terça-feira, 31 de março de 2009
O pensamento da força
A força do pensamento
Vi na Internet as notícias sobre o robô japonês que é movido pelo pensamento. Às vezes, eu me sinto bem retrô, como os japoneses, que desde sempre amam a tecnologia, os desenhos animados, os dinossauros godzillas e os robôs. Todas aquelas crianças de olhos puxados do Oriente tomarão conta do mundo, em breve.
Ainda lembro do tempo em que eu queria saber japonês, aprender mandarim.
Diz a notícia : “técnica lê padrões das correntes elétricas pelo couro cabeludo da pessoa, bem como pelo fluxo sanguíneo cerebral; com isso, o equipamento identifica quatro movimentos simples: mover a mão direita, a esquerda, trotar e comer. A Honda conseguiu analisar tais padrões de pensamento e, em seguida, transmitir-lhes como comandos sem fios para o robô Asimo.”
Fico pensando: e se a máquina só lê pensamento de japonês? E se o meu pensamento disparar algum mecanismo de auto-destruição do robô? E se, por um erro de tradução, o robô começar a se coçar, feito um chimpanzé? E se eu pensar em japonês e o robô mover a mão com sotaque?
Já imaginaram uma máquina dessas em casa? Você nem precisaria abrir a boca. Robô, limpe tudo. Robô, traz uma gelada. Robô, vá passear com o cachorro. Caramba! Puro Jetsons-Akira.
Um piquenique na beira do abismo
Estamos nessa há muito tempo, mas só agora reparamos que as formigas já terminaram com os picles.
O declínio do império norte-americano
Sim, é um declive. Mas quem é que está por cima?
segunda-feira, 30 de março de 2009
Toca aquela, toca aquela!
Quase tudo na vida é metáfora. Como já disse o Fernando Pessoa, a gente finge tão completamente que aquilo acaba sendo aquilo mesmo. E uma das melhores metáforas da vida é aquela história do amigo músico. Todo mundo já teve ou tem um amigo que foi ou é músico, coitado, que numa época da vida acreditou em Papai Noel e também que seria possível viver de música.
Não estou sendo irônico, nem nada.
Isso aconteceu com um monte de amigas e amigos meus. Eles embarcaram nessa canoa e somente uns três ou quatro navegaram até o porto seguro dos mares da melodia. A maioria deu com os burros n’água. Outros desistiram antes da lama chegar até a canela, o que poupou alguns vexames bancários, mas deixou a vida dessas pessoas mais sem-graça. Ao menos para mim, que gostava de vê-los tocar e de cutucar mocinhas bonitas na platéia dizendo que era chapa dos músicos. Tudo muda. Sucesso não tem fórmula e as coisas que ficam ninguém sabe, até que ficam. De vez em quando alguns deles ainda tocam, chamam a gente para as apresentações. Mas eles estão ficando cada vez mais velhos e cheios de manias. E esquecidos também.
_Toca aquela! Toca aquela! – eu sempre pedia para os meus amigos músicos, ao final de uma apresentação. E quase sempre era uma música que eu gostava e que não tinha nada a ver com o repertório da moçada. Eles me olhavam com espanto, mas eu não me achava inconveniente.
Outra parte dos meus amigos que eram músicos tentou conciliar duas atividades até onde desse, a vida careta com a vida de artista da música. Esses sofreram mais tempo. Pois chega uma hora em que é preciso optar, ou se deslancha uma ou a outra atravanca. E o sofrimento decorre de se achar que se perdeu tempo precioso.
A verdade é que estamos sempre sob o dilema do diletantismo. Todo mundo quer fazer só o que gosta. Mas até mesmo o que se gosta às vezes torra “El saquito”, o que exige um esforço considerável para auto-superação.
Estou falando tudo isso porque não sei tocar nada, nem campainha. E isso já me gerou imensa frustração, até tentei aprender a tocar violão, uma época. Depois eu quis aprender a tocar bateria. Depois bongô, pandeiro e triângulo. Hoje sou metido a desenhista. Carrego um moleskine sketchbook para todo lugar. E em todo lugar, faço uma pausa para um rabisco qualquer. Puro exibicionismo, é verdade. Mas todo mundo tem orgulho do que faz.
