quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O início




O desligamento não me derrubou, fico feliz em constatar. As pessoas que eu amo me ajudaram a ficar firme. Mas não ter um emprego às vezes é um problema. E não é só por causa do dinheiro. É porque isso é associado a não fazer nada, a ficar parado e perder tempo.

Entretanto, desde o meu desligamento imediato tenho me sentido mais produtivo do que nunca. Todos os dias tenho me dedicado a fazer coisas com início, meio e fim. Mesmo que isso signifique apenas um simples trabalho de limpeza. Tenho me sentido desperto e bem disposto. Tenho despertado com mais ânimo. Tenho buscado a alegria de fazer coisas concretas, com tijolo, telha, madeira, massa corrida, cimento e rejunte. Fiz remendos, montei armários, troquei forros, lixei, cortei e aprendi a usar uma plaina número quatro. Tento fazer as coisas usando a luz do dia, nada de lâmpadas. Procuro ficar ao ar livre. Gosto de ficar um pouco debaixo da luz do sol. Faço pausas para tomar água gelada.

Em seis meses, terminei todos os projetos a que me propus, com exceção da troca do interfone, que devo fazer agora, em setembro. A maioria dos projetos está relacionada com a manutenção da casa. São coisas bobas e pequenas, mas que me dão imensa satifação de ver concluídas. Encaro cada pequeno problema e sua solução como um bom desafio. Já não é mais uma picuinha chata que fico feliz em pagar para alguém resolver. Os tempos são outros. Até mesmo porque dólar não está dando em abacateiro.

Não tenho saudade dos cubículos com lâmpadas fluorescentes. Nem das manhãs e tardes monótonos, nem dos dias tensos e frenéticos de reuniões e compromissos superimportantes. Também não sinto falta da sensação de estar falando ao vento,de ser um cara dispensável com uma atividade irrelevante, de estar fazendo mais do mesmo. Ou de viver para os finais de semana.

Sinto falta de algumas pessoas bem legais que conheci. De outras, não sinto nada, nem mesmo a lembrança.

Também tenho usado tinta, papel e a memória do computador. E ainda estou no começo.

Mil palavras



A foto foi feita por Alan Marques, da Folha Press. É de uma mulher chamada Leiliane Rebouças. Veja aqui.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um versão da lenda da pescada do Velho Tom



A verdade é que o importante é a versão. Meu amigo Velho Tom adora contar a história do peixe de sete quilos que ele encontrou na praia de Lagoinhas, no Ceará, voltando de uma caminhada de cinco quilômetros. Às vezes, esses números se invertem mas não faz muita diferença. Eu estava lá e vi o Velho Tom carregando o peixe. Era uma pescada, um belo peixe prateado com grandes escamas. Também tirei uma foto celulóide de 35 mm que foi revelada e está aí para comprovar.

_Ih, olha lá o paulista carregando peixe podre! - disseram na pensão onde estávamos hospedados.

_Vai comer peixe estragado, é?

_Joga esse lixo fora!

_Carregou lixo durante cinco quilômetros.

_Que desperdício!

_Tremendo Mané! Peixe que morre na pedra estraga rapidinho. Essa pescada não serve nem para isca de siri - disseram as pessoas enquanto eu tirava a foto.

Mas a verdade, verdadeira, é que o peixe estava bom. Generoso e boa praça, Velho Tom fez questão de dividir o peixe com todas as pessoas que estavam hospedadas naquele final de semana. Inclusive as pessoas que riram e caçoaram dele.

_Durou três dias! Era tanto peixe que todo mundo da pensão encheu a pança de pescada durante três dias - exagera o Velho Tom, toda vez que conta a história.

Passados muitos anos, fomos nós três, eu, Feijó e Velho Tom, para a Ilha Grande, no Rio. Ficamos numa pensão baratinha, baratinha, em Abraãozinho. Na época, havia duas grandes opções noturnas na Ilha Grande: cerveja e forró. Como eu sempre fui muito ruim de forró, o jeito era tomar cerveja. E conversando ali com os pescadores e barqueiros que conhecemos e fizemos amizade, Velho Tom começa a contar a história da famosa pescada de cinco ou de sete quilos.

_Uma vez, no Ceará, encontrei uma pescada de sete quilos na praia de Lagoinhas - começou o Velho Tom.

_Menos, Velho Tom, menos - disse Paulinho, dono de um barco em que vivíamos passeando, de graça, na mais pura camaradagem etílica.

_É sério, Paulinho, e o Careca está aqui de prova, rapaz. Ele estava lá, ele viu. É ou não é, Careca?

_É - eu disse, com o ar sério de quem confirma a maior lorota de uma pessoa.

Velho Tom contou a história timtim por timtim e correu para o arremate:

_Durou três dias! Era tanto peixe que todo mundo da pensão...

Paulinho, o barqueiro, interrompeu o Velho Tom com ar sério, colocando a mão no seu ombro.

_Velho Tom, Velho Tom, você é muito gente boa, mas você meeeeeennnte.

Depois disso, a lenda da pescada só fica completa quando o Velho Tom conta a reclamação do barqueiro. Também gosto muito dessa história. Ela é verídica em seus exageros de pesos e medidas, de um tempo em que tínhamos todo o tempo do mundo. E também acho bacana o meu modesto papel no enredo, o de testemunha ocular muda e eloquente em verdades.

Mesmo assim, outro dia passei um susto no Velho Tom, logo depois que ele contou que para o barqueiro da Ilha Grande ele era um gente boa mentiroso.

