quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Muito bem, disse o Conde

Desde que eu me entendo por gente meu pai fala essa frase. “Muito bem”, disse o Conde. E o “C” maiúsculo é por minha conta, por causa da importância que ele empresta sutilmente à pronúncia do “conde”. É uma frase que ele gosta de usar quando quer acabar com cerimônia. É como se um conde dissesse uma coisa trivial, só para deixar todo mundo mais à vontade. É, provavelmente, uma citação de Eça de Queiroz, um dos autores preferidos do meu pai e de toda uma geração de brasileiros. Quando eu era menino, eu queria ser um nobre só para esnobar a nobreza.

“Agora é tarde, Inês é morta”! é outra citação recorrente, trecho de “Os Lusíadas”, que remete à história de D. Inês de Castro. A história de D. Inês é de uma tristeza comparável a Tristão e Isolda, está na origem dos fados e da melancolia dos patrícios. Mas confesso que tenho um pouco de preguiça de ler os clássicos portugueses ou de me embrenhar na história de Portugal.

Mas não é sobre preguiça que escrevo o post de hoje. A preguiça brasileira em relação a Portugal é coisa para tese de mestrado, xarope para acadêmico dormir. Mesmo assim, já reparou como nós, brasileiros, temos pouca paciência com os portugueses? É recíproco, é bem verdade. Os portugas também não têm muito saco para nos aturar. Mas admiram nossos artistas. Gostam de ler os livros dos nossos escritores, de ouvir as músicas dos nossos melhores, dos que souberam decantar a brasilidade e depurar o que há de mais humano em nossas almas brazucas. Eu tenho uma preguiça danada de cantor português. Só aturo Carmem Miranda. E assim mesmo porque demorei a descobrir que ela tinha nascido em Portugal. Meu bairrismo vai até as duzentas milhas náuticas. Mas eu me perco.

Quero falar das frases que o meu pai gosta de repetir e repete há anos. Não são muitas. O que talvez mostre que ele não é muito repetitivo. “C´est pendant!” – é uma que ele sempre faz questão de dizer. Nem sei se é assim mesmo que se escreve. Em geral, quando não há muito a ser dito, para preencher um vazio momentâneo numa conversa qualquer. Aí ele solta um suspiro, como a antecipar uma frase genial, e fala “C´est pendant!”. E ficamos na mesma.

Em geral, depois desse pretenso francês eu ou o meu irmão levantamos o dedo e arriscamos uma frase em latim, que ele também gosta de repetir: “Nobiscum mutamba est”. E aí rimos. A frase, de acordo com o meu pai, que estudou latim e sabe conjugar “rosa et rosae” significa “Conosco é no pau da goiabeira”. Acredito. Não sou de duvidar do conhecimento paterno. Ao contrário, sempre apelei ao conhecimento e sabedoria do meu pai para um monte de coisas. E para tudo ele sempre me tem sido muito útil. Menos para ornitologia. Passarinho não é com ele. Mas sempre suspeitei que esse latim todo não significa apenas isso. Entretanto, nunca perguntei se haveria mesmo um significado oculto. Meu irmão também não. E acho que é por isso que até hoje ainda achamos graça dessa frase, porque talvez ela possua mesmo um significado diferente do que nos foi dito. E se você souber, por favor, não me diga.

Outra frase lapidar é “Quê que há, Rondineli?! Pára com isso”! Surgiu quando ainda assistíamos aos jogos de futebol pela TV, nas tardes de domingo. Foi uma das frases mais repetidas por um locutor de TV durante uma partida do Flamengo contra o Fluminense. O sujeito disse a frase umas duzentas vezes. E ao final da partida, ela havia grudado nas cabeças dos homens da casa. E até hoje, uns trinta anos depois, é essa a frase que dizemos quando alguém está dando alguma mancada. E ultimamente, eu tenho falado muito essa frase para mim mesmo.

6 comentários:

Mwho disse...

Careca,
Não fique triste, pois Rondineli foi o autor do gol do título do Flamengo contra o Vasco na final do campeonato estadual de 1978!
Com o tempo, as mancadas são esquecidas e os gols decisivos é que ficam!
Grande abraço,
Mwho.

Rodrigo Carreiro disse...

As frases de seu pais são sensacionais!!!

Careca disse...

Mwho, o fogo é que as mancadas estão vindo na hora dos gols decisivos...Abçs

Careca disse...

Rodrigo, também gosto muito. Tem umas que eu ouço há trinta anos.

Anunciação disse...

Até onde eu sei,seu pai está corretíssimo;digamos que a da goiabeira se trata de uma tradução livre.Adorei.

Careca disse...

Anunciação, ele tem uma frases ótimas, de jurista, mas essas não coloquei porque ia parecer pedantismo. :)

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