É uma mania assumida, que durante anos sufoquei com rabiscos em guardanapos, nas costas de filipetas e na parte não impressa dos folhetos. Sempre rabisquei. Aí, quando me lembrava, carregava aquelas folhas xumbregas para casa, que num instante eram confundidas com o lixo que efetivamente eram e jogadas fora. Durante anos fiz ilustrações apressadas que acabaram numa lixeira de um prédio de apartamentos ou no cesto de papéis do carro. Tenho certeza de que fiz grandes desenhos, mas os meus principais críticos foram os roedores ou insetos cascudos.
Um dia eu decidi que iria guardar os desenhos. E para não desperdiçar os rabiscos e valorizar o que eu fizesse, o suporte teria que ser caro. Por isso escolhi os moleskines, que são adoráveis, mas custam uma fortuna. Apesar de usar caneta gel preta, nunca rascunho os desenhos. Eles têm que nascer limpos, prontos para o moleskine. Algum dia farei uma seleção, publico num outro blog, sei lá. Estão ali. Não jogo fora. Tenho orgulho deles. Tenho controle completo e absoluto sobre o que desenho nos cadernos.
_Por que você não desenha aquilo? – pergunta uma pessoa, quando eu mostro o meu moleskine.
_Aquilo eu não quero desenhar – eu explico. E digo também que sou um exibicionista pernóstico, que mostra os desenhos e desdenha a crítica.
_Ah, você não sabe, né? - desdenha a pessoa.
_Não, eu não quero desenhar aquilo - eu repito a mesma frase em outra ordem.
_Tenho um primo que sabe desenhar aquilo muito bem - volta a desdenhar a pessoa, com a mesma lógica.
_Então, pede pra ele - eu digo, sem pensar.
_Além de bom desenhista, meu primo também é muito educado - encerra a pessoa.
Eu desisti de tentar vencer batalhas verbais depois que um idiota quebrou o meu nariz só porque eu estava namorando a mesma garota que ele. De qualquer modo, só agora, depois de muitos moleskines preenchidos, é que eu entendo o olhar sobranceiro que o tocador de violão sempre me dava quando eu pedia uma música qualquer, fora do repertório.
_Posso desenhar aqui, paiê? – pergunta a minha filha de quatro anos, cada vez mais linda.
E para ela também digo não. Mas estendo uma folha em branco, mais pesada, que uso como mata-borrão, para que ela também desenhe com uma caneta gel. Os desenhos dela e também os do meu filho, guardo num envelope que os moleskines têm, na contracapa. No caderninho, todos os desenhos são meus.
Não estou sendo irônico, nem nada.
Isso aconteceu com um monte de amigas e amigos meus. Eles embarcaram nessa canoa e somente uns três ou quatro navegaram até o porto seguro dos mares da melodia. A maioria deu com os burros n’água. Outros desistiram antes da lama chegar até a canela, o que poupou alguns vexames bancários, mas deixou a vida dessas pessoas mais sem-graça. Ao menos para mim, que gostava de vê-los tocar e de cutucar mocinhas bonitas na platéia dizendo que era chapa dos músicos. Tudo muda. Sucesso não tem fórmula e as coisas que ficam ninguém sabe, até que ficam. De vez em quando alguns deles ainda tocam, chamam a gente para as apresentações. Mas eles estão ficando cada vez mais velhos e cheios de manias. E esquecidos também.
_Toca aquela! Toca aquela! – eu sempre pedia para os meus amigos músicos, ao final de uma apresentação. E quase sempre era uma música que eu gostava e que não tinha nada a ver com o repertório da moçada. Eles me olhavam com espanto, mas eu não me achava inconveniente.
Outra parte dos meus amigos que eram músicos tentou conciliar duas atividades até onde desse, a vida careta com a vida de artista da música. Esses sofreram mais tempo. Pois chega uma hora em que é preciso optar, ou se deslancha uma ou a outra atravanca. E o sofrimento decorre de se achar que se perdeu tempo precioso.
A verdade é que estamos sempre sob o dilema do diletantismo. Todo mundo quer fazer só o que gosta. Mas até mesmo o que se gosta às vezes torra “El saquito”, o que exige um esforço considerável para auto-superação.
Estou falando tudo isso porque não sei tocar nada, nem campainha. E isso já me gerou imensa frustração, até tentei aprender a tocar violão, uma época. Depois eu quis aprender a tocar bateria. Depois bongô, pandeiro e triângulo. Hoje sou metido a desenhista. Carrego um moleskine sketchbook para todo lugar. E em todo lugar, faço uma pausa para um rabisco qualquer. Puro exibicionismo, é verdade. Mas todo mundo tem orgulho do que faz.