_Véi, eles trocaram o peixe na cozinha da pensão - eu disse.

Velho Tom ficou estático.

_Jurei pra mim mesmo que eu nunca iria contar isso para você, mas aquele peixe estava estragado. A pescada que você carregou durante cinco quilômetros, debaixo do maior soléil, véi, estava passadaça. A turma da pensão não parava com a gozação e eu não poderia deixar um amigo passar aquela vergonha. Então eu conversei com o cozinheiro, aquele que confirmou que o peixe estava bom, lembra?, pois então. Pedi para ele dizer para a turma de gozadores que o peixe estava ótimo e perguntar a você o que era pra fazer. E você foi muito legal, mandando servir o peixe pra todo mundo, mas aquilo me pegou de surpresa porque não tinha peixe na cozinha da pensão e muito menos do tamanho daquele que você encontrou na praia. Eu fiquei numa sinuca de bico, porque não poderia desmentir o cozinheiro sem desmentir você, a turma da gozação não iria nos deixar em paz. E agora, com comida de graça prometida, a coisa seria pior. Caramba, quando eu estava quase desistindo e ia contar a verdade para todo mundo, aparece um menino na cozinha dizendo que um barco acabava de chegar à praia, que ficava na frente da pensão, era só atravessar a rua. Eu nem pensei duas vezes, corri para a praia e lá estava o barco, ancorado. Tive que entrar dentro d´água e quando estava no meio do caminho eu gritei para o barqueiro, ei, você tem peixe aí, eu preciso de um peixe grande, de uns sete quilos, você tem? Tenho uma pescada, serve?, ele disse e entrou dentro do barco. Quando voltou ele trazia uma pescada enorme, devia ter uns dez quilos, ele nem conseguia segurar direito, serve esta?, ele disse, claro, eu disse, mas que mal lhe pergunte, ele disse, com aquele sotaque, que não era de cearense, era de carioca, por incrível que pareça, esse peixe, essa pescada, para quem que é?, ah, é para o meu amigo, Velho Tom, e o barqueiro balançou a cabeça, rindo e dizendo, Velho Tom, mas é claro, ele é gente boa mas mente!

_É, talvez só tenha durado dois dias. Mas era muito peixe - disse o Velho Tom.



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A coruja para fora de casa



Eu estava enrolando para entrar no assunto da máquina do tempo ontem à noite quando fui interrompido por uma coruja. Demorei a descobrir que era uma coruja e que ela estava dentro de casa. Na verdade, eu havia escutado um barulho na parte de baixo da escada da casa, mas dei de ombros. Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha, vive fazendo barulho, de modo que eu não dei muita bola aos ruídos. Mas quando eu olhei para o lado, ali estava o Rafa e portanto, o barulho não poderia ter sido feito por ele. Fiquei com medo, é claro. Aqui, como em qualquer lugar do país, é bem seguro até que acontece alguma coisa. Além disso, a parte de baixo da casa fica sempre às escuras depois que as crianças vão se deitar e debaixo da escada fica mais escuro ainda. E é frio.

Calcei os tênis e desci devagar a escada, com cuidado, prestando atenção nos sons. Rafa disparou na minha frente e pulou no escuro da escada. Foi um erro. Ele voltou quase que imediatamente em velocidade de Rafa-quando-foge e a coruja piou.

_Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

Se tivesse competição de salto cego de costas e puro medo nas Olimpíadas eu ganharia a medalha de ouro, com certeza. Dei um carpado sem voluta de três metros. Quase bati o nariz no chão. Mas foi a minha sorte porque a coruja passou voando por cima de mim e foi para a sala. Suspirei. A coruja piou. Meu coração batia a ... não sei, batia rápido pacas. Rafa, o cãozinho shi-tsu, aguardava atrás de mim mas decidiu se refugiar no escritório. Aquele traidorzinho! Lá em cima, minha mulher sussurrava para que eu não fizesse barulho, porque as crianças estavam dormindo.

_Benhê, fecha a porta da escada que tem uma coruja dentro de casa!- eu disse.

_Psst! Silêncio. As crianças estão dormindo - sussurrou a minha mulher.

_Mas amor, tem uma coruja dentro de casa!

_Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! - confirmou a coruja.

_Vamos parar com o barulho! - berrou a minha mulher.

Eu e a coruja nos olhamos e obedecemos. Daí em diante trabalhei em silêncio. Precisei acender umas quinze velas. Eu poderia apostar que a coruja havia se confundido com as luzes da casa e errado o caminho. Por isso, tratei de fazer um caminho bem iluminado à luz de velas para ela. Quando terminei a pista do corujaporto, corri até a parte de trás da casa e abri todas as portas e janelas. Com um pouco de sorte e desde que todas as luzes de fora da casa estivessem apagadas, a coruja tinha uma trilha bem delineada e iluminada a seguir. Agora só faltava o mais difícil. Espantar a coruja na direção certa, para fora de casa.

Assustada com a velas ela havia ficado do lado oposto ao escritório, num cantinho da sala, de costas para uma janela e também para a saída de casa. A coruja teria que fazer uma curva em "u" e depois seguir reto para voar para fora. Tive que acender mais quatro velas para fazer uma curva. Só que isso fez com que a coruja recuasse um pouco mais. Eu só possuía uma última vela. Com ela, ajeitei o "u" como pude. Agora eu só precisava seguir o trajeto marcado pelas velas, e dar a volta por fora da casa.

