terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um versão da lenda da pescada do Velho Tom



A verdade é que o importante é a versão. Meu amigo Velho Tom adora contar a história do peixe de sete quilos que ele encontrou na praia de Lagoinhas, no Ceará, voltando de uma caminhada de cinco quilômetros. Às vezes, esses números se invertem mas não faz muita diferença. Eu estava lá e vi o Velho Tom carregando o peixe. Era uma pescada, um belo peixe prateado com grandes escamas. Também tirei uma foto celulóide de 35 mm que foi revelada e está aí para comprovar.

_Ih, olha lá o paulista carregando peixe podre! - disseram na pensão onde estávamos hospedados.

_Vai comer peixe estragado, é?

_Joga esse lixo fora!

_Carregou lixo durante cinco quilômetros.

_Que desperdício!

_Tremendo Mané! Peixe que morre na pedra estraga rapidinho. Essa pescada não serve nem para isca de siri - disseram as pessoas enquanto eu tirava a foto.

Mas a verdade, verdadeira, é que o peixe estava bom. Generoso e boa praça, Velho Tom fez questão de dividir o peixe com todas as pessoas que estavam hospedadas naquele final de semana. Inclusive as pessoas que riram e caçoaram dele.

_Durou três dias! Era tanto peixe que todo mundo da pensão encheu a pança de pescada durante três dias - exagera o Velho Tom, toda vez que conta a história.

Passados muitos anos, fomos nós três, eu, Feijó e Velho Tom, para a Ilha Grande, no Rio. Ficamos numa pensão baratinha, baratinha, em Abraãozinho. Na época, havia duas grandes opções noturnas na Ilha Grande: cerveja e forró. Como eu sempre fui muito ruim de forró, o jeito era tomar cerveja. E conversando ali com os pescadores e barqueiros que conhecemos e fizemos amizade, Velho Tom começa a contar a história da famosa pescada de cinco ou de sete quilos.

_Uma vez, no Ceará, encontrei uma pescada de sete quilos na praia de Lagoinhas - começou o Velho Tom.

_Menos, Velho Tom, menos - disse Paulinho, dono de um barco em que vivíamos passeando, de graça, na mais pura camaradagem etílica.

_É sério, Paulinho, e o Careca está aqui de prova, rapaz. Ele estava lá, ele viu. É ou não é, Careca?

_É - eu disse, com o ar sério de quem confirma a maior lorota de uma pessoa.

Velho Tom contou a história timtim por timtim e correu para o arremate:

_Durou três dias! Era tanto peixe que todo mundo da pensão...

Paulinho, o barqueiro, interrompeu o Velho Tom com ar sério, colocando a mão no seu ombro.

_Velho Tom, Velho Tom, você é muito gente boa, mas você meeeeeennnte.

Depois disso, a lenda da pescada só fica completa quando o Velho Tom conta a reclamação do barqueiro. Também gosto muito dessa história. Ela é verídica em seus exageros de pesos e medidas, de um tempo em que tínhamos todo o tempo do mundo. E também acho bacana o meu modesto papel no enredo, o de testemunha ocular muda e eloquente em verdades.

Mesmo assim, outro dia passei um susto no Velho Tom, logo depois que ele contou que para o barqueiro da Ilha Grande ele era um gente boa mentiroso.

_Véi, eles trocaram o peixe na cozinha da pensão - eu disse.

Velho Tom ficou estático.

_Jurei pra mim mesmo que eu nunca iria contar isso para você, mas aquele peixe estava estragado. A pescada que você carregou durante cinco quilômetros, debaixo do maior soléil, véi, estava passadaça. A turma da pensão não parava com a gozação e eu não poderia deixar um amigo passar aquela vergonha. Então eu conversei com o cozinheiro, aquele que confirmou que o peixe estava bom, lembra?, pois então. Pedi para ele dizer para a turma de gozadores que o peixe estava ótimo e perguntar a você o que era pra fazer. E você foi muito legal, mandando servir o peixe pra todo mundo, mas aquilo me pegou de surpresa porque não tinha peixe na cozinha da pensão e muito menos do tamanho daquele que você encontrou na praia. Eu fiquei numa sinuca de bico, porque não poderia desmentir o cozinheiro sem desmentir você, a turma da gozação não iria nos deixar em paz. E agora, com comida de graça prometida, a coisa seria pior. Caramba, quando eu estava quase desistindo e ia contar a verdade para todo mundo, aparece um menino na cozinha dizendo que um barco acabava de chegar à praia, que ficava na frente da pensão, era só atravessar a rua. Eu nem pensei duas vezes, corri para a praia e lá estava o barco, ancorado. Tive que entrar dentro d´água e quando estava no meio do caminho eu gritei para o barqueiro, ei, você tem peixe aí, eu preciso de um peixe grande, de uns sete quilos, você tem? Tenho uma pescada, serve?, ele disse e entrou dentro do barco. Quando voltou ele trazia uma pescada enorme, devia ter uns dez quilos, ele nem conseguia segurar direito, serve esta?, ele disse, claro, eu disse, mas que mal lhe pergunte, ele disse, com aquele sotaque, que não era de cearense, era de carioca, por incrível que pareça, esse peixe, essa pescada, para quem que é?, ah, é para o meu amigo, Velho Tom, e o barqueiro balançou a cabeça, rindo e dizendo, Velho Tom, mas é claro, ele é gente boa mas mente!

_É, talvez só tenha durado dois dias. Mas era muito peixe - disse o Velho Tom.



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