É uma mania assumida, que durante anos sufoquei com rabiscos em guardanapos, nas costas de filipetas e na parte não impressa dos folhetos. Sempre rabisquei. Aí, quando me lembrava, carregava aquelas folhas xumbregas para casa, que num instante eram confundidas com o lixo que efetivamente eram e jogadas fora. Durante anos fiz ilustrações apressadas que acabaram numa lixeira de um prédio de apartamentos ou no cesto de papéis do carro. Tenho certeza de que fiz grandes desenhos, mas os meus principais críticos foram os roedores ou insetos cascudos.
Um dia eu decidi que iria guardar os desenhos. E para não desperdiçar os rabiscos e valorizar o que eu fizesse, o suporte teria que ser caro. Por isso escolhi os moleskines, que são adoráveis, mas custam uma fortuna. Apesar de usar caneta gel preta, nunca rascunho os desenhos. Eles têm que nascer limpos, prontos para o moleskine. Algum dia farei uma seleção, publico num outro blog, sei lá. Estão ali. Não jogo fora. Tenho orgulho deles. Tenho controle completo e absoluto sobre o que desenho nos cadernos.
_Por que você não desenha aquilo? – pergunta uma pessoa, quando eu mostro o meu moleskine.
_Aquilo eu não quero desenhar – eu explico. E digo também que sou um exibicionista pernóstico, que mostra os desenhos e desdenha a crítica.
_Ah, você não sabe, né? - desdenha a pessoa.
_Não, eu não quero desenhar aquilo - eu repito a mesma frase em outra ordem.
_Tenho um primo que sabe desenhar aquilo muito bem - volta a desdenhar a pessoa, com a mesma lógica.
_Então, pede pra ele - eu digo, sem pensar.
_Além de bom desenhista, meu primo também é muito educado - encerra a pessoa.
Eu desisti de tentar vencer batalhas verbais depois que um idiota quebrou o meu nariz só porque eu estava namorando a mesma garota que ele. De qualquer modo, só agora, depois de muitos moleskines preenchidos, é que eu entendo o olhar sobranceiro que o tocador de violão sempre me dava quando eu pedia uma música qualquer, fora do repertório.
_Posso desenhar aqui, paiê? – pergunta a minha filha de quatro anos, cada vez mais linda.
E para ela também digo não. Mas estendo uma folha em branco, mais pesada, que uso como mata-borrão, para que ela também desenhe com uma caneta gel. Os desenhos dela e também os do meu filho, guardo num envelope que os moleskines têm, na contracapa. No caderninho, todos os desenhos são meus.
sábado, 28 de março de 2009
As leis da ergonomia
Está impossível digitar nos últimos dias. A sala ainda está inconclusa. As paredes estão um pouco piores. Mas olhando com otimismo, falta pouco.
Olhando com pessimismo a visão é outra. Falta pouco para o meu colapso.
De qualquer modo, o meu assunto é ergonòmico. Sempre achei teclado de laptop a coisa mais chata do mundo para digitar. E como estou improvisando com um laptop montado próximo à saída do cabo de rede, que também é cabo da tv a cabo, estou me sentindo um pouco corcunda.
Tentei fazer diferente, rascunhando o texto no papel, mas é muito diferente. No papel fico preciosista, mais cuidadoso, não sei o motivo. E também fico sem ritmo. Tenho navegado um bocado. Opinado pouco. O mundo real anda tomando todo o meu tempo. Estamos nos habituando a espaços menores, aos poucos. E com a sala e a varanda em obras, nos refugiamos no quarto do primogenito, onde as duas crianças agora dormem.
Me dá um orgulho danado perceber que somos flexíveis, podemos suportar algum sacrifício com estoicismo. Ninguém se queixa e continuamos a levar a vida normalmente. Só não consigo ficar sem me queixar da posição horrorosa desse teclado.
Obrigado a todos pelas mensagens de incentivo. Em abril, acho que o Careca voltará com mais gás, digitando na varanda renovada.
Olhando com pessimismo a visão é outra. Falta pouco para o meu colapso.
De qualquer modo, o meu assunto é ergonòmico. Sempre achei teclado de laptop a coisa mais chata do mundo para digitar. E como estou improvisando com um laptop montado próximo à saída do cabo de rede, que também é cabo da tv a cabo, estou me sentindo um pouco corcunda.
Tentei fazer diferente, rascunhando o texto no papel, mas é muito diferente. No papel fico preciosista, mais cuidadoso, não sei o motivo. E também fico sem ritmo. Tenho navegado um bocado. Opinado pouco. O mundo real anda tomando todo o meu tempo. Estamos nos habituando a espaços menores, aos poucos. E com a sala e a varanda em obras, nos refugiamos no quarto do primogenito, onde as duas crianças agora dormem.