Foi o que eu fiz. Fazendo figa com os dedos, bati nos vidros e berrei para que a coruja saísse para fora de casa. Assustada, ela não fez a curva em "u" e bateu na porta do escritório, onde Rafa estava escondido. Caramba! Meu plano havia dado errado. A coruja se debatia contra a porta e não havia nada que eu pudesse fazer para tirá-la de lá. Nada. Enquanto eu pensava numa outra saída e voltava para dentro de casa, escutei um latido e de novo aquele piado forte.

_Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!


E aí eu lamentei não estar aqui com uma câmera de vídeo, porque eu vi e adoraria mostrar para todos vocês a coruja seguindo em linha quase reta as velas do meu corujoporto. Ela bateu no teto umas duas vezes, mas não perdeu a direção. E voou esplendidamente, com as asas bem abertas, para fora da minha casa. Fechei todas as portas e janelas, tirei Rafa (o cãozinho covarde) do escritório e subi triunfante as escadas até o quarto. Ali, entre os seres humanos, eu seria devidamente reconhecido pelos bons serviços prestados ao bem-estar dos residentes.

_Benhê, consegui, a coruja foi embora.

_Nem vem que eu estou com dor de cabeça! - sussurrou a minha mulher.

_Mas amor...

_Xô, silêncio, estou dormindo - cochichou.

Lá fora, uma coruja piava. Parecia uma risada.

domingo, 28 de agosto de 2011

Um clichê para você

Outro dia vi uma comédia sensacional dirigida e estrelada pelo John Cusack, chamada "A Ressaca". Nem preciso dizer que gosto do ator desde o sensacional "Alta Fidelidade", brilhante filmagem do livraço do Nick Hornby e dono de uma trilha sonora da maior qualidade. Em "A Ressaca", três caras que são amigos desde a juventude entram numa banheira que os leva de volta para o início dos anos 80. É a chance de reviver momentos cruciais e, quem sabe, alterar o rumo de suas vidas. Bom, o filme é divertido e vale a pena conferir.

O clichê de uma nova oportunidade concedida pelo destino é interessante, já foi abordado diversas vezes, algumas de maneira bem genial como em "O efeito borboleta", ou de uma maneira bem divertida, como em "De volta para o futuro". Mas qualquer que seja o filme sobre a volta no tempo, eu sempre acabo me lembrando de uma revista em quadrinhos genial chamada "Eu matei Adolf Hitler", do quadrinista norueguês Jason...

Desculpem, mas uma coruja acaba de entrar em casa e tenho que fazer alguma coisa para que ela voe para fora. Amanhã eu conto.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Uma dupla sem par

Tenho ficado muito tempo sozinho. Minha mulher trabalha muito e as crianças estão cheias de atividades fora de casa. Não é ruim ficar sozinho. Eu gosto. Mas preciso me manter ocupado para não perder tempo fazendo nada. Às vezes eu vou para a pequena oficina de marcenaria que improvisei em casa. Fico algumas horas cortando e lixando madeira. Outro dia fiz um aparador para a entrada da casa. Não ficou muito bom, mas a minha mulher disse que gostou. Foi gentil da parte dela. Ela deixou que eu colocasse o móvel na entrada da casa e trouxe um vaso com orquídea para colocar em cima. Achei que o conjunto ficou bonito.

Enquanto faço esses móveis de madeira, fico devaneando um bocado. Hoje, enquanto lixava um monte de madeira velha para futuras mesas e aparadores, eu imaginei diálogos comigo mesmo. Foi um diálogo que durou algumas horas, não consigo me lembrar de tudo que disse para mim.

_Conheço um cara que usa fio dental enquanto dirige.

_Tive uma colega de trabalho que sempre me pedia carona. Ela sempre bisbilhotava o porta-luvas.

_Japoneses também sabem tudo sobre James Brown.

_Uma vez jogaram um frango assado numa amiga minha. Ela estava deprimida quando foi atingida pelo frango. Era domingo.

_Ela estava deprimida porque era domingo?

_Ninguém fica deprimido porque é domingo ou segunda-feira, isso não existe.

_Domingo até que não, mas acho quarta-feira uma tristeza.

_Amanhã é quarta-feira.

_Se alguém jogasse um frango assado em mim numa quarta-feira, não sei, não.

_Não sei, não, o quê?

_Sei lá, eu faria uma loucura. Eu sairia batendo de porta em porta até achar a pessoa que fez isso.

_A defenestradora.

_Isso, eu procuraria até achar a pessoa que jogou o frango pela janela.

_Por quê você não diz a defenestradora? É mais curto.

_Acho pedante.

-Pois não é. Vem do francês - tirez par la fenetre.

_Acho pedante dizer que vem do francês. E seu francês c´est une merde.

_Pedante, pedante, tudo pra você é pedante, demodé, chichê, nunca vi um sujeito ser tão esnobe e autocrítico. Mas deixa pra lá. O que você faria quando encontrasse a pessoa?

_Que pessoa?

_A defenestradora.

_Pediria farofa.

Foi um diálogo comprido. Felizmente minha mãe me salvou ao me chamar para comer jabuticabas. A tarde estava magnífica. O lago estava tranquilo e muito bonito de se ver. Três pessoas pescavam no pier. Depois eu não consegui continuar o trabalho, porque já começava a escurecer e eu precisava trocar a torneira do jardim. Tive que ir correndo para a loja de bugigangas de construção comprar uma torneira nova. Aproveitei para comprar um par de luvas de raspa. Também olhei o preço de telhas, vou precisar trocar um monte de telhas. Quando fui pagar, o sujeito da loja me olhou esquisito atrás do balcão.

_Foi você que pegou as luvas?

_Foi, por quê?

