quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Um fim para o urubu

Outro dia, enquanto eu fuçava uma estante na casa do meu pai, encontrei o primeiro livro que guardo na minha memória: “Aqui estão eles”. É um livro que em que a Disney apresenta a turma do Mickey para a meninada. A lombada está meio gasta, tem umas páginas remendadas com durex amarelado, mas ainda é possível ler e ver os desenhos sem problemas. Sobretudo, é possível ver as marcas dos dedos das crianças que manusearam aquela peça. É impossível reconhecer qualquer marca pessoal. Todo mundo, até hoje, vive pegando aquele livro.

No mesmo dia, encontrei um livro de contos tradicionais do país. Não é aquele organizado pelo Câmara Cascudo, que era um estudioso dos bons. O livro que está na estante do meu pai é mais antigo e menos pretensioso. Por isso mesmo, talvez seja muito melhor. É lá que está a história da Festa no Céu, que explica porque a pele do sapo é toda “remendada”. Nessa história sim, eu encontro as marcas dos meus, e somente dos meus, dedos. Porque eu não deixava ninguém chegar perto desse livro. Tenho ciúmes dele até hoje.

Lembro de ter decorado essa história ainda pela boca da minha mãe, antes de começar a ler e reler a Festa no Céu dezenas de vezes. E lembro de ter marcado a página do livro macerando a folha. Ela está quase furada. Eu sempre insistia em começar a ler o livro por aquela história do sapo que teve a audácia de ir à festa das aves nas nuvens, escondido na viola do urubu.

O final da história sempre me impressionava muito. O sapo volta para a viola do urubu e fica todo enrolado, lá no fundo. O urubu descobre o sapo e, sem piedade, sacode a viola e joga o sapo lá de cima. Ploft! O sapo cai em cima das pedras do leito de um rio. “Felizmente, Nossa Senhora viu o que aconteceu e remendou o bicho. É por isso que os sapos possuem uns desenhos estranhos nas costas”. – é mais ou menos o que está escrito, na minha memória.

Mais do que Cachinhos Dourados, “A Festa no Céu” foi uma das histórias mais educativas que já tive o prazer de ler. Para mim, sempre foi uma lição de limite. E um guia óbvio de sobrevivência na impostura. Lembro de, quando criança, procurar encontrar finais diferentes para a história.

Se eu fosse o sapo, jamais voltaria na mesma viola. Teria voltado com uma garça. Pegado carona com um pelicano. Se eu fosse o sapo, teria me disfarçado de papagaio, que é verde e brincalhão, e ninguém repara. Se eu fosse o sapo, teria enchido o papo de ar e descido do céu, flutuando como um balão.

Mas e os desenhos nas costas? As escapadas alternativas acabariam com o sentido da história. Do mesmo modo, se os pais do Tarzan não morressem, ele não poderia ser o Rei dos Macacos. Mesmo assim, eu torcia para que os pais do Tarzan não morressem. Torcia para que a kriptonita não machucasse o Super-Homem, só daquela vez. E torcia para que os vilões dos meus heróis não levassem a melhor no início, mesmo sabendo que perderiam no final.

No fundo, o que mais me fascinava na Festa no Céu era a sua maravilhosa explicação para os desenhos nas costas dos sapos. Então, mesmo que na minha cabeça de menino eu escapasse liso e solto da Festa no Céu, eu pedia para Nossa Senhora fazer uns desenhos legais, umas tatuagens bacanas no meu couro de sapo. Isso explicava todos os desenhos.

E logo depois de ter as costas cobertas de hieróglifos e mensagens secretas do Céu, eu falava para Nossa Senhora, com a maior inocência fingida do mundo, como quem não quer saber de nada, muito menos de vingança:

_Santa, sabe aquele urubu? Aquele, que toca viola...

2 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Não tenho, infelizmente, essas histórias de histórias infantis =/

Anônimo disse...

eu adooooro historias infantis. Gabi

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