terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O estranho no ninho



Outro dia uma pessoa no trabalho contou que desceu, de rappel, uma queda dágua em Foz do Iguaçu. Outro cara disse que já havia escalado uma montanha, super-alta, não sei aonde. Um terceiro, já meio grisalho, disse que estava se preparando para a sua quinta maratona. Aí todos olharam para mim. Eu olhei para trás de mim. E aí, para não ficar sem falar nada, eu disse:

_Eu gosto mesmo é de playstation2!

Os caras continuaram a contar vantagem. Um disse que só gostava de tomar uísque doze anos. Declamou nome e descrição de uísque. Outro disse que o negócio dele era chardonay. E falou de vinhos brancos chilenos, australianos, americanos e alemães. O terceiro, grisalho, só bebia vinho tinto. Também só faltou declamar poesia. Aí todos olharam para mim. Eu olhei para os lados e disse que tomava cerveja, mas só se estivesse gelada.

_Cerveja quente eu só tomo quando não tem gelada – eu disse, com convicção. Não recebi sequer um olhar de aprovação. Um dos caras, o que havia descido a cachoeira pendurado numa corda, chegou a balançar a cabeça, em franco e claro sinal de que havia achado a minha observação uma completa bobagem.

Os caras começaram a falar de automóveis. Um era fã de SUV. Outro sonhava com Ferraris. E o outro só queria saber de utilitários fora de estrada e jeeps. Aí dois deles olharam para mim. Eu nem precisei olhar para o cara do rappel. Ele já havia desistido de me incluir na conversa.

_Bom, carro pra mim é só um meio de transporte – eu disse. Mas os caras não sentiram firmeza, deu pra ver nos olhos dos dois. Para o cara do rappel eu nem olhei.

E foi o cara do rappel que puxou um novo assunto. Música. O sujeito é fã de música clássica. Sabia tudo. O outro era fã de jazz. Conhecia todos os discos da Blue Note. O terceiro adora MPB e samba. Conhecia os palcos e os bastidores da música brasileira. E eu?

_Eu gosto de rock´n´roll, mas sem radicalismos. Curto um pouco de tudo – eu falei, para horror dos meus interlocutores. Eles me olhavam como se eu estivesse com a gripe aviária. Eles faziam caras e bocas em sinal de desapreço. Depois dessa, o cara do rappel, que gosta de música clássica, passou a fazer ouvidos de Beethoven para o que eu dizia.

No Rio, um deles disse que era Flamengo. E falou a escalação do rubro-negro por ano, a partir de 1980. Outro disse que era Fluminense. Fez a mesma coisa: lembrou de cabeça, nome por nome dos times das últimas três décadas.E o terceiro disse que era Botafogo ou Vasco, não me lembro. E falou um monte de nomes. E você, Careca?

_América, mas não lembro nome de jogador.

Ao mudar radicalmente de assunto, o cara do rappel ficou quase de costas para mim. E anunciou que o negócio dele era investir em imóveis. Ele reformava e depois vendia, pelo dobro do preço. O outro comprava e vendia carros usados. Mesma coisa, comprava por x e vendia pelo dobro. O terceiro só investia em ações, mas deixou claro que a crise financeira havia passado ao largo. Comprava por x, e vendia super bem, ele não tinha do que reclamar.

_Fiu! – eu assobiei, sem querer.

E então os caras começaram a falar de política. Mas não pude acompanhar o diálogo, porque me lembrei que precisava revisar um memorando de três linhas. Quando voltei, os caras já tinham ido embora. Às vezes, eu tenho a impressão de que eu teria sido escolhido, na assembléia de ratos, para colocar o guizo no gato.

4 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

É, Careca... Sua situação parece muito com a minha. Não me sinto bem ao lado de "notáveis".

Careca disse...

Rodrigo, é fogo. :)

Paulo Bono disse...

então somos três, carecone.
sou o chato da roda quando se fala de gostos e aptidões.
abraço

Anônimo disse...

Outro dia eu ouvi minhas colegas de trabalho horrorizadas porque um cara tinha assassinado alguém e elas falavam alto e nervosamente. Perguntei, preocupada, quem era a vítima(ou o assassino) e elas disseram que era um personagem da novela.E continuaram outra conversa, em outro tom. Coisa de gente maluca! É difícil de acreditar que ainda exista audiência para esse lixo. Eu me sinto meio ET nas conversas do meu trabalho...
Abração
Tina Salimon

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