_São repetidas. São duas da mesma mão. Duas direitas.

E depois, no caminho de volta, eu fiquei conversando comigo mesmo.

_Mesmamão?

_Um horror, esse cacófato.

_Caramba, você ia levar uma dupla de luvas sem par?

_Não, uma eu certamente iria defenestrar.



Big Boss Man - Sell your soul



Daqui a pouco escrevo. Agora vou colocar as crianças para dormir.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O melhor dia do ano para começar a mudar de vida



Eu tenho um amigo que diz que o melhor dia é uma quarta-feira, mas não pode chover, nem fazer muito sol. Também não pode ventar muito e a umidade do ar não pode ser baixa. E tem que ser no mês de setembro, que está chegando.

_O melhor dia do ano para começar a mudar de vida é o dia 14 de setembro, pode anotar - diz esse meu amigo.

Ele faz ar de mistério, como se soubesse um segredo muito secreto. E para quem duvida ele dá banana e cospe no chão.

_O que estraga o ser humano é a falta de acreditação, é a falta de fé - ele diz.

Ele parece saber do que está falando, esse meu amigo. Ele mudou de vida há muitos anos, pelo que eu sei. Embora eu não saiba muito. Sobre ele e também sobre mudar de vida. As coisas sempre me atropelaram. Quando em pensava em fazer planos de mudança alguém vinha me avisar para arrumar as minhas coisas e dar o fora. Mas esse meu amigo sempre fez o que quis. Pra dizer a verdade, às vezes eu até duvido de que ele tenha tido outro tipo de vida, sempre fala as mesmas coisas. E na opinião dele, eu não tenho a menor ambição de mudança de vida.

_Você quer mudar de vida, Careca?

_Sim e não, às vezes eu acho que está bom do jeito que está, que se mudar, desarranja. Mas tem hora que eu penso em tudo bem diferente - eu digo.

_Não quer perder barriga?

_Que barriga?

_Esse pneu aí, que sobra em cima do cinto.

_Ah, isso parece barriga mas é reserva energética. Estou guardando pra uma emergência, nunca se sabe.

_E cabelo? Não quer mais cabelo?

_Cabelo dá muito trabalho.

_Não quer nada diferente na sua vida?

_Tipo o quê?

_Dinheiro,caipisaquês, poder?

_Não, não tenho mais fígado pra isso.

_E aventuras, sucesso, status?

_Não tenho muita vontade de correr atrás disso.

_Pô, você não quer nada?

_Tem rede, sombra e água-de-coco?

E não tinha. Mas talvez esse meu amigo tenha razão. Afinal, 14 de setembro é um dia tão bom quanto qualquer outro para começar a mudar de vida. Talvez eu até comece antes.

Um projeto do Mário Salimon



Meu amigo Mário Salimon além de artista agora também é documentarista e está com um projeto muito bacana.
Grande abraço, Mário!

Saiba mais aqui.



domingo, 21 de agosto de 2011

Piadas na casa da sogra

_Mulheres só querem carinho - disse o meu cunhado, durante o almoço de domingo na casa da sogra.

_É verdade, muito bem - disseram as mulheres presentes.

_Carro carinho, perfume carinho, vestido carinho...

As mulheres vaiaram.

_Ontem falei com o cara mais pão-duro do mundo - disse o meu cunhado.

_O homem no espelho - disse a mulher dele.

_Não, é o Beto, do futebol. O cara não dá nem as horas.

_Rá, rá.

_Ele é sovina, o cara é mão-fechada. Pra você ter uma idéia, ele atravessa piscina olímpica com sonrisal. Chega sequinho do outro lado.

Eu fui tirar uma soneca no sofá.

sábado, 20 de agosto de 2011

Joni Mitchell-California (BBC)

Joni Mitchell-California (BBC)



This is a live performance of Joni Mitchell's hit, California. This was taken on October 9, 1970.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Eu e a garota mais linda da cidade

Quem era o autor mais lido da sua turma quando você tinha seus vinte anos? Sartre e Simone de Beauvoir fizeram a cabeça de algumas gerações, com "O Muro" e "O Segundo Sexo" há mais de cinquenta anos. Depois vieram, sei lá, todos aqueles livros malucos de Carlos Castaneda, a bizarrice auto-irônica de "O complexo de Portnoy", de Philip Roth. O Fernando Sabino(O encontro marcado), Ignácio de Loyola Brandão (Zero), Rubem Fonseca e o herói de toda uma geração, Marcelo Rubens Paiva. Em 1981, Ziraldo publicou "O menino maluquinho".

Um dos autores mais vendidos quando eu tinha os meus vinte anos era Sidney Sheldon, que também escreveu as mini-séries "Jennie é um gênio" e "A Feiticeira". Lembro de ler uma entrevista nas páginas amarelas de Marion Zimmer Bradley, outra campeã das livrarias com uma coisa chamada "Operação Cavalo de Tróia". Coisas como "Duna" vendiam como água. Toda a fantasia onanista dos criacionistas explodiu ali, naquela década. Coisa impossível de acompanhar. Clive Barker surgiu nesse período. E depois, graças aos céus, desapareceu. A editora Brasiliense estava ressuscitando uma grande leva de clássicos da ficção científica. Stephen King(é um craque) e Tom Wolfe estavam nas minhas estantes.