Me dá um orgulho danado perceber que somos flexíveis, podemos suportar algum sacrifício com estoicismo. Ninguém se queixa e continuamos a levar a vida normalmente. Só não consigo ficar sem me queixar da posição horrorosa desse teclado.
Obrigado a todos pelas mensagens de incentivo. Em abril, acho que o Careca voltará com mais gás, digitando na varanda renovada.
segunda-feira, 23 de março de 2009
Mais sobre a reforma
Pessoal, estamos sobrevivendo. A sala está com contrapiso novo. As paredes estão quebradas. Já consegui dominar a compulsão para o choro convulsivo. Mais umas semanas e estarei internado, digo, e tudo terá terminado.
sexta-feira, 20 de março de 2009
Mulher nunca dá passagem
Sou um cara que procura conviver razoavelmente bem com os outros seres humanos, respeitadas as devidas diferenças, sem apologias e sem desdém para o que é minoritário, para o que é de foro íntimo e para as diferenças no corpo-humano, da cor da pele ao número de membros inteiros. Não sou anti-gay, nem pró-boiola, estou mais para misantropo. Não sou anti-índio, nem pró-reserva, mas queria uma Lei do Índio melhor e uma Reforma Agrária bem-feita, inteligente.
Fora do contexto, com a mera observação de frases isoladas, como qualquer ser humano, sou aparentemente sexista. Como na frase “mulher ao volante nunca dá passagem”.
Tirante o fato de que isso é a mais pura verdade e que essa convicção está firmemente calcada na experiência do dia-a-dia, posso dizer, com tranqüilidade, que admiro e gosto muito da maioria das mulheres que conheço. No meio do balde, como em qualquer balde, existem algumas maçãs atrás do volante que não são muito boas, o que se há de fazer. Agora, não seja ingênuo ou melindrosa. Se você entrar na frente de uma mulher, acreditando que ela há de diminuir e dar passagem, esteja em dia com o seguro.
Toda essa longa introdução tem o objetivo maior de tecer comentários sobre dois palpitantes assuntos dessa semana, ó minha Kombi de leitores: a demarcação de terras na Raposa do Sol e o prêmio cultural pró-gay LGBT 2009 do Minc. A idéia do prêmio é reconhecer projetos que tenham contribuído para o combate à homofobia e para o aumento da visibilidade e da valorização do setor LGBT – clique no link :
Não acho legal usar recurso público para enfatizar e reforçar opção sexual e nem para combater homofobia ou agorafobia. Prêmio cultural é uma maneira bacana de dar dinheiro para os escritores, cineastas, poetas, jabazeiros e amigos sem grana que a gente gosta. Esse é um propósito nobre e para isso se constroem as networks, as igrejinhas e panelinhas. Mas é preciso disfarçar melhor a maneira como isso é feito. Até para motivar uma discussão mais inócua e elevada entre os intelectuais sobre critérios e outras filosofices.
Veja bem, um projeto que contribui para o combate à homofobia, como, por exemplo, hum, o filme “300” , é da maior validade. Só não acho que isso acrescente algo à minha parca e porca cultura. Também fico imaginando o Comitê de Avaliação de Projetos Inscritos para receber o prêmio. As discussões da tchurma.
_Meu querido, nunquinha que aquele projeto combateu a homofobia.
_Afe, não só combateu como até nocauteou a coitadinha.
_Não combateu.
_Combateu, combateu, combateu.
A mesma coisa vale para a reserva contínua de terras da Serra Raposa do Sol. Não acho legal que a terra da fronteira do MST seja distribuída para os arrozeiros. Por outro lado, os índios têm toda razão em querer ter um país só para eles. Mas para não perder território, deveríamos invadir algum país mais próximo do primeiro-mundo, senão jamais chegaremos lá.
Para encerrar, devo dizer que acredito que aqui se faz, aqui se paga. E nem quero aqui começar a acreditar em duendes e fadinhas após denunciar esse terrível hábito do mulherio em recusar a passagem no trânsito em qualquer lugar desse país. Existem exceções que confirmam a regra, é claro, mas elas estão concorrendo ao prêmio do MinC.
