalecendo ainda mais a base governamental, que domina amplamente o Congresso Nacional e que deve vencer, neste ano, folgadamente as eleições nas principais cidades do país.
O mais grave é que o abandono do debate leva à despolitização da política. Hoje vivemos – e a oposição é a principal responsável – o pior momento da história republicana. O governo faz o que quer. Administra – e muito mal – o país sem ter qualquer projeto a não ser a perpetuação no poder. Com as reformas realizadas na última década do século XX foram criadas as condições para o crescimento dos últimos dez anos. Mas este processo está se esgotando e os sinais são visíveis. Não temos política industrial, agrícola, científica. Nada.
Este panorama é agravado pelo sufrágio universal sem política. Temos eleições regulares a cada dois anos. Foi uma conquista. Porém, a despolitização do processo eleitoral acentuado a cada pleito é inegável. Para a maior parte dos eleitores, a eleição está virando um compromisso enfadonho. Enfadonho porque vai perdendo sentido. Para que eleição, se todos são iguais? O eleitor tem toda razão. Pois quem tem de se diferenciar são os opositores.
Ser oposição tem um custo. O parlamentar oposicionista tem de convencer o seu eleitor, por exemplo, que os recursos orçamentários não são do governo, independente de qual seja. Orçamento votado é para ser cumprido, e não servir de instrumento do Executivo para coagir o Legislativo. Quando o presidente do principal partido de oposição vai ao Palácio do Planalto pedir humildemente a liberação de um recurso orçamentário, está legitimando este processo perverso e antidemocrático – inexistente nas grandes democracias. Deveria fazer justamente o inverso: exigir, denunciar e, se necessário, mobilizar a população da sua região que seria beneficiada por este recurso. Mas aí é que mora o problema: teria de fazer política, no sentido clássico.
Já do lado do governo, qualquer ação administrativa está estreitamente vinculada à manutenção no poder. Não há qualquer preocupação com a eficiência de um projeto. A conta é sempre eleitoral, se vai dar algum dividendo político. A transposição das águas do Rio São Francisco é um exemplo. Apesar de desaconselhado pelos estudiosos, o governo fez de tudo para iniciar a obra justamente em um ano eleitoral (2010). Gastou mais de um bilhão. Um ano depois, a obra está abandonada. Ruim? Não para o petismo. A candidata oficial ganhou em todos os nove estados da região e na área por onde a obra estava sendo realizada chegou a receber, no segundo turno, 95% dos votos, coisa que nem Benito Mussolini conseguiu nos seus plebiscitos na Itália fascista.
Se continuar com esta estratégia, a oposição caminha para a extinção. O mais curioso é que tem milhões de eleitores que discordam do projeto petista. Mais uma vez o Brasil desafia a teoria política.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Um belo dia
Trombone Shorty - Do To Me
Visitei meu irmão e entreguei o carrinho de apoio que construí para ele. Foi um presente prometido no final do ano passado. Dei uma olhada no quintal dele, que está ficando muito bonito. Aproveitei para pegar três estacas que serão fundamentais para um outro projeto que estou começando.
Ele me ofereceu alguns velhos pedaços de troncos para fazer bancos rústicos. Também me mostrou um pedaço do cais de madeira que havia na casa. A madeira desgastada, mas ainda muito consistente e forte, daria uma bela mesa de centro para a minha área externa, comentei. Ele disse que poderia me ajudar a colocar esse pedaço de cais no carro, mas hoje à tarde eu tive um compromisso, de modo que marquei para pegar tudo amanhã.
Na volta, passei no supermercado e vi uma estrutura de madeira de uma mesa sendo atirada num contêiner para reciclagem. Os tampos estavam imprestáveis, mas a estrutura estava perfeita. Parei e perguntei se eles não poderiam colocar a base de mesa no meu carro. Eles prontamente pegaram a estrutura e a colocaram no carro. Hoje à noite fiquei pensando em serrar a base do balcão e utilizá-la como estrutura para um tampo com a madeira do velho cais. Seja como for, coisas a fazer a partir de amanhã.
Nesta semana, começamos a retomar a rotina para a volta às aulas, que é na semana que vem. Hoje as crianças já dormiram mais cedo, antes das nove e meia. Durante o período letivo, os dias começam às seis e quarenta para elas e às seis da manhã para mim. Procuro dormir um mínimo de seis horas, mas ultimamente tenho acordado tarde. Por isso, a retomada da rotina também é muito importante para mim.
Amanhã vou instalar um espelho que minha mulher comprou no quartinho de vestir e reformar uma mesa e duas cadeiras do quarto de uma sobrinha. Tenho procurado utilizar o tempo da melhor maneira possível, sempre lembrando que as crianças ainda estão de férias e que é sempre bom brincar um pouco também. Se fizer sol, subo novamente no telhado e depois vou tomar um banho de piscina. Nesta semana, será preciso cortar novamente a grama e plantar uma série de mudas, inclusive os antúrios, que a minha mulher comprou para enfeitar o jardim. Ah, no domingo pintei de brancos os vasos da parede que fica ao lado da piscina. Foram duas horas de trabalho na escada sob sol forte, mas valeu a pena. Vou tirar uma foto para colocar aqui.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Nova linguística
Indian (Rémi GAILLARD)
Aos domingos, é fundamental pensar besteiras. Pois hoje, depois de assistir ao sensacional filme do Tintin em 3D, só me restava ficar zapeando no You Tube e pensando em besteiras. De repente, depois de alguns vídeos engraçadíssimos do Remi Gaillard, me descobri numa área de vídeos estranhos e decidi parar. Vídeo engraçado cansa. Mas pensar bobagem, não.
Existem alguns gentílicos que ainda não foram inventados, mas que mereciam um nome próprio. O cossogro, por exemplo, devia ser um nome comum e corriqueiro para designar o irmão da sogra. Sim, não é toda família que tem um cossogro, mas naquelas em que a figura existe, o nome faz falta, muita gente diz palavrão ou fala "pssit" quando chama o irmão da sogra e isso não pega nada bem.
Também acho que faz falta um nome para aquele primo agregado, que veio morar uns tempos na sua casa para estudar e acabou virando meio irmão. Como se trata de uma elevação do grau de parentesco, esses primos ou primas poderiam muito bem ser chamados de prirmão ou prirmona.
O irmão do cunhado também merecia um nome especial, faz muita falta naquelas reuniões de fim de ano, quando todo mundo se junta para tirar o amigo oculto. Eu, modestamente, sugiro "anado", para manter o sentido original do substantivo correlato.
E como melhor denominar o cunhado do seu co-cunhado, aquele sujeito que todo mundo trata com reverência porque tem um emprego público onde não é preciso dar as caras? Pensei em "anabonado", mas acho que pode causar confusão com outras palavras existentes.
Por último, fiquei um tempão pensando no melhor nome para designar aquele sujeito que casou com aquela sua prima em segundo grau maravilhosa, por quem você foi a vida inteira apaixonado mas que acabou virando um trubufu. Acabou que só consegui pensar em "azarodele". Caramba, desse jeito acabo falando árabe.
sábado, 21 de janeiro de 2012
O famoso hamburguer do Careca
Band of Skulls - Fires
Uma das coisas que a gente aprende com o passar do tempo é que existem pessoas sempre prontas para criticar o que você faz, ainda que não tenham bagagem para tanto. Evidentemente, as pessoas mais distantes de uma opinião qualificada sobre qualquer coisa são as primeiras a fazer a crítica mais perversa e destrutiva possível. Por outro lado, nem sempre a crítica tímida e positiva tem algum vínculo com a realidade. A verdade é que estamos sozinhos, sempre, e se você não der um jeito de construir um bom senso autocrítico, você está perdido, meu irmão.
Sei disso por causa do meu hamburguer. A vida inteira meu hamburguer foi criticado por pessoas que o esnobavam sem que o tivessem experimentado. Algumas pessoas simplesmente olhavam para a minha cara e me consideravam incapaz de fazer um hamburguer gostoso, no capricho, daqueles de fechar os olhos enquanto se mastiga. Aconteceu no segundo grau. Aconteceu no terceiro grau. Aconteceu com algumas namoradas. Aconteceu aqui em casa, na primeira vez que anunciei para os meus filhos que naquela noite eu é que faria os hambúrgueres.
_Xii, manhê, vamos ter que pedir pizza - disse o meu filho.
_Paiê, deixa disso, a mamãe vai fazer - disse a minha filha.
_Não senhora, eu não vou. Estou cansada de cozinha - disse a minha mulher.
_Pode deixar, está tudo sob controle. Ninguém nunca reclamou do meu hambúrguer - eu disse.
_Nem elogiou - disse a minha mulher.
_Acho que vou precisar de alguém para espremer laranjas - eu disse.
_Tudo bem, não está mais aqui quem falou. Vou ler o Lawrence Block - disse a minha mulher.
Então eu deixei a tv ligada para as crianças e me dediquei aos hambúrgueres, utilizando a minha velha e sensacional receita secreta para fazer hambúrgueres no capricho. Tudo bem, metade do segredo consiste em esquentar a frigideira uns três minutos antes de colocar ali o Max hamburguer ainda congelado. Cada hambúrguer deve ficar sendo virado na frigideira durante uns cinco minutos. Faça todos e depois prepare os pães. Abuse na manteiga para garantir um up no colesterol. Use manteiga para dourar a cebola. Volte os hamburgueres para a frigideira, esquente cada um por mais quatro minutos e deposite, com muito cuidado, uma fina fatia de queijo prato por cima. O calor do próprio hambúrguer deve derreter o queijo. Fica muito bom, embora tudo isso produza uma fumaça bem espessa e branca. As crianças se assustaram.
_Não se preocupe, pai, eu já liguei para os bombeiros - disse o meu filho.
_E eu já estou usando um lenço de máscara - disse a minha filha.
_Caramba, vocês estão parecendo as crianças das séries de TV com essas frases espertinhas. Só falta a risada gravada. Mas não tem o menor problema. Eu mesmo já liguei o ventilador portátil e logo, logo toda essa fumaça terá ido embora pela janela - eu disse.
_E então os outros índios virão para jantar - disse a minha mulher.
_Rá,rá. A velha piada dos sinais de fumaça. Pensei que ia ler o seu livro - eu disse.
_Eu tive que parar por causa da ... hum, cerração - disse a minha mulher.
_Tudo bem, já terminei mesmo. Todos na mesa para o melhor hambúrguer do mundo - eu disse.
E a verdade, ó minha kombi de leitores, é que todo mundo adorou os hambúrgueres que eu fiz. E alguns até queriam repetir. Tudo bem, você já adivinhou, a outra metade do segredo é demorar um bocado a servir porque a fome deixa qualquer comida deliciosa. E sim, é claro que essa é uma crítica que todo mundo pode fazer. Até mesmo quem nunca fez o próprio hambúrguer. Por isso, amanhã talvez eu faça cachorro-quente.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Motorista alerta
Count Skylarkin & Harvey K-Tel: Dub of a Preacherman
Passei algumas horas dos últimos dois dias na estrada, indo e voltando da minha cidade natal. Tirando a parte que tem muitos buracos, a estrada está muito boa, foi uma viagem sem problemas. A paisagem da estrada está bem bonita, nesta época do ano a vegetação está com um verde intenso, chove em diversos trechos, é uma época agradável para se viajar.
Viajei com os meus pais e o meu irmão. A idéia era revezar no volante, mas eu sou muito fominha de volante, dirigi a maior parte do tempo. Na verdade, acho que não sou um bom passageiro de automóvel, fico muito inquieto, não canso de olhar pela janela de lado, demoro a relaxar e sou ruim para puxar conversa com o motorista. Eu fico calado demais, demoro a pensar em alguma coisa interessante e acabo ficando calado, ou só concordando. Ou seja, estou mais para motorista mesmo, que pode ouvir o que os outros falam, mas deve se concentrar na estrada.
A verdadeira conversa descontraída numa viagem passa, necessariamente, pelo assunto besteirol ou borracha pura. Eu costumo ser muito bom para dizer besteiras, mas em viagem de carro, sentado no banco de trás, fico muito distraído com a paisagem e deixo passar as oportunidades.
Em família, nós acreditamos que deixar o motorista levemente irritado com gozações contribui para a qualidade da direção. É uma crença besta, mas nós levamos esse tipo de coisa muito a sério, todo mundo de casa quer colaborar, é uma coisa bonita.
Desta vez, catei apenas um buraco na pista, uma proeza considerável se levarmos em conta o número de buracos entre algumas cidadezinhas de Goiás. Mesmo assim, recebi vaias e apupos dos passageiros. Minha mãe aproveitou para intensificar a campanha pela redução da velocidade.
_Vá mais devagar. Você não vê os buracos porque está indo muito depressa - disse a minha mãe.
_Mas mãe, até os fuscas estão nos ultrapassando - eu disse.
_Os fuscas e os vemaghetis - disse o meu irmão.
_Olha, você errou dois buracos - disse o meu pai.
_Pai, aquele buraco era grande demais para desviar - eu disse.
_Mas não precisava acertar as quatro rodas nele - disse o meu pai.
_É porque ele vai rápido demais. Se ele diminuísse um pouco, não pegaria tantos buracos - disse a minha mãe.
_Olha aí, as kombis estão passando por nós - disse o meu irmão.
_Putz, mãe, eu já estou lento demais, até as kombis estão ultrapassando - eu disse.
_Buraco à frente, atenção - disse o meu pai.
_Vá mais devagar, senão você não vê os buracos - disse a minha mãe.
_Carroça pede passagem à esquerda - disse o meu irmão.
Isso se repetiu várias vezes na ida.
Na volta, minha mãe queria comprar pequis.
_Tinha pequi ali atrás, por quê você não parou? - disse o meu pai.
_Se ele fosse mais devagar, teria visto - disse a minha mãe.
_Pensei que era seriguela - eu disse.
_As bicicletas estão nos ultrapassando - disse o meu irmão.
Isso também se repetiu com algumas variações na volta. Foi uma ótima viagem.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Acelera aí, Airton
Concha Buika - Volver, volver
Vi o vídeo acima e achei muito bonito. Lindo mesmo. Voltar é muito bacana nas canções de amor, mas na vida real bacana é dar a volta por cima depois de sacudir a poeira. É triste voltar, bom mesmo é seguir em frente. E de preferência, sem um violeiro cabeludo arrastando o ritmo para complicar as coisas. Em frente, a galope. A todo vapor. Acelera aí, Airton.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Esquilos e molares
Mindy - Unleashed
Hoje minha mulher foi muito solidária comigo, tenho que registrar. Nós tiramos par ou ímpar e eu perdi, era a minha vez de ir ao cinema com as crianças. Na última vez, depois do par ou ímpar, eu não me prontifiquei a aturar ao lado da minha mulher e junto com as crianças a versão animada dos minúsculos homenzinhos azuis. Ela suportou os Smurfs com garra.
Eu gosto muito de ir ao cinema com as crianças, devo deixar claro. Mas tenho as minhas restrições peliculares. Em alguns filmes sinto vontade de sair correndo, mas quando vejo as crianças se divertindo, relaxo e espero a coisa acabar. Em outros, a vontade de sair correndo continua forte e tenho que me segurar na poltrona com força, cerrando os dentes. Isso aconteceu numa versão chatíssima de Scooby Doo, com uma animação chamada A Casa Monstro e também com todos os do Garfield.
Mas o que me tira do sério são os esquilos cantores. Quase parti um pré-molar vendo Alvin e os Esquilos e felizmente uma sinusite braba me impediu de acompanhar em tela grande as aventuras de Alvin e as Esquiletes no segundo episódio deste clássico da chatice animada. Minha mulher ficou desconfiada, e só se convenceu de que a sinusite era verídica quando apresentei a receita médica para ela.
Hoje, logo que acordamos ela me perguntou se eu estava bem, como estava a minha saúde, se havia algum problema comigo e eu respondi que estava me sentindo ótimo. Só então ela me disse que as crianças queriam ir ao cinema e que o filme escolhido era Alvin e os Esquilos 3.
_Nossa, senti uma vertigem súbita - eu disse.
_Não senhor, não caio nessa. E nem adianta descolar uma receita com o Dr. Cabeça, nessa eu não caio mais. Vamos tirar no par ou ímpar e quem perder, perdeu - ela disse.
_Tudo bem, mas vamos fazer isso só à tarde, porque prometemos levá-los à exposição dos bichos da era do gelo e tem um monte de outras coisas para fazer - eu disse, para ganhar tempo.
Mas não adiantou. O dia passou voando, com as crianças correndo, pulando, gritando, e se divertindo e nós dois enrolados com as lides do lar, a Rose está de férias e existem zilhões de coisas para fazer. Quando dei por mim, já era hora do par ou ímpar.
_Puxa, perdi. Vamos a melhor de três? - eu disse.
_Esta é a quarta melhor de três. E você perdeu todas. A próxima sessão é às seis da tarde - disse a minha mulher.
_Nossa, será que as crianças não querem dormir mais cedo? Quem sabe outro dia? - eu disse.
_Já enrolou demais. Elas querem ver o filme desde o ano passado. E hoje é segunda. O cinema é mais barato às segundas - disse a minha mulher.
_Bom, então talvez seja melhor esperar até a próxima segunda, estou achando as crianças muito cansadas - eu disse.
_Não, paiê, ninguém está cansado. Queremos ver o filme hoje - disseram as crianças.
_Como vocês não estão cansados? Vocês estão exaustos de tanto brincar, correr, pular, passear no shopping, ver exposição de animais da era do gelo, brincar, correr, nadar, pular e depois tudo de novo, caramba, até eu estou cansado - eu disse.
_Não. Vamos ver o filme - disseram.
E aí minha filha olhou para mim fazendo aquela cara do gatinho do Shreck, batendo as pálpebras e tudo.
_Vamos, vai - ela disse.
_Tudo bem, vocês venceram, vamos ao cinema - eu disse.
Nesse instante minha mulher deu um suspiro de satisfação e pegou uma revista grande para ler, pronta para desabar no sofá e ficar numa boa por duas ou até três horas. Então eu olhei para ela e também fiz aquela cara do gatinho, bati as pálpebras e tudo.
_Diga siiimmm - eu disse.
_Aqui está tão bom. Vai ficar tão tranquilo - disse a minha mulher.
_Siiimmmm - eu disse.
_Tchau - ela disse.
Mas ela mudou de idéia ou talvez o meu olhar de gatinho do Shreck tenha um efeito retardado, pois ela acabou indo ao cinema com a gente. E foi muito bom, sem ela eu não teria conseguido dirigir porque Alvin e os Esquilos 3 é uma tortura longa e muito dolorosa, acho que trinquei um ou dois molares desta vez. As crianças adoraram, como quase sempre acontece quando detestamos alguma coisa. Na saída, elas conversavam animadas sobre as cenas que mais tinham gostado.
_E aí, paiê, qual foi a parte que você mais gostou? - disse a minha filha.
_ Bom, o cinema não estava cheio, talvez não façam um número quatro - eu disse.
_Hã?
_Quero dizer, foi a parte em que eles fogem da ilha na jangada e todos os esquilinhos começam a cantar. Imagine só, você numa jangada em alto mar, com fome, sede, frio e molhado, e um monte de esquilinhos cantando à capela. Eu quase chorei - eu disse.
E é verdade. Foi nessa hora que trinquei o molar.
domingo, 15 de janeiro de 2012
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Imelda faz escola
VVBrown - Bottles
Acho que está tudo muito caro. E não é só porque estou curto. Tudo custa uma nota preta. Para mim, essa é a única explicação para os nossos turistas gastarem tanto no exterior. Aqui no Brasil, como tudo custa uma grana lascada, quem viaja não gasta tanto. Sim, eu sei que as pesquisas mostram que os brasileiros estão entre os maiores gastadores do planeta, atrás apenas de alguns xeiques árabes e dois ou três ditadores africanos. Minha explicação é simples: é tudo muambeiro. Brasileiro gasta muito lá fora para vender aqui dentro com um lucro que dê ao menos para bancar as passagens.
Agora mesmo alguns parentes da minha mulher estão nos esteites, torrando uma grana, a pretexto de ir à Disney. Levaram as malas quase vazias porque pretendem comprar um monte de roupas e bugigangas. Lá, as bugigangas são mais baratas e as roupas aguentam as máquinas de lavar roupa daqui. E é cada malão que só vendo. Foram com as crianças, é claro, uma menina de oito e um garoto de onze. Elas gostam tanto da Disney quanto eu de quiabo. As malas são do tamanho da menina ou talvez maiores um pouco. Quatro malas. Todas com rodinhas. Pelo menos uma sem alça.
Antes deles saírem foram super-gentis e perguntaram se a gente queria que trouxessem alguma coisa. Minha mulher foi super-educada e disse que não, quiéisso, não precisa. Eu estendi uma listinha de quarenta itens, mas minha mulher foi rápida e conseguiu rasgar a lista antes que a irmã a pegasse. Brincadeira, é claro. Estamos em alerta vermelho para qualquer despesa acima de dois dígitos. Antes de usar uma Garoupa, nós fazemos três orçamentos e uma reza de terço para que tudo dê certo com o cartão de crédito. A coisa está feia.
Por isso, hoje fiquei surpreso quando a minha mulher me chamou para fazermos "umas comprinhas".
_Quem convida, paga, lembra? - eu disse.
_Não se preocupe, vou comprar apenas o necessário - disse a minha mulher.
_Dizem que essa era a frase preferida da Imelda Marcos - eu disse.
_Não vamos numa loja de sapatos nicaraguense. Nós vamos ao Home Center, na sua loja preferida de bricabraque - disse ela.
_Lá onde eu compro as tralhas para marcenaria? - eu disse, salivando.
_Hum-hum - ela disse, batendo as pálpebras.
E nós fomos às compras, ó minha kombi, e voltamos para casa cheios de pacotes e dívidas no cartão de crédito. Sim, amanhã estaremos arrependidos mas consumir é viver, como já dizia Imelda. Bom, se ela não disse isso, deveria ter dito.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Blues da menina má
Aretha Franklin - Evil Gal Blues
Terminei um dos racks no meio da tarde. Não ficou muito bom na sala, talvez em outro lugar. Confesso que fiquei frustrado, mas é preciso melhorar o encaixe da base. Espaçadores também são imprescindíveis. De volta para a prancheta e para a mesa de trabalho.
Choveu o dia inteiro novamente. Acho que já é o décimo dia seguido de chuvas. O verniz que passei na segunda ainda não secou. Uma outra telha, sobre o escritório, precisou ser substituída. Outras três se partiram durante o trabalho.
Minha filha derrubou um bule de chá, que se espatifou todo. Ela brincava de limpar a sala. Chorou um bocado e só se acalmou depois que a colocamos para ajudar a arrumar a bagunça.
A máquina de lavar voltou a dar problema. Rafael, o cãozinho shi-tsu, mordeu a minha filha. À noite, mordeu o meu filho. Está irritado, o cachorrinho, e não comeu direito.
Almoçamos num self-service do shopping peba. Perto de casa tem um shopping novo, grande e chic, e um outro mais velho e bem menor. Almoçamos no segundo. Meu filho não quis o molho quatro queijos no spaghetti. Só colocou queijo ralado. Muito queijo ralado. Bom, ele quase virou a vasilha de queijo no prato dele. Mas comeu tudo. Minha filha demora muito a almoçar. E também a jantar. E enrola no café da manhã. À mesa, desata a falar. Às vezes eu me canso de esperar por ela. Quando ela percebe que estamos cansados de esperar, ela diz que está satisfeita. E então começamos a negociar as últimas garfadas. Em geral, ela deixa comida no prato. Meu filho come tudo. Minha mulher e eu também.
Esta é a última semana de acordar tarde. Na próxima, inicio um programa de readaptação à rotina escolar. Duvida? Bom, talvez eu deixe para começar depois do dia vinte, vamos ver.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Estantes e o peso dos livros
Dogo Argentino - Senses - Escuta e depois fala se não teve vontade de dançar.
Minha mulher deve ser a fã número dois do Lawrence Block, pois está lendo todos os livros que eu consegui comprar do grande escritor. Ela só não leu uma coletânea de contos policiais organizada por Block, o resto já foi. Alguém deu uma ajeitada na estante e conseguiu aproximar os livros por autores. Eu digo aproximar porque a estante não está realmente organizada por autores em ordem alfabética, quem arrumou preferiu a arrumação por tamanho e estilo de capas.
Minha estante não é muito grande, por isso colocamos os livros em fila dupla. Isso às vezes provoca algum contratempo, pois os nichos não aguentam muito peso. Menciono esse detalhe porque influi diretamente na organização dos livros, pois muitos autores só não estão com a obra completa reunida no mesmo nicho na estante por causa da capa e do peso de algumas edições.
Não é o caso do Lawrence Block. Os livros dele não pesam muito, mesmo essa coletânea que a minha mulher não quis ler pesa muito pouco. As capas é que destoam muito, não ia ficar bonito todos os livros do Block no mesmo lugar. Eu entendo isso.
Minha pequena coleção de Umberto Eco também não consegue ficar junta na estante. É que peso de livro engana. Às vezes, pelo tamanho, dá para imaginar que o livro é pesadão, você pega o livro imaginando que é um tijolo e fica surpreso de ser tão leve. Não é o caso do Umberto Eco, o cara escreve tanto ou mais que o Norman Mailer, é cada calhamaço que não acaba mais, se você ler em pé acaba malhadão. Na minha estante, os livros do Eco não ficam juntos porque metade da coleção ainda está na casa dos meus pais, até hoje não busquei os livros de lá. Tem bastante espaço aqui em casa agora, mas estou em modo de contenção de despesas "alerta 4", quem sabe não faço uma estante eu mesmo? É uma idéia.
Livro leve que parece pesado é "Os Invisíveis" do Paul Auster. Acho que o papel mais leve e a capa de papelão macio ajudam e enganar. Quem arrumou a estante deve ter tido uma surpresa ao pegar esse livro, porque ele realmente parece pesado. Mas um que não engana ninguém é Moby Dick. Na minha estante, só perde em peso para Os Miseráveis e as obras completas de Machado de Assis - que não estão completas, deve ser dito. Um dos volumes desapareceu, não encontro em lugar nenhum, não sei o que aconteceu, fico chateado quando acho que perdi um livro.
A verdade é que, mesmo sendo pequena, não consigo encontrar os livros na minha estante. A fila dupla prejudica a busca, é verdade, mas o meu maior problema é que sempre encontro outro livro que gostaria de ler antes de achar aquele que procurei inicialmente, que nem lembro mais qual era. E às vezes, eu acabo escrevendo do mesmo jeito que eu olho a minha estante.
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Quatro quadros em quadrado na parede da sala
Vintage Trouble - Not Alright by Me (Acoustic Cover)
Daqui a quatro meses, completamos um ano de casa nova. Os móveis estão sendo adquiridos ou feitos aos poucos. Compramos um sofá bonito para a sala, ficou dez. Ganhamos duas poltronas de uma amiga e praticamente encerramos a mobília da sala com outros móveis que já tínhamos. Os plantas no jardim crescem bem, temos flores por todos os lados. O quintal está bonito, fiz até uma pequena trilha de deck para enfeitar. Antes das chuvas, pintei o máximo que consegui de cercas e paredes, disfarcei bem algumas partes. Mas dentro de casa, as paredes ficaram todo esse tempo nuas, sem quadros.
Por isso, aproveitando o fato da minha mulher estar de férias, resolvemos hoje pendurar os primeiros quadros nas paredes. Primeiro percorremos a casa à procura da parede certa para começar. É uma coisa difícil, escolher parede. Por consenso, descartamos as paredes da cozinha e também da sala de jantar. Eu sugeri a parede da escada, mas minha mulher disse que não gosta de fotos na parede da escada, então não insisti. A parede da escada recebe luz natural, vai ser difícil encontrar um quadro para o local. Talvez eu acabe colocando um vaso, uma orquídea, quem sabe? Por fim, decidimos por estrear a colocação de quadros numa parede da sala, do lado esquerdo da lareira.
Deixei a minha mulher fazendo as medidas para estabelecer o local exato da colocação dos quadros. Uma das coisas fundamentais do casamento é não se meter nas contas que a outra pessoa está fazendo. Os erros, se existirem, acabarão se tornando evidentes, ninguém precisa corrigir o outro, não estamos mais na escola. Depois de uns dez minutos, eu voltei para a realização do teste do olho, ou o teste do ver-o-peso. Como já disse aquele grande decorador de ambientes, Le Cabeçon, "na colocação dos quadros é fundamental verificar se as coisas estão equilibradas, chèri". Para isso eu utilizei o meu equipamento de campo super high tech. Uma trena, uma caneta bic azul, uma régua de nível de trinta centímetros e a minha régua metálica de um metro de comprimento.
Minha mulher ficou impressionada com o equipamento, é claro. Para aumentar o deslumbramento, acoplei a base imantada da trena à régua metálica, clac. Só faltava a música de Missão Impossível ao fundo. Para preencher a lacuna, assobiei: tchururú-tchururú-tchururú-pam-pam, tchararããã-tchararããã-tchararããã...
_Quer parar com isso?! - disse a minha mulher.
_Pô, é só pra criar um clima - eu disse.
_Não tem nada de impossível nisso aqui, só vamos colocar quadros na parede - ela disse.
_Tudo bem, tudo bem, aqueles que não quiserem participar dessa operação podem sair agora, não haverá retaliações - eu disse.
Minha mulher decidiu colocar quatro quadros quadrados formando um grande quadrado na parede. A distância lateral de cada quadro era de doze centímetros. Depois foi alterada para dez centímetros.
_Última chance, pessoal. Quem quiser sair a hora é agora - eu disse.
_Sua infância deve ter sido uma droga - disse a minha mulher.
_Muito bem, estão todos comigo? Vamos colocar o primeiro e depois medir a posição de todos em relação a ele, ok? - eu disse.
Minha mulher ficou impressionada. Eu não contei que aprendi isso num vídeo sobre como colocar quadros perfeitamente alinhados na Internet. Era um vídeo coreano, não entendi nada do que diziam, mas a mímica era incrível. E deu certo. Mas havia alguma coisa errada. No teste do ver-o-peso, olhando de longe, a coisa não estava alinhada. Acochambrei, movi um pouco de lado e pronto, ficou alinhado. Foram trinta minutos para o primeiro prego. Só faltavam três.
Aí as coisas começaram a ficar complicadas. Depois de dez minutos de medição, marquei o local exato do segundo quadro e, ao invés do prego, martelei o meu dedo. UUhh!
_Não é nada, não é nada. Foi só um ferimento leve. Uma pequena transfusão e estarei bem - eu disse.
Sem demonstrar preocupação com a minha saúde, minha mulher decidiu alterar o plano inicial. Ao invés de um quadrado, colocaríamos os quatro quadros em linha reta.
_O que eu acho? Putz. Como assim? Quero dizer, acho bacana, é claro. Em linha reta é muito bom. Todo mundo gosta, é quase uma unanimidade colocar os quadros em linha reta - eu disse.
E depois de tudo medido e marcado, minha mulher decidiu voltar ao plano original, o que exigiu novas medições e testes.
_Claro, claro, você tem razão. Quadros quadrados em quadrado é uma forma clássica de colocação, muito utilizada inclusive pelos melhores decoradores da França, o que não é pouca coisa - eu disse.
Tratei de medir e marcar a posição dos quadros. O único problema é que eu comecei a confundir as marcas, então tive que medir tudo outra vez logo depois de terminar.
_Onde está Kowalski? Cadê o Chefe Ohara? - eu disse.
Ainda estaríamos nessa se minha mulher não tivesse descolado um lápis para que eu marcasse os pontos definitivos.
_Mas amor, todo mundo sabe que lápis é para rascunho - eu disse.
_Nem sempre. E ao invés de um ponto, faça um x pequeno dessa vez. Vai ficar mais fácil para ver a marca - sugeriu a minha mulher.
Depois de duas horas, conseguimos colocar os quatro quadros em quadrado. O resultado ficou incrível, muito bom mesmo. Mas acho que vou esperar mais uns meses, talvez um ano, para colocar outro quadro na parede.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Cansei de mentiras
Nem me dei ao trabalho de pesquisar na Internet o que disseram os políticos, gerentes e presidentes sobre o problema das enchentes. As coisas se repetem há tantos anos que ninguém se importa mais. Daqui a pouco, sem querer ser boca-de-sapo, uma grande e terrível tragédia mais uma vez irmanará esse povo bonito por natureza, a ajuda humanitária será furtada, desviada e atirada ao lixo e logo tudo será esquecido.
O que dizer da Cracolândia? Alguém acredita realmente que o que está sendo feito poderá mitigar o problema? Para mim, espalhar os "Walking Dead" pela cidade não resolve nada. Assim como criar uma UPA.
Nossos problemas são gigantescos e as soluções não são simples e nem rápidas. E o nosso maior problema é que não começamos sequer a planejar qualquer solução. É de entristecer.
O que dizer da Cracolândia? Alguém acredita realmente que o que está sendo feito poderá mitigar o problema? Para mim, espalhar os "Walking Dead" pela cidade não resolve nada. Assim como criar uma UPA.
Nossos problemas são gigantescos e as soluções não são simples e nem rápidas. E o nosso maior problema é que não começamos sequer a planejar qualquer solução. É de entristecer.
domingo, 8 de janeiro de 2012
O Careca começa 2012 pra valer
Chove um bocado novamente. As duas últimas noites foram debaixo de chuva aqui em casa. Felizmente o telhado está consertado e não existem mais goteiras. O único problema são as repetidas quedas de energia. Elas duram poucos segundos, mas isso é o suficiente para retardar os escritos, com algumas perdas, além de baratinar o meu alarme e também o das residências próximas.
Estou organizando as coisas para começar o ano. Tem muita coisa para fazer. A máquina de lavar vazou um pouco, mas era o filtro que estava entupido. Arrumamos rapidinho. Comprei seriguela no sábado. Três litros. Adoro ir ao CEASA e procurar a fruta da época. As ameixas estão deliciosas. Ainda é possível encontrar lichia. Mas as mangas não estão bonitas.
As crianças não gostam de inovar em matéria de frutas. Só comem banana e maçã. Eu como de tudo. Acho que estou sarando. Hoje fui ao supermercado e não comprei nada que não precisasse. No último segundo, vi uma geringonça para lavar louça e não resisti. É uma esponja com cabo de plástico. É possível colocar detergente ou sabão no cabo e assim você não precisa parar de esfregar alguma coisa para colocar sabão. Achei legal. Com a Rose de férias, eu é que lavo a louça. Minha mulher tem uma alergia braba a detergente e sabão, a pele racha e trinca, as mãos ficam em carne viva. Então eu lavo a louça.
Também pretendo me aventurar na cozinha. Sou do tipo que frita ovo lendo receita. Mas me acho moderno e sofisticado. Por isso comprei um risoto Tio João pré-elaborado. É só ler as instruções do pacote e voilá.
Estou lendo um livro de espionagem inglesa da segunda guerra mundial. É um livro de memórias. Foi escrito por um militar que comandou uma estranha operação de contra-informação, plantando informações falsas para confundir os alemães.
Fui ao cinema com a minha mulher. Assistimos ao último Missão Impossível. Foi divertido mas já esqueci do que se trata. Tanta coisa para fazer. Passei verniz numas ripas para compor um rack que estou fazendo e choveu um bocado. Tive que correr para cobrir as peças. Amanhã eu devo finalizar o móvel, mas só se fizer sol.
Quero fazer centenas de coisas neste ano. E já comecei.
Estou organizando as coisas para começar o ano. Tem muita coisa para fazer. A máquina de lavar vazou um pouco, mas era o filtro que estava entupido. Arrumamos rapidinho. Comprei seriguela no sábado. Três litros. Adoro ir ao CEASA e procurar a fruta da época. As ameixas estão deliciosas. Ainda é possível encontrar lichia. Mas as mangas não estão bonitas.
As crianças não gostam de inovar em matéria de frutas. Só comem banana e maçã. Eu como de tudo. Acho que estou sarando. Hoje fui ao supermercado e não comprei nada que não precisasse. No último segundo, vi uma geringonça para lavar louça e não resisti. É uma esponja com cabo de plástico. É possível colocar detergente ou sabão no cabo e assim você não precisa parar de esfregar alguma coisa para colocar sabão. Achei legal. Com a Rose de férias, eu é que lavo a louça. Minha mulher tem uma alergia braba a detergente e sabão, a pele racha e trinca, as mãos ficam em carne viva. Então eu lavo a louça.
Também pretendo me aventurar na cozinha. Sou do tipo que frita ovo lendo receita. Mas me acho moderno e sofisticado. Por isso comprei um risoto Tio João pré-elaborado. É só ler as instruções do pacote e voilá.
Estou lendo um livro de espionagem inglesa da segunda guerra mundial. É um livro de memórias. Foi escrito por um militar que comandou uma estranha operação de contra-informação, plantando informações falsas para confundir os alemães.
Fui ao cinema com a minha mulher. Assistimos ao último Missão Impossível. Foi divertido mas já esqueci do que se trata. Tanta coisa para fazer. Passei verniz numas ripas para compor um rack que estou fazendo e choveu um bocado. Tive que correr para cobrir as peças. Amanhã eu devo finalizar o móvel, mas só se fizer sol.
Quero fazer centenas de coisas neste ano. E já comecei.
sábado, 7 de janeiro de 2012
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Divergência de informações
Wilson e Bruno chegaram às dez da manhã de hoje para consertar a bóia da caixa dágua do boiler. Enquanto eu estava viajando com a minha mulher e as crianças, alguma coisa da bóia quebrou e minha casa ficou três dias jogando água pelo ladrão. Felizmente, Rose, a secretária-universitária-babá-bombeira-hidráulica daqui de casa viu a água despencando, fechou o registro e avisou a minha cunhada. Ela avisou a seguradora, Wilson e Bruno foram até a minha casa e descobriram que o problema era na bóia. Ótimo.
A Rose trabalhou o dia inteiro, limpando e secando os banheiros dos quartos das crianças. A água acumulada no sótão escorreu pelos buracos das lâmpadas dos banheiros. Segundo a Rose, os banheiros ficaram parecidos com um mangue sem caranguejos.
Tudo isso aconteceu na segunda-feira, então na quarta-feira, quando eu cheguei de viagem com as crianças e a minha mulher, tudo já deveria estar corrigido e funcionando, certo? Errado, é claro. Num país onde todos os anos as enchentes nas cidades matam dezenas e atrapalham a vida de milhares, é lógico que a solução dos problemas só ocorre a conta-gotas. O que aconteceu foi que o Wilson e o Bruno não apareceram na terça-feira, como tinham prometido para a Rose.
Na terça-feira, eu ainda estava em Gramado, no Rio Grande do Sul, com a família, vivendo o sonho do Natal Luz e do reveillon. Foi muito bacana o Natal Luz, mas se alguém cantar jingle bells do meu lado sou capaz de pular no pescoço do infeliz. E talvez essa minha irritação provocada pela repetição excessiva de músicas natalinas, chocolate e vinho, mas não necessariamente nessa ordem, tenha me deixado na expectativa de que os milagres acontecem, os seguros funcionam no Brasil, e que tudo estaria resolvido antes que eu pusesse os pés em casa.
Sim, sou um idiota otimista. Wilson e Bruno não apareceram, para desgosto da Rose, que adiou passagem de ônibus e o início das suas férias para esperar pelos donzelos furões. Minha cunhada ficou indignada e ligou para a seguradora, para saber porque os bombeiros hidráulicos não tinham aparecido. Depois de esperar dez minutos ao som do último megahit de Justin Bieber(eles repetiram três vezes), a atendente disse:
_Eles não foram por causa da divergência de informações.
_Nossa! Isso é grave! E qual foi a divergência? - disse a minha cunhada.
_Vou verificar. Por favor, aguarde na linha - disse a atendente.
E colocou Justin Bieber novamente. Minha cunhada pediu desculpas para nós, e nós a desculpamos, é claro, mas ninguém merece o JB. Aliás, essa irmã da minha mulher foi superlegal e atenciosa por ter ligado para o seguro e tudo o mais, mas ninguém merece o seguro Liberty também, como vocês vão ver logo mais adiante, sigam.
Bom, estamos agora na quarta-feira pela manhã, nós estamos visitando mais uma fantástica fábrica de chocolates caseiros em Gramado e eu, só por curiosidade, pergunto à minha cunhada, pelo telefone, se o Wilson e o Bruno apareceram lá em casa. Necas. A negativa faz com que eu reflita sobre os problemas que afligem os brasileiros todos os anos e a comparação com o povo sofrido e encharcado diminui um pouco a vontade que eu tenho de torcer o pescoço de Wilson e Bruno, os bombeiros hidráulicos furões. Mas só um pouco.
Na quarta-feira à noite, estamos em casa, joy to the world, e verificamos que a Rose fez um bom trabalho. Tudo está limpinho, mas as crianças não poderão dormir em casa, porque são alérgicas e as duas estão espirrando feito loucas. Eu também, mas finjo que não é nada. Passei uma noite infernal, os olhos lacrimejando, o nariz escorrendo, uma erisipela seguida de coceira na garganta e tosse louca. Às quatro da manhã achei que não sobreviveria, mas olhei pela janela e vi uma estrela cadente e fiz o pedido secreto de que tudo se resolvesse nesta quinta-feira.
Hoje, às dez da manhã, em ponto, Wilson e Bruno chegaram para concluir o serviço que deveriam ter feito na segunda-feira. Mas eu entendo isso. Juro. E quando eu penso no povo sofrido e enlameado, que todos os anos paga os impostos que vão para o mensalão dos políticos simpáticos e safados que afanam a grana que deveria servir para resolver problemas tão banais quanto enchentes anuais e doenças da pobreza e da falta de higiene, digo para mim mesmo que não devo ficar puto com Wilson e Bruno, deixa prá lá, o que importa é o hoje, aqui e agora.
_Bom dia, Wilson. Bom dia, Bruno - eu disse.
_Você já comprou a bóia? - disse Wilson, com a simpatia de um duende molestador de unicórnios.
_Oh, sim, foi a primeira coisa que fiz na manhã de hoje - eu disse. E era a mais pura verdade, porque a loja de materiais de construção fica bem perto da padaria e eu me lembrei que uma bóia seria muito necessária, especialmente quando se sabe que todo o problema tinha acontecido por causa de uma bóia.
_Hum. Será necessário remover o telhado para realizar o serviço. Você já está ciente disso? - disse Wilson, tão amável quanto uma rena estupradora de bambis.
_Não tem problema, é só tirar umas duas ou três telhas e colocar de volta - eu disse, enquanto conduzia os bombeiros hidráulicos para a varanda, para que tivessem acesso ao telhado.
_Terei que consultar a seguradora para verificar o valor da taxa extra. Tudo bem? - disse Wilson.
Nesse momento, uma luz amarela se acendeu na minha mente, logo atrás dos olhos. É a mesma luz que fica vermelha quando vejo o saldo da minha conta bancária. Mas mesmo assim eu disse para o Wilson ir em frente, que o celular era dele, e que de celular para celular, a ligação era gratuita e, se não fosse, a conta era dele. Bruno, enquanto isso, já fingia tentar levantar uma telha ou outra, demonstrando extraordinária elasticidade facial com caretas incríveis.
_Ei, Wilson, as telhas estão com massa, não consigo tirar essa massa. Não vai dar - disse Bruno, após mais uma série de caretas.
Wilson ainda falava com a seguradora, de modo que não ouviu uma única palavra. Ao invés disso, falou para mim que a taxa pelo serviço seria de setenta reais.
_Uuuh! - eu disse.
_Veja com a seguradora se isso inclui a massa - gritou Bruno.
_Massa? Que massa? Setenta só inclui a substituição de bóias - berrou Wilson.
_Não, vou ter que quebrar a massa, tirar as telhas e verificar a bóia. Talvez até seja preciso tirar os caibros - gritou Bruno.
_Vou verificar com a seguradora. Tudo bem? - disse Wilson.
_Verifique. Verifique - eu disse, observando a pantomina de Bruno sobre o telhado. O sujeito era bom de mímica.
_A seguradora disse que a taxa, com a massa, é de cem reais - disse Wilson.
_Isso inclui os caibros? - berrou Bruno.
_Caibros? Não, vou ter que ligar para a seguradora. Tudo bem? - disse Wilson.
_Pode ligar para seguradora quantas vezes você quiser, mas vá embora AGORA - eu disse. E você, Marcel Marceau, desça daí com cuidado agora mesmo! Saiam os dois da minha casa neste instante! Saiam! Vão embora, já! Eu não quero que façam nada! Não toquem em coisa alguma. Vão. Sumam. Feliz Natal! Feliz Ano Novo! Sejam felizes longe daqui. Nunca mais voltem. Vou cancelar esse seguro HOJE mesmo! Sumam!
Depois do almoço, com a ajuda do jardineiro, troquei a bóia. Só foi preciso mover duas telhas. Mais tarde fiquei pensando no povo brasileiro molhado e desabrigado, que constrói onde não deve, confia em gente que não presta para fazer o que é preciso, e que sempre paga o pato pela divergência de informações. Ninguém merece.
A Rose trabalhou o dia inteiro, limpando e secando os banheiros dos quartos das crianças. A água acumulada no sótão escorreu pelos buracos das lâmpadas dos banheiros. Segundo a Rose, os banheiros ficaram parecidos com um mangue sem caranguejos.
Tudo isso aconteceu na segunda-feira, então na quarta-feira, quando eu cheguei de viagem com as crianças e a minha mulher, tudo já deveria estar corrigido e funcionando, certo? Errado, é claro. Num país onde todos os anos as enchentes nas cidades matam dezenas e atrapalham a vida de milhares, é lógico que a solução dos problemas só ocorre a conta-gotas. O que aconteceu foi que o Wilson e o Bruno não apareceram na terça-feira, como tinham prometido para a Rose.
Na terça-feira, eu ainda estava em Gramado, no Rio Grande do Sul, com a família, vivendo o sonho do Natal Luz e do reveillon. Foi muito bacana o Natal Luz, mas se alguém cantar jingle bells do meu lado sou capaz de pular no pescoço do infeliz. E talvez essa minha irritação provocada pela repetição excessiva de músicas natalinas, chocolate e vinho, mas não necessariamente nessa ordem, tenha me deixado na expectativa de que os milagres acontecem, os seguros funcionam no Brasil, e que tudo estaria resolvido antes que eu pusesse os pés em casa.
Sim, sou um idiota otimista. Wilson e Bruno não apareceram, para desgosto da Rose, que adiou passagem de ônibus e o início das suas férias para esperar pelos donzelos furões. Minha cunhada ficou indignada e ligou para a seguradora, para saber porque os bombeiros hidráulicos não tinham aparecido. Depois de esperar dez minutos ao som do último megahit de Justin Bieber(eles repetiram três vezes), a atendente disse:
_Eles não foram por causa da divergência de informações.
_Nossa! Isso é grave! E qual foi a divergência? - disse a minha cunhada.
_Vou verificar. Por favor, aguarde na linha - disse a atendente.
E colocou Justin Bieber novamente. Minha cunhada pediu desculpas para nós, e nós a desculpamos, é claro, mas ninguém merece o JB. Aliás, essa irmã da minha mulher foi superlegal e atenciosa por ter ligado para o seguro e tudo o mais, mas ninguém merece o seguro Liberty também, como vocês vão ver logo mais adiante, sigam.
Bom, estamos agora na quarta-feira pela manhã, nós estamos visitando mais uma fantástica fábrica de chocolates caseiros em Gramado e eu, só por curiosidade, pergunto à minha cunhada, pelo telefone, se o Wilson e o Bruno apareceram lá em casa. Necas. A negativa faz com que eu reflita sobre os problemas que afligem os brasileiros todos os anos e a comparação com o povo sofrido e encharcado diminui um pouco a vontade que eu tenho de torcer o pescoço de Wilson e Bruno, os bombeiros hidráulicos furões. Mas só um pouco.
Na quarta-feira à noite, estamos em casa, joy to the world, e verificamos que a Rose fez um bom trabalho. Tudo está limpinho, mas as crianças não poderão dormir em casa, porque são alérgicas e as duas estão espirrando feito loucas. Eu também, mas finjo que não é nada. Passei uma noite infernal, os olhos lacrimejando, o nariz escorrendo, uma erisipela seguida de coceira na garganta e tosse louca. Às quatro da manhã achei que não sobreviveria, mas olhei pela janela e vi uma estrela cadente e fiz o pedido secreto de que tudo se resolvesse nesta quinta-feira.
Hoje, às dez da manhã, em ponto, Wilson e Bruno chegaram para concluir o serviço que deveriam ter feito na segunda-feira. Mas eu entendo isso. Juro. E quando eu penso no povo sofrido e enlameado, que todos os anos paga os impostos que vão para o mensalão dos políticos simpáticos e safados que afanam a grana que deveria servir para resolver problemas tão banais quanto enchentes anuais e doenças da pobreza e da falta de higiene, digo para mim mesmo que não devo ficar puto com Wilson e Bruno, deixa prá lá, o que importa é o hoje, aqui e agora.
_Bom dia, Wilson. Bom dia, Bruno - eu disse.
_Você já comprou a bóia? - disse Wilson, com a simpatia de um duende molestador de unicórnios.
_Oh, sim, foi a primeira coisa que fiz na manhã de hoje - eu disse. E era a mais pura verdade, porque a loja de materiais de construção fica bem perto da padaria e eu me lembrei que uma bóia seria muito necessária, especialmente quando se sabe que todo o problema tinha acontecido por causa de uma bóia.
_Hum. Será necessário remover o telhado para realizar o serviço. Você já está ciente disso? - disse Wilson, tão amável quanto uma rena estupradora de bambis.
_Não tem problema, é só tirar umas duas ou três telhas e colocar de volta - eu disse, enquanto conduzia os bombeiros hidráulicos para a varanda, para que tivessem acesso ao telhado.
_Terei que consultar a seguradora para verificar o valor da taxa extra. Tudo bem? - disse Wilson.
Nesse momento, uma luz amarela se acendeu na minha mente, logo atrás dos olhos. É a mesma luz que fica vermelha quando vejo o saldo da minha conta bancária. Mas mesmo assim eu disse para o Wilson ir em frente, que o celular era dele, e que de celular para celular, a ligação era gratuita e, se não fosse, a conta era dele. Bruno, enquanto isso, já fingia tentar levantar uma telha ou outra, demonstrando extraordinária elasticidade facial com caretas incríveis.
_Ei, Wilson, as telhas estão com massa, não consigo tirar essa massa. Não vai dar - disse Bruno, após mais uma série de caretas.
Wilson ainda falava com a seguradora, de modo que não ouviu uma única palavra. Ao invés disso, falou para mim que a taxa pelo serviço seria de setenta reais.
_Uuuh! - eu disse.
_Veja com a seguradora se isso inclui a massa - gritou Bruno.
_Massa? Que massa? Setenta só inclui a substituição de bóias - berrou Wilson.
_Não, vou ter que quebrar a massa, tirar as telhas e verificar a bóia. Talvez até seja preciso tirar os caibros - gritou Bruno.
_Vou verificar com a seguradora. Tudo bem? - disse Wilson.
_Verifique. Verifique - eu disse, observando a pantomina de Bruno sobre o telhado. O sujeito era bom de mímica.
_A seguradora disse que a taxa, com a massa, é de cem reais - disse Wilson.
_Isso inclui os caibros? - berrou Bruno.
_Caibros? Não, vou ter que ligar para a seguradora. Tudo bem? - disse Wilson.
_Pode ligar para seguradora quantas vezes você quiser, mas vá embora AGORA - eu disse. E você, Marcel Marceau, desça daí com cuidado agora mesmo! Saiam os dois da minha casa neste instante! Saiam! Vão embora, já! Eu não quero que façam nada! Não toquem em coisa alguma. Vão. Sumam. Feliz Natal! Feliz Ano Novo! Sejam felizes longe daqui. Nunca mais voltem. Vou cancelar esse seguro HOJE mesmo! Sumam!
Depois do almoço, com a ajuda do jardineiro, troquei a bóia. Só foi preciso mover duas telhas. Mais tarde fiquei pensando no povo brasileiro molhado e desabrigado, que constrói onde não deve, confia em gente que não presta para fazer o que é preciso, e que sempre paga o pato pela divergência de informações. Ninguém merece.
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