Mas na época em que entramos na universidade, nós líamos mesmo era Charles Bukowisky. Sim, havia "On the road" e os Beatnicks, Salinger, Saul Below e todos os geniais e refinados escritores da New Yorker. "A Mulher Mais Linda da Cidade" e "Crônica de um amor louco" não saíam da minha cabeça. Charles era o modelo perfeito. Feio, escroto, tímido e intratável, Bukowisky escrevia na primeira pessoa e mandava bem. Era o herói de si mesmo até quando se dava mal. E quase sempre se dava mal. Apesar de ser escatológico até o último fio de cabelo do rabo, Charles de vez em quando ficava com a mocinha. De alguma maneira, com algum poema longo ou nas entrelinhas de uma historieta suja, aquele safado conseguia o que queria: escrevia, bebia o máximo que conseguia e ainda arranjava mulheres. Uau. Charles Bukowisky era desculpa perfeita para encher a cara, ser grosseirão e posar de rebelde, poeta e incompreendido. Era o poeta que nós queríamos imitar.

Ou pelo menos, que eu queria imitar. Para ser honesto, eu não queria imitá-lo em tudo. Só nas partes em que ele parecia se dar bem. E é lógico que não funcionava comigo. A grossura de Bukowisky que eu macaqueava era respondida na mesma moeda. Ao contrário do que acontecia nas histórias de "Cartas na rua", eu não me dava nada bem. Quando o insucesso atirava Bukowisky na sarjeta, de algum modo ele parecia ser vitorioso e digno. Comigo, era somente a ressaca. Com o passar delas, resolvi deixar o Charles de lado.

Hoje, olhando rapidamente a estante, encontrei um cantinho cheio de livros do Bukowisky. Um volume de contos destaca "A garota mais linda da cidade". Não reli. Ainda lembro da cena com Ornella Mutti e Ben Gazara no cinema.

Uma vez um amigo me disse que Bukowisky destroçava os personagens bons e decentes. "Ele está do lado dos feios e sujos", disse esse meu amigo. E para provar o que dizia, ele mostrava a foto da capa de um livro, com Bukowisky abraçado a um dragão horroroso, com um charuto na boca barbada, uma garrafa de birita. Mesmo assim, eu pensava, ele ficou com a garota mais linda da cidade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Zumbis na esplanada

Eu vejo a foto do ministério com a presidente. Quatro figuras estão em cinza. A legenda mostra que os acinzentados pediram demissão. Parece episódio de "The Walking Dead", com roteiro bem conhecido.

A presidente está numa boa, passando uma descompostura num auxiliar qualquer e quando olha para o lado lá está o neo-zumbi, um ministro infectado por denúncias gravíssimas e pustulentas. Indícios de propina, licitações fraudulentas e manchas de consultorias superfaturadas podem ser vistos por todos os lados.

_Mais um ministro morto-vivo? - ela pergunta, retoricamente.

_Já é o quarto e ainda estamos em agosto - diz o auxiliar descompostado.

_Groonff - baba o ministro-zumbi.

O ministro-monstro está meio cambeta, puxando uma perna, os olhos esbugalhados de quem só pensa em dinheiro grande estocado em paraísos fiscais.

_Peguem a carta de demissão! E vê se alguém chuta ele pra longe de mim - diz a presidente.

_Pronto, presidenta - diz o auxiliar.

_Muito bem, falou direitinho, o certo é presidenta.

_Foi minha filha que me ensinou, ela é muito inteligenta - diz o auxiliar.

_E o que mais tem na minha agenda?

_Huum, pelo que vi até agora só tem um número anotado - diz o auxiliar.

_Imbecil, essa é a senha do meu computador.

_Pensei que fosse a data do seu nascimento.

_Não é não, seu idiota. A do nascimento eu uso no site do banco.

_Nossa, que idéia brilhanta!

-Hoje não tem mais nenhuma demissão?

_Deixe-me ver, Transportes, Turismo, Agricultura, Casa Civil, Defesa, não, hoje não tem mais nenhuma, ai!

_Mas o que foi?

_Nada, só estou com dor de denta.

E antes que o auxiliar diga à presidente que não pode ir ao dentista porque ninguém aceita o seu plano de saúde ela continua, laboriosa, a faxina no governo.

_Esse de bigodes parece bem cinza, não é mesmo?

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Bélgica é aqui

As acusações de que o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, permitiu o uso eleitoral dos estoques da Conab quando presidente da estatal, acobertou fraude em licitação na Agricultura e patrocinou pagamento irregular de dívida na presidência da Companhia Docas de São Paulo continuam sem respostas minimamente adequadas. Se é que elas existem.

Hoje também disseram que o ministro usou jatinho de empresa privada e que tratava diretamente com o lobista que surrou um repórter da Veja, o que poderia ser comprovado por imagens gravadas pelo sistema de segurança do ministério.

O que estão esperando? Que o sujeito se demita? Alguém acredita que isso ocorra? O que pode ser mais broxante do que a lista resumida daí de cima?

Só o Simon com a sua frente de bajulação, é claro.

A verdade é que há vários anos esse país funciona, quando funciona, na base do improviso. Não é mérito de ninguém, é simplesmente assim. Nós somos os tais quando o negócio é improvisar. E o ministério do governo é o campeão da improvisação, veja só.

Nos últimos dias, a improvisação parece campear na Casa Civil, com a nomeação de uma parlamentar desconhecida que não conhece ninguém, como ressaltou um ex-ministro. Aliás, esse ex-ministro só foi substituído de maneira improvisada por um outro ex-ministro porque ele só faltava xingar a mãe do PAC durante entrevistas a espertinhos. Beligerante e contraproducente, o novo velho ministro poderá com seus improvisos livrar o país da sua tradição pacifista e nos colocar em guerra. Onde houver cizânia, o barbudinho a inflamará.