Ouvi dizer que na Argentina é diferente, mas mente-se muito sobre a Argentina e suas mulheres. E lá, o que é diferente, costuma ser pior. Maradona, por exemplo, é um Rivelino mais baixinho e sem bigode. Agora, na Espanha e nos EUA, eu sei que a regra brasileira é super-válida: mulher também não dá passagem.
Reforma do Apê do Careca: Apesar da extraordinária audiência desse blog, são tantos e tantos e-mails que só consigo responder a dois ou três, quero agradecer de público as centenas de mensagens que tenho recebido de empresas fantasmas e golpistas me oferecendo apoio, incentivo e pedindo dinheiro. Valeu!
Fora do contexto, com a mera observação de frases isoladas, como qualquer ser humano, sou aparentemente sexista. Como na frase “mulher ao volante nunca dá passagem”.
Tirante o fato de que isso é a mais pura verdade e que essa convicção está firmemente calcada na experiência do dia-a-dia, posso dizer, com tranqüilidade, que admiro e gosto muito da maioria das mulheres que conheço. No meio do balde, como em qualquer balde, existem algumas maçãs atrás do volante que não são muito boas, o que se há de fazer. Agora, não seja ingênuo ou melindrosa. Se você entrar na frente de uma mulher, acreditando que ela há de diminuir e dar passagem, esteja em dia com o seguro.
Toda essa longa introdução tem o objetivo maior de tecer comentários sobre dois palpitantes assuntos dessa semana, ó minha Kombi de leitores: a demarcação de terras na Raposa do Sol e o prêmio cultural pró-gay LGBT 2009 do Minc. A idéia do prêmio é reconhecer projetos que tenham contribuído para o combate à homofobia e para o aumento da visibilidade e da valorização do setor LGBT – clique no link :
Não acho legal usar recurso público para enfatizar e reforçar opção sexual e nem para combater homofobia ou agorafobia. Prêmio cultural é uma maneira bacana de dar dinheiro para os escritores, cineastas, poetas, jabazeiros e amigos sem grana que a gente gosta. Esse é um propósito nobre e para isso se constroem as networks, as igrejinhas e panelinhas. Mas é preciso disfarçar melhor a maneira como isso é feito. Até para motivar uma discussão mais inócua e elevada entre os intelectuais sobre critérios e outras filosofices.
Veja bem, um projeto que contribui para o combate à homofobia, como, por exemplo, hum, o filme “300” , é da maior validade. Só não acho que isso acrescente algo à minha parca e porca cultura. Também fico imaginando o Comitê de Avaliação de Projetos Inscritos para receber o prêmio. As discussões da tchurma.
_Meu querido, nunquinha que aquele projeto combateu a homofobia.
_Afe, não só combateu como até nocauteou a coitadinha.
_Não combateu.
_Combateu, combateu, combateu.
A mesma coisa vale para a reserva contínua de terras da Serra Raposa do Sol. Não acho legal que a terra da fronteira do MST seja distribuída para os arrozeiros. Por outro lado, os índios têm toda razão em querer ter um país só para eles. Mas para não perder território, deveríamos invadir algum país mais próximo do primeiro-mundo, senão jamais chegaremos lá.
Para encerrar, devo dizer que acredito que aqui se faz, aqui se paga. E nem quero aqui começar a acreditar em duendes e fadinhas após denunciar esse terrível hábito do mulherio em recusar a passagem no trânsito em qualquer lugar desse país. Existem exceções que confirmam a regra, é claro, mas elas estão concorrendo ao prêmio do MinC.
Ouvi dizer que na Argentina é diferente, mas mente-se muito sobre a Argentina e suas mulheres. E lá, o que é diferente, costuma ser pior. Maradona, por exemplo, é um Rivelino mais baixinho e sem bigode. Agora, na Espanha e nos EUA, eu sei que a regra brasileira é super-válida: mulher também não dá passagem.
Reforma do Apê do Careca: Apesar da extraordinária audiência desse blog, são tantos e tantos e-mails que só consigo responder a dois ou três, quero agradecer de público as centenas de mensagens que tenho recebido de empresas fantasmas e golpistas me oferecendo apoio, incentivo e pedindo dinheiro. Valeu!
quinta-feira, 19 de março de 2009
Quase preso no elevador com a Franka
Eu quase fiquei preso no elevador ao lado do elevador da Franka, no meio daquela confusão de enchentes e apagões, em São Paulo. Eu tinha ido até o prédio onde a Franka divide uma sala com uma colega dela, que é arquiteta. Era uma visita surpresa. A gente nunca se viu pessoalmente. Só vi a Franka em fotos tarjadas. E a única foto minha que a Franka já viu é essa que enfeita o meu blog. O Careca sem rosto. Ia ser uma grande surpresa ver a Franka sem tarja. Aposto que ela também ficaria surpresa ao descobrir que eu tenho um rosto parecido com a foto do meu blog, meio apagado.
