
Outro dia uma pessoa no trabalho contou que desceu, de rappel, uma queda dágua em Foz do Iguaçu. Outro cara disse que já havia escalado uma montanha, super-alta, não sei aonde. Um terceiro, já meio grisalho, disse que estava se preparando para a sua quinta maratona. Aí todos olharam para mim. Eu olhei para trás de mim. E aí, para não ficar sem falar nada, eu disse:
_Eu gosto mesmo é de playstation2!
Os caras continuaram a contar vantagem. Um disse que só gostava de tomar uísque doze anos. Declamou nome e descrição de uísque. Outro disse que o negócio dele era chardonay. E falou de vinhos brancos chilenos, australianos, americanos e alemães. O terceiro, grisalho, só bebia vinho tinto. Também só faltou declamar poesia. Aí todos olharam para mim. Eu olhei para os lados e disse que tomava cerveja, mas só se estivesse gelada.
_Cerveja quente eu só tomo quando não tem gelada – eu disse, com convicção. Não recebi sequer um olhar de aprovação. Um dos caras, o que havia descido a cachoeira pendurado numa corda, chegou a balançar a cabeça, em franco e claro sinal de que havia achado a minha observação uma completa bobagem.
Os caras começaram a falar de automóveis. Um era fã de SUV. Outro sonhava com Ferraris. E o outro só queria saber de utilitários fora de estrada e jeeps. Aí dois deles olharam para mim. Eu nem precisei olhar para o cara do rappel. Ele já havia desistido de me incluir na conversa.
_Bom, carro pra mim é só um meio de transporte – eu disse. Mas os caras não sentiram firmeza, deu pra ver nos olhos dos dois. Para o cara do rappel eu nem olhei.
E foi o cara do rappel que puxou um novo assunto. Música. O sujeito é fã de música clássica. Sabia tudo. O outro era fã de jazz. Conhecia todos os discos da Blue Note. O terceiro adora MPB e samba. Conhecia os palcos e os bastidores da música brasileira. E eu?
_Eu gosto de rock´n´roll, mas sem radicalismos. Curto um pouco de tudo – eu falei, para horror dos meus interlocutores. Eles me olhavam como se eu estivesse com a gripe aviária. Eles faziam caras e bocas em sinal de desapreço. Depois dessa, o cara do rappel, que gosta de música clássica, passou a fazer ouvidos de Beethoven para o que eu dizia.
No Rio, um deles disse que era Flamengo. E falou a escalação do rubro-negro por ano, a partir de 1980. Outro disse que era Fluminense. Fez a mesma coisa: lembrou de cabeça, nome por nome dos times das últimas três décadas.E o terceiro disse que era Botafogo ou Vasco, não me lembro. E falou um monte de nomes. E você, Careca?
_América, mas não lembro nome de jogador.
Ao mudar radicalmente de assunto, o cara do rappel ficou quase de costas para mim. E anunciou que o negócio dele era investir em imóveis. Ele reformava e depois vendia, pelo dobro do preço. O outro comprava e vendia carros usados. Mesma coisa, comprava por x e vendia pelo dobro. O terceiro só investia em ações, mas deixou claro que a crise financeira havia passado ao largo. Comprava por x, e vendia super bem, ele não tinha do que reclamar.
_Fiu! – eu assobiei, sem querer.
E então os caras começaram a falar de política. Mas não pude acompanhar o diálogo, porque me lembrei que precisava revisar um memorando de três linhas. Quando voltei, os caras já tinham ido embora. Às vezes, eu tenho a impressão de que eu teria sido escolhido, na assembléia de ratos, para colocar o guizo no gato.
4 comentários:
É, Careca... Sua situação parece muito com a minha. Não me sinto bem ao lado de "notáveis".
Rodrigo, é fogo. :)
então somos três, carecone.
sou o chato da roda quando se fala de gostos e aptidões.
abraço
Outro dia eu ouvi minhas colegas de trabalho horrorizadas porque um cara tinha assassinado alguém e elas falavam alto e nervosamente. Perguntei, preocupada, quem era a vítima(ou o assassino) e elas disseram que era um personagem da novela.E continuaram outra conversa, em outro tom. Coisa de gente maluca! É difícil de acreditar que ainda exista audiência para esse lixo. Eu me sinto meio ET nas conversas do meu trabalho...
Abração
Tina Salimon
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