Mas há aí um engano: a improvisada em chefe conhece bem o marido, que conhece bem a conta de mais de 60 bi em restos a pagar de vocês sabem quem. O casal dorme contente sobre a dívida, já que a crise e a vocação do partido recomendam o calote e o destrato. Quem viver, verá.

Na sequência, com toda a desimportância, os titulares de pesca e relações institucionais trocaram de endereço. De um foi dito que era um parvo, da outra que era fraca. Ou foi o contrário? Não importa. E nem transporta. Alguém aí se lembra de quem está improvisado no ministério dos transportes? Por lá, foram vinte e tantas demissões. E na semana passada, meteram em cana outros trinta por conta de improvisos no turismo.

E se na agricultura não mostram o vídeo, no turismo mostraram as fotos e as gravações. Estranhamente, os comentários improvisados choraram mais as algemas dos acusados do que o furto do dinheiro público.

E como anda a Bélgica? Parece que lá tem mais de ano que eles continuam sem governo.









segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Desenho numa porta em Marrakesh



A tecnologia facilita ou embota a criatividade?

Vi esse desenho numa foto de uma janela de uma casa no Marrocos. Agora estou tentado a ampliar a composição e reproduzí-la num baú que fiz aqui em casa, com restos de portas.

domingo, 14 de agosto de 2011

Abraço de pai em filme americano

É verdade. No cinema, ninguém faz abraço de pai tão emocionante quanto os americanos. Acho que foi o João Ubaldo que falou isso numa crônica antiga. Ou foi o Ruy Castro, não lembro. Sei que é verdade.

E então eu procurei um abraço emocionante do cinema no You Tube. E achei o vídeo abaixo.




Feliz Dia dos Pais!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Carta nada exemplar para o meu sobrinho

Querido Sobrinho,
Você é uma espécie de herói lá em casa. Não é uma coisa que acontece naturalmente, você sabe. Os heróis têm que batalhar muito, é dureza. Você é o sobrinho mais velho, o primo mais experiente, maior e mais forte. E as coisas acontecem primeiro com você. Isso começou, eu acho, com as fraldas. Você foi o primeiro a usar fraldas descartáveis na família. E também o primeiro a deixar as fraldas. O que foi ótimo. Seu tio demorou muito mais tempo com as fraldas, pelo menos dois anos a mais. Você também foi o primeiro a ganhar aquela famosa bola que faz barulho de presente. Você sabe, aquela bola maluca. Ela solta uns barulhos esquisitos quando muda de posição. E ela sempre muda de posição. Parece o anúncio de uma invasão planetária, a explosão de um sapo reclamando. Você foi o primeiro bebê da família a ganhar aquela bola. E também foi o primeiro a fazer todo mundo enjoar dela, em menos de uma hora. Felizmente, eu mandei a bola para o seu tio, que a enterrou no quintal.

Isso aconteceu mais vezes, esse pioneirismo. O lance das fraldas, por exemplo, foi bem interessante. Sua mãe, que é minha irmã, a pretexto de ensinar aos irmãos as coisas que todos nós deveríamos saber, fez questão que trocássemos pelo menos uma fralda sua. Pra valer. Com conteúdo. A experiência foi muito gratificante. E, sem dúvida nenhuma, me inspirou a demorar a ter filhos. O que foi um erro. Eu deveria ter iniciado logo a minha produção de filhos e feito a sua mãe trocar pelo menos umas dez fraldas, com conteúdo, em represália. Hoje tenho uma saudade danada dos tempos dos bebês. Você mesmo era um bebê muito bacana, gostava de morder o dedão do próprio pé. Era muito inspirador. Seu tio também gostava de morder o dedão do pé, dos outros.

Você é o sobrinho mais velho, o primeiro, o exemplo. Embora não tenha pedido para ser o exemplo, você não tem fugido dessa responsabilidade, o que é ótimo. E tem se saído super-bem, o que é melhor ainda. Você é um bom exemplo. Seu tio, para citar um outro tipo de exemplo, sempre foi mais refratário a enfrentar corajosamente as situações. Talvez isso tenha acontecido porque nós gostávamos de deixá-lo um pouco confuso. Era fácil, muito fácil.

_Foi você! – a gente dizia para seu tio.
_Eu? Eu o quê? – ele perguntava, aturdido.
_Nem vem dar uma de santo, foi você! Foi sim! – a gente insistia. E depois de algum tempo, nós o convencíamos de que havia sido mesmo ele. Qualquer coisa. Era fácil, muito fácil. Teve também uma época em que a gente o convencia de que além de adotado, ele, na verdade, era ela.

_Sim, você é uma menina. Vá pegar a sua boneca. Por quê está sem o vestidinho cor-de-rosa? Como andam as aulas de balé? E esse cabelo? Vem cá, deixa eu fazer uma trança.

É difícil ser exemplar. Todo mundo presta muita atenção, não se pode enfiar o dedo no nariz, coçar alguns lugares. É um saco, às vezes. O mais chato de ser “exemplo” é também o mais legal. Você tem imitadores. Seguidores. Exerce uma liderança. Influência. E você tem sido uma influência positiva. Mas tudo isso também pode ser bastante embaraçoso se você não estiver a fim de ser imitado, ou se não quiser influenciar ninguém. É verdade. Mas ninguém tem muita certeza de nada. Às vezes é bom ter dúvidas. Dívidas, não. Encontramos respostas a vida inteira. O difícil é entender as perguntas.