A Franka trabalha num prédio super-chique. A sala da Franka fica num dos últimos andares, lá em cima. Toquei campainha, não veio ninguém atender. Presumi que não tinha ninguém. Ou então a Franka olhou para o careca pela tela de vigilância e fingiu que não tinha ninguém na sala. Ou então ela estava no banheiro e não podia atender. Ou então ela havia descido para tomar um café. Achei que essa era uma boa alternativa. A Franka adora tomar café, ela vive escrevendo sobre café e no blog dela deveria ter pelo menos umas três propagandas de café. Mas o empresariado nacional não acredita em publicidade fora da TV. Aliás, o empresariado nacional é muito cético.
Resolvi descer para ver se encontrava a Franka lá no café do prédio. É um café com nome engraçado, porque no prédio tem muito analista e psiquiatra. Chama Pirado´s, Maluco´s, Crazy´s, Cuccoo´s, Louco´s, uma coisa assim. Fui para a frente dos elevadores e quase consegui entrar no elevador. Mas ele estava super-lotado. Um cara de 120 quilos e uma mulher de óculos escuros com um cão-guia dentro do elevador. Ainda bem que não entrei no elevador, porque em seguida acabou a luz. Pfuuu. Ficou um breu só. Eu não enxergava a ponta do meu próprio nariz. Até porque não gosto de olhar a ponta do nariz. Fico vesgo um tempão.
Fiquei quieto, no escuro, vendo o tempo passar. Pensei num monte de coisas. No escuro, eu penso muito. Eu sou um cara prudente quando a luz some. Na verdade, eu tenho tanta prudência de medo de dar topada no meu dedão de unha encravada. Fico imóvel no escuro, automaticamente. É o contrário da barata. Barata, quando você acende a luz, corre logo para o canto escuro. Eu, quando apaga a luz, fico quietinho, quietinho, protegendo o meu dedão do pé, procurando luz.
Aí escutei um barulho danado. No escuro eu escuto menos, fico meio surdo. Então devia ser um escândalo horroroso. Pessoas batiam nas paredes do elevador. Gritavam por socorro, um desespero só.
_Caramba! – eu pensei. Será que a Franka está presa no elevador? Com um cão-guia e um sujeito de 120 quilos. Coitada! Isso é de enlouquecer!! E se o cara quiser ir no banheiro? E se o cachorro quiser ir no banheiro? E se a mulher de óculos escuros achar que já chegou ao banheiro por causa dos dois?
Mas aí escutei umas pancadas mais leves, uma vozinha lá embaixo e era a voz da Franka. Só podia ser.
- Eeevertooon? – gritou a vozinha.
- É, sou eu - disse o porteiro - quem tá ai?
- A Lúúúcia, Everton.
- Oiii dona Luúúcia - disse o porteiro
- Ah! É a senhora que tá presa ai, é?
- Sou eu Everton - disse a vozinha, toda feliz.
- Calmaí dona Lúcia, que o Ricardo vai tirar a senhora dai, dona Lúcia.
Procurei as escadas e desci, lentamente, quatrocentos e quarenta e oito degraus e meio até o térreo. Demorei mais do que pensei, devido à minha prudência com o dedão do pé e também porque estava escuro. Quando estava chegando perto do térreo a luz voltou . Cruzei com um sujeito esquisito que falava ao celular sobre ter ficado preso com uma mulher que não parava de falar.
_Frankamente, eu pensei. Só pode ser a Lúcia Carvalho!
Apressei o passo e encontrei o porteiro do prédio, o Éverton. O elevador acabava de fechar as portas.
_Cadê a Dona Lúcia? – eu perguntei para o Éverton.
_Tomou um café e acabou de subir.
_Putz, ela não ficou com medo de ficar presa no elevador, de novo?
_Ela disse que duvidava que o elevador ficasse preso duas vezes no mesmo dia.
_Que loucura! – eu disse.
_Ela é assim mesmo – disse o Éverton, balançando a cabeça e rindo.
Esperei os elevadores um tempão, mas eles não voltavam. Ficavam brincando de subir e descer, longe do térreo. Olhei para as escadas, mas o meu dedão do pé já estava latejando. Resolvi deixar para a próxima.
