terça-feira, 23 de agosto de 2011

Uma dupla sem par

Tenho ficado muito tempo sozinho. Minha mulher trabalha muito e as crianças estão cheias de atividades fora de casa. Não é ruim ficar sozinho. Eu gosto. Mas preciso me manter ocupado para não perder tempo fazendo nada. Às vezes eu vou para a pequena oficina de marcenaria que improvisei em casa. Fico algumas horas cortando e lixando madeira. Outro dia fiz um aparador para a entrada da casa. Não ficou muito bom, mas a minha mulher disse que gostou. Foi gentil da parte dela. Ela deixou que eu colocasse o móvel na entrada da casa e trouxe um vaso com orquídea para colocar em cima. Achei que o conjunto ficou bonito.

Enquanto faço esses móveis de madeira, fico devaneando um bocado. Hoje, enquanto lixava um monte de madeira velha para futuras mesas e aparadores, eu imaginei diálogos comigo mesmo. Foi um diálogo que durou algumas horas, não consigo me lembrar de tudo que disse para mim.

_Conheço um cara que usa fio dental enquanto dirige.

_Tive uma colega de trabalho que sempre me pedia carona. Ela sempre bisbilhotava o porta-luvas.

_Japoneses também sabem tudo sobre James Brown.

_Uma vez jogaram um frango assado numa amiga minha. Ela estava deprimida quando foi atingida pelo frango. Era domingo.

_Ela estava deprimida porque era domingo?

_Ninguém fica deprimido porque é domingo ou segunda-feira, isso não existe.

_Domingo até que não, mas acho quarta-feira uma tristeza.

_Amanhã é quarta-feira.

_Se alguém jogasse um frango assado em mim numa quarta-feira, não sei, não.

_Não sei, não, o quê?

_Sei lá, eu faria uma loucura. Eu sairia batendo de porta em porta até achar a pessoa que fez isso.

_A defenestradora.

_Isso, eu procuraria até achar a pessoa que jogou o frango pela janela.

_Por quê você não diz a defenestradora? É mais curto.

_Acho pedante.

-Pois não é. Vem do francês - tirez par la fenetre.

_Acho pedante dizer que vem do francês. E seu francês c´est une merde.

_Pedante, pedante, tudo pra você é pedante, demodé, chichê, nunca vi um sujeito ser tão esnobe e autocrítico. Mas deixa pra lá. O que você faria quando encontrasse a pessoa?

_Que pessoa?

_A defenestradora.

_Pediria farofa.

Foi um diálogo comprido. Felizmente minha mãe me salvou ao me chamar para comer jabuticabas. A tarde estava magnífica. O lago estava tranquilo e muito bonito de se ver. Três pessoas pescavam no pier. Depois eu não consegui continuar o trabalho, porque já começava a escurecer e eu precisava trocar a torneira do jardim. Tive que ir correndo para a loja de bugigangas de construção comprar uma torneira nova. Aproveitei para comprar um par de luvas de raspa. Também olhei o preço de telhas, vou precisar trocar um monte de telhas. Quando fui pagar, o sujeito da loja me olhou esquisito atrás do balcão.

_Foi você que pegou as luvas?

_Foi, por quê?

_São repetidas. São duas da mesma mão. Duas direitas.

E depois, no caminho de volta, eu fiquei conversando comigo mesmo.

_Mesmamão?

_Um horror, esse cacófato.

_Caramba, você ia levar uma dupla de luvas sem par?

_Não, uma eu certamente iria defenestrar.



Um comentário:

franka disse...

um frango? jogaram um frango na sua amiga? nossa, que post que daria isso.

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