Bom, nós amamos você. Continue a fazer coisas boas. Você é do bem.
(Entregue ao meu sobrinho em setembro de 2009)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ditados, ditados

Não é prego, nem bem de raiz
Não enche barriga
Corta mais do que a espada
Tem mel e tem ferrão
Na boca do mentiroso, até o mais certo é duvidoso
Nem todas as verdades são pra ser ditas
Na boca de quem não presta, quem é bom não tem valia
Não diga ao velho que se deite nem ao menino que se levante
Na seda mais fina é que a mancha pega

Palavra demais só custa dinheiro em telegrama
Até peixe morto parece nadar rio abaixo
Em caminho calcado, não cresce erva
Nem é com vinagre que se apanha moscas

Não há conta que não se pague
Nem ditado velho, se dito em tempo
Não há domingo sem missa, nem segunda sem preguiça
Em pescoço de criança não se acha cabeça de Matusalém
Não há feio sem graça, nem bonito sem senão
Nem fome que não dê em fartura
E não existe guerra de mais aparato do que muitas mãos no mesmo prato

Não há fumaça sem fogo
Nem madeira sem nó
Não há mal que bem não traga e sempre dure
Nem bem que nunca se ature

Não há manjar que não enfastie, nem vício que não enfade
Não há marcas que o tempo não apague.
Não há mau piloto, quando o tempo é bom
Não ponhas todos os ovos no mesmo cesto

Não há melhor mestra que a necessidade
Não há mezinha que cure a dor da separação
Não há moço doente nem velho são

Não há nada tão antigo que não tenha sido novo
E não existe nenhum remédio para curar ódio
Não há fumaça sem fogo, nem roca sem fuso,
não há rosa sem espinho e nem regra sem exceção
Não existe mulher sem senão, sábado sem sol, domingo sem missa
e segunda sem preguiça


Não há pior cego do que aquele que não quer ver
Nem jardim sem flores, velhos sem dores e moças sem amores
Não há sabão que lave a alma da inveja
Nem vitória sem luta

Não passe o carro na frente dos bois
Não peças a quem pediu nem sirvas a quem serviu
Quem pisa no rabo do cachorro, quer ser mordido
Ninguém esconde o amor, o fogo e a tosse

Não se amarra cachorro com lingüiça
E ninguém caça lebres tocando tambor
Não se procura sovaco em cobra
Não se tira leite de pedra
Não se vê veado baleado que não seja grande e gordo

O faminto não será tentado dando-lhe pão a cortar
Não tira bom resultado, quem vai onde não é chamado
Nas asas do tempo, a tristeza voa
Nas costas dos outros se vêm as nossas
Nas curvas da vida, entre devagar
Nem só de pão vive o homem.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Nem toda sede nos leva ao pote
Na cauda é que está o veneno
Notícia ruim chega a cavalo

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Uma segunda-feira de doer



Londres está em chamas e a bolsa caiu como em 2008. Tudo está no seu lugar?

Vale até um repeteco - The Decemberists - Don´t Carry It All.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Lendo pensamentos de manhã bem cedo na escola



Meu irmão se aproxima e coloca a mão aberta sobre a cabeça da minha filha.

_Hummm, deixa eu adivinhar o que aconteceu com você - ele diz.

_Ih, tiô, você não vai adivinhar nunca!

_Deixe-me ver, deixe-me ver, preciso me concentrar, sim, sim, já está tudo muito claro na minha mente. Eu posso ver que você acordou de pijama, foi ao banheiro, escovou os dentes e depois trocou de roupa. Sim, eu posso ver com clareza. Depois você penteou os cabelos, já com o uniforme da escola. E foi tomar o café da manhã na cozinha. Mas você não tomou café, tomou leite com sucrilhos.

_Errou, errou, foi leite com nescau - ela disse.

_É mesmo, é mesmo, confundi com sucrilhos de chocolate. Você também comeu uma fruta, hum, deixe-ver que fruta era, concentração, só mais um pouquinho, sim, eu posso ver com clareza, você comeu maçã.

_Errou, errou, foi banana. Meu irmão que comeu maçã, tiô.

_Certo, certo, eu confundi porque vocês estavam sentados bem perto um do outro.

_Errou, errou, eu sento de um lado e o meu irmão senta do outro lado.

_Certo, certo, e vocês ficam frente a frente, não é?

_É.

_E de vez em quando ficam brincando de chutar a canela do outro, não é?

_É, ué.

_Pois então, eu posso ver com clareza, eu sei tudo o que você está pensando.

_Ah, é? E no que eu estou pensando agora?

_Que eu não vou dar conta de adivinhar o seu pensamento, oras. Estou ou não estou certo?

_Ah, tiô, não valeu. Não deu tempo de pensar em outra coisa.

_Viu? Está tudo muito claro na minha cabeça - disse o meu irmão.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Um post com desenho




Alguns leitores da minha kombi devem se lembrar que em outros tempos eu colocava um desenho acima dos posts deste blog. Eram desenhos sem preocupação com nada, descompromissados e feitos pelo puro prazer de desenhar. Depois comecei a fazer os desenhos com mais capricho e até fiz outro blog, paralelo, onde só coloco ilustrações. O grande problema desse blog paralelo não é a falta de desenhos. Tenho mais de uma dúzia de moleskines cheios de desenhos. O que me falta é paciência. O que me sobra é a grande preguiça de scanear e processar as imagens antes de publicar. Mas hoje me deu uma saudade grande de postar um desenho como eu fazia antes, de uma maneira bem relaxada. Então a primeira coisa que desenhei foi esse papagaio aí de cima.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Uma sofrida manhã no dentista



Minha dentista é uma senhora com seus mais de cinquenta. Ela emana uma simpatia profissional, mas sem que isso faça dela uma pessoa desagradável. E de vez em quando ela gosta de conversar. Quero dizer, não é bem uma conversa, já que estou o tempo todo com algodão, sugador e dedos enluvados dentro da boca. Está mais para um monólogo acompanhado de olhares e ruídos de concordância e aprovação. Sim, eu hesito muito a discordar de uma pessoa armada com um motorzinho e ferros de espetar os dentes.

_Como está de casa nova? - ela disse.

_Uauoljahdalhalçlleza - eu falei.

_Pois eu e o meu marido estamos voltando para o antigo apartamento. Minha filha se casou e agora o apartamento em que estamos está muito grande para nós dois. Está sentindo dor?

_Uin. Uin.

_Ainda bem que não. Onde eu estava? Ah, sim, na mudança. Neste final de semana nós fomos visitar meu cunhado, que até hoje mora no prédio onde nós também morávamos. Nós mudamos desse antigo apartamento há uns quinze anos, porque a minha filha estava crescendo e precisava de mais espaço. Mas agora o apartamento está muito grande. Dói aqui?

_Humhumauin.

_Eu sabia que não. É um molar muito forte, esse seu, vai dar um trabalho danado. Mas você tem uma grande tolerância à dor e sei que não faz questão de anestesia.

_Asso, asso.

_Sim, não vou usar nada. E então? Agora o meu marido está procurando um apartamento no antigo prédio, para a nossa volta. No apartamentão atual eu fico semanas sem passar por alguns cômodos. A gente não precisa de muito espaço. Eu acho que hoje em dia eu moraria até numa kitinete. Dói?

_Iim, iim.

_Você realmente tem grande tolerância à dor. Outros pacientes já teriam gritado ou tentado se levantar. Mas você nem pisca. E então? Pois...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

E a ventania vem mais forte

Uma ventania forte derrubou a enorme folha de palmeira no quintal. A piscina e a área da varanda também ficaram cobertas de folhas e flores do flamboyant. Limpar todo esse bucolismo exigiu quase uma hora de trabalho. E não adiantou. Logo depois que eu ensaquei as folhas, flores, ramos e gravetos uma nova ventania sujou tudo novamente. Novamente, limpei a piscina e varri as folhas e flores da varanda. Quando terminei, o vento recomeçou.

Tenho pensando muito com uma vassoura na mão. Alguns tipos de trabalhos manuais me ajudam a desenvolver idéias. Quando mais humilde, melhor. Varrer, limpar, cavar e organizar coisas me deixam numa espécie de transe, desligado do mundo, pensando em livros e histórias. Hoje, enquanto limpava a piscina, fiquei tentando lembrar daquele conto "O Nadador", do John Cheever, mas não consegui. Lembrei apenas que aos poucos, a cada mergulho do nadador, ficamos sabendo um pouco mais sobre a sua vida até o final dramático. Depois fiquei pensando que entrei na piscina da casa nova somente uma única vez. E com a ventania que vem fazendo, não seria hoje a segunda.

Quando passou a angústia da limpeza, fui para a oficina improvisada na garagem. Tive a idéia de montar uma nova mesa com três tábuas que encontrei no sótão. Como estou sem vigotas da altura necessária para as pernas da mesa, tratei de serrar uma viga maciça. Foi difícil fazer isso com uma serra elétrica de mão, porque a madeira era muito pesada. Fiz um monte de serragem com os cortes.

Em seguida, minha mulher chegou com as crianças. Hoje foi o dia do retorno às aulas e por isso as crianças estavam elétricas. Minha mulher me disse que quer uma mesa de centro para a varanda. E também quer um aparador feito com duas tábuas grossas de madeira de demolição. Acho que consigo fazer.

Depois do almoço, uma nova ventania muito forte voltou a sujar a piscina e a varanda. Achei que eu tive uma idéia para um conto e fiquei pensando em como desenvolver a história. Era sobre um sujeito desempregado que fica inventando coisas para fazer em casa, para ocupar a mente. Tudo acontece de maneira inteiramente previsível e enfadonha até o dia em que esse sujeito encontra um pássaro morto dentro da piscina. É um pássaro comum, um pardal e o sujeito recolhe o pássaro com a rede de limpeza e o joga dentro de um saco plástico.

No dia seguinte, o sujeito encontra outro pardal dentro da piscina e faz a mesma coisa. No terceiro dia, ele se aproxima da piscina e dessa vez não encontra nenhum pássaro morto, mas alguma coisa está no fundo da piscina. É uma piscina escura e a água é meio turva. O sujeito tem a impressão de que é um corpo, mas ao mesmo tempo ri dessa idéia. Ele hesita em entrar, porque está frio e ventando muito, mas resolve verificar o que é aquela grande mancha escura no fundo.

Aos poucos ele caminha para a parte mais escura do fundo da piscina. Ele tateia o fundo com as pontas dos pés, mas a mancha está numa área em que ele não alcança. O sujeito se vê obrigado a merculhar, a molhar a cabeça. E quando faz isso, ele se dá conta de que a mancha não está mais à sua frente. Ela se mexeu, para o canto mais profundo dessa piscina, onde existe um sugadouro. O que será aquilo? Mas antes que ele possa pensar numa resposta, ele sente um puxão forte no tornozelo. No último instante, antes de ficar preso no sugadouro, ele tem a impressão de que um outro pássaro, provavelmente um pardal, acaba de cair na piscina.

Frase do dia