(Gente, isso é mentira, claro. Só vou a São Paulo pra pagar promessa. É que achei a crônica da Franka tão engraçada que fiz uma paralela. Confira “presa no elevador”, lá no blog dela)
A Franka trabalha num prédio super-chique. A sala da Franka fica num dos últimos andares, lá em cima. Toquei campainha, não veio ninguém atender. Presumi que não tinha ninguém. Ou então a Franka olhou para o careca pela tela de vigilância e fingiu que não tinha ninguém na sala. Ou então ela estava no banheiro e não podia atender. Ou então ela havia descido para tomar um café. Achei que essa era uma boa alternativa. A Franka adora tomar café, ela vive escrevendo sobre café e no blog dela deveria ter pelo menos umas três propagandas de café. Mas o empresariado nacional não acredita em publicidade fora da TV. Aliás, o empresariado nacional é muito cético.
Resolvi descer para ver se encontrava a Franka lá no café do prédio. É um café com nome engraçado, porque no prédio tem muito analista e psiquiatra. Chama Pirado´s, Maluco´s, Crazy´s, Cuccoo´s, Louco´s, uma coisa assim. Fui para a frente dos elevadores e quase consegui entrar no elevador. Mas ele estava super-lotado. Um cara de 120 quilos e uma mulher de óculos escuros com um cão-guia dentro do elevador. Ainda bem que não entrei no elevador, porque em seguida acabou a luz. Pfuuu. Ficou um breu só. Eu não enxergava a ponta do meu próprio nariz. Até porque não gosto de olhar a ponta do nariz. Fico vesgo um tempão.
Fiquei quieto, no escuro, vendo o tempo passar. Pensei num monte de coisas. No escuro, eu penso muito. Eu sou um cara prudente quando a luz some. Na verdade, eu tenho tanta prudência de medo de dar topada no meu dedão de unha encravada. Fico imóvel no escuro, automaticamente. É o contrário da barata. Barata, quando você acende a luz, corre logo para o canto escuro. Eu, quando apaga a luz, fico quietinho, quietinho, protegendo o meu dedão do pé, procurando luz.
Aí escutei um barulho danado. No escuro eu escuto menos, fico meio surdo. Então devia ser um escândalo horroroso. Pessoas batiam nas paredes do elevador. Gritavam por socorro, um desespero só.
_Caramba! – eu pensei. Será que a Franka está presa no elevador? Com um cão-guia e um sujeito de 120 quilos. Coitada! Isso é de enlouquecer!! E se o cara quiser ir no banheiro? E se o cachorro quiser ir no banheiro? E se a mulher de óculos escuros achar que já chegou ao banheiro por causa dos dois?
Mas aí escutei umas pancadas mais leves, uma vozinha lá embaixo e era a voz da Franka. Só podia ser.
- Eeevertooon? – gritou a vozinha.
- É, sou eu - disse o porteiro - quem tá ai?
- A Lúúúcia, Everton.
- Oiii dona Luúúcia - disse o porteiro
- Ah! É a senhora que tá presa ai, é?
- Sou eu Everton - disse a vozinha, toda feliz.
- Calmaí dona Lúcia, que o Ricardo vai tirar a senhora dai, dona Lúcia.
Procurei as escadas e desci, lentamente, quatrocentos e quarenta e oito degraus e meio até o térreo. Demorei mais do que pensei, devido à minha prudência com o dedão do pé e também porque estava escuro. Quando estava chegando perto do térreo a luz voltou . Cruzei com um sujeito esquisito que falava ao celular sobre ter ficado preso com uma mulher que não parava de falar.
_Frankamente, eu pensei. Só pode ser a Lúcia Carvalho!
Apressei o passo e encontrei o porteiro do prédio, o Éverton. O elevador acabava de fechar as portas.
_Cadê a Dona Lúcia? – eu perguntei para o Éverton.
_Tomou um café e acabou de subir.
_Putz, ela não ficou com medo de ficar presa no elevador, de novo?
_Ela disse que duvidava que o elevador ficasse preso duas vezes no mesmo dia.
_Que loucura! – eu disse.
_Ela é assim mesmo – disse o Éverton, balançando a cabeça e rindo.
Esperei os elevadores um tempão, mas eles não voltavam. Ficavam brincando de subir e descer, longe do térreo. Olhei para as escadas, mas o meu dedão do pé já estava latejando. Resolvi deixar para a próxima.
(Gente, isso é mentira, claro. Só vou a São Paulo pra pagar promessa. É que achei a crônica da Franka tão engraçada que fiz uma paralela. Confira “presa no elevador”, lá no blog dela)
terça-feira, 17 de março de 2009
Reforma no apê do Careca
Pessoal, por causa daquela prometida reforma no piso da sala e da varanda onde fica o computador, minha internet ficará precária. Meu mau humor aumentará. Caramba, o que estou fazendo?????
O mais importante ensinamento do mundo
Eu não estou sempre prestando atenção ao que as crianças assistem na TV. Eu digo que me preocupo muito com a educação delas, mas a verdade é que sou meio relapso. Sei que a TV deseduca à beça, mas também me esparramo na frente de uma, de vez quando. Uma das minhas principais preocupações deveria ser manter as crianças a uma distância razoável da TV. Embora em dia de chuva isso seja impossível. E também seja difícil calcular a distância razoável da TV. Uma hora? Duas horas? Varia. Mas eu deveria tentar. Minha mulher se preocupa e tenta mais do que eu.
Mas outro dia eu reparei na TV. Vi um episódio de um programa com um parquinho e um monte de meninos e meninas. O programa, só com as crianças, foi bem por trinta segundos. Até aparecer um imbecil vestido de dinossauro roxo. No início, achei que o tipo tinha um problema nas garras superiores. Aí olhei direito e percebi que o Dino era um TRex. Roxo e com bolinhas, mas um TRex. Com a entrada desse bicho a coisa imediatamente descambou rapidamente para a chatice melancólica. As crianças ficaram robotizadas. A dublagem só aumentava a impressão de que o grupo de crianças, cada uma representando uma etnia da América cosmopolita da TV, eram seres teleguiados com a missão de abduzir a liberdade e a imaginação da criançada.
_Barney! – gritavam as crianças para o monstro com cara de bobo.
É estranho como a TV não mostra adultos interagindo normalmente com crianças. Temos sempre que ver um adulto infantilizado ou parecendo idiota tentando passar conceitos e conselhos com músicas, danças, acrobacias e salamaleques. A TV metida a educativa coloca nariz de palhaço no adulto. O extremo oposto é o Cartoon Network, o canal de desenhos que trata todos os adultos como idiotas e todas as crianças como detentoras de superpoderes pegajosos, desagradáveis e nojentos. No meio do caminho, temos crianças efetivamente super-dotadas que agem naturalmente como adultos. Aí a coisa inverte. Sempre me sinto um idiota vendo essas meninas e meninos-prodígio.
Essas crianças da TV me deixavam com inveja quando eu era criança. Eu só não invejava o Jái, um menino mexicano e improvável amigo de um Tarzan que passava à tarde, na TV. Michael J. Fox me deixava espumando de inveja quando eu era adolescente. Felizmente arrumei um emprego à noite, o que me livrou do vício de ver TV à noite e de traumas maiores.
Mas durante muitos anos tive inveja de Will Robinson. Ele tinha um robô legal, morava numa nave espacial e se encontrava com alienígenas a cada episódio. Além disso, não parecia se preocupar com dever de casa ou coisa alguma. Ele era um náufrago espacial. Enquanto o resto da família se preocupava com a sobrevivência, Will tratava de explorar os mundos esquisitos onde a nave sempre caía. Will era um aventureiro e parecia um menino de verdade. Mas era um menino solitário num espaço de adultos. Will raramente interagia com outros meninos, que teriam que ser meninos-aliens. Todo mundo era mais velho que o Will. A única pedra no sapato do Will era o Sr. Smith...
Às vezes sou como os índios que tinham medo de perder a alma tirando uma fotografia. Tenho medo de rever os episódios de Perdidos no Espaço com os olhos de adulto e de perder assim, parte da minha juventude.
Bah! Existe também uma lógica educativa nos programas de TV que eu detesto. A primeira dessas lógicas é a que prega a extrema não-violência Mané-Gandhi-Luther-King. Consiste em não revidar agressões. Sou a favor da não-violência e sempre digo para os meninos não puxarem briga. Porém digo para descerem o braço, com força e onde dói, em quem agredi-los. E também digo para gritar e reclamar quando doer. Sofrer em silêncio é ruim pra danar. Por isso digo para gritar alto sempre que estiver sofrendo. E digo que correr de um agressor maior e mais forte é uma sábia decisão. É covarde um burro que preserva os dentes?
Procuro dizer o óbvio. É ruim ser mau, desonesto e mentiroso. Ninguém gosta de gente má. Ninguém confia no desