Uma ventania forte derrubou a enorme folha de palmeira no quintal. A piscina e a área da varanda também ficaram cobertas de folhas e flores do flamboyant. Limpar todo esse bucolismo exigiu quase uma hora de trabalho. E não adiantou. Logo depois que eu ensaquei as folhas, flores, ramos e gravetos uma nova ventania sujou tudo novamente. Novamente, limpei a piscina e varri as folhas e flores da varanda. Quando terminei, o vento recomeçou.
Tenho pensando muito com uma vassoura na mão. Alguns tipos de trabalhos manuais me ajudam a desenvolver idéias. Quando mais humilde, melhor. Varrer, limpar, cavar e organizar coisas me deixam numa espécie de transe, desligado do mundo, pensando em livros e histórias. Hoje, enquanto limpava a piscina, fiquei tentando lembrar daquele conto "O Nadador", do John Cheever, mas não consegui. Lembrei apenas que aos poucos, a cada mergulho do nadador, ficamos sabendo um pouco mais sobre a sua vida até o final dramático. Depois fiquei pensando que entrei na piscina da casa nova somente uma única vez. E com a ventania que vem fazendo, não seria hoje a segunda.
Quando passou a angústia da limpeza, fui para a oficina improvisada na garagem. Tive a idéia de montar uma nova mesa com três tábuas que encontrei no sótão. Como estou sem vigotas da altura necessária para as pernas da mesa, tratei de serrar uma viga maciça. Foi difícil fazer isso com uma serra elétrica de mão, porque a madeira era muito pesada. Fiz um monte de serragem com os cortes.
Em seguida, minha mulher chegou com as crianças. Hoje foi o dia do retorno às aulas e por isso as crianças estavam elétricas. Minha mulher me disse que quer uma mesa de centro para a varanda. E também quer um aparador feito com duas tábuas grossas de madeira de demolição. Acho que consigo fazer.
Depois do almoço, uma nova ventania muito forte voltou a sujar a piscina e a varanda. Achei que eu tive uma idéia para um conto e fiquei pensando em como desenvolver a história. Era sobre um sujeito desempregado que fica inventando coisas para fazer em casa, para ocupar a mente. Tudo acontece de maneira inteiramente previsível e enfadonha até o dia em que esse sujeito encontra um pássaro morto dentro da piscina. É um pássaro comum, um pardal e o sujeito recolhe o pássaro com a rede de limpeza e o joga dentro de um saco plástico.
No dia seguinte, o sujeito encontra outro pardal dentro da piscina e faz a mesma coisa. No terceiro dia, ele se aproxima da piscina e dessa vez não encontra nenhum pássaro morto, mas alguma coisa está no fundo da piscina. É uma piscina escura e a água é meio turva. O sujeito tem a impressão de que é um corpo, mas ao mesmo tempo ri dessa idéia. Ele hesita em entrar, porque está frio e ventando muito, mas resolve verificar o que é aquela grande mancha escura no fundo.
Aos poucos ele caminha para a parte mais escura do fundo da piscina. Ele tateia o fundo com as pontas dos pés, mas a mancha está numa área em que ele não alcança. O sujeito se vê obrigado a merculhar, a molhar a cabeça. E quando faz isso, ele se dá conta de que a mancha não está mais à sua frente. Ela se mexeu, para o canto mais profundo dessa piscina, onde existe um sugadouro. O que será aquilo? Mas antes que ele possa pensar numa resposta, ele sente um puxão forte no tornozelo. No último instante, antes de ficar preso no sugadouro, ele tem a impressão de que um outro pássaro, provavelmente um pardal, acaba de cair na piscina.
2 comentários:
uauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu adorei!!!!!
Leila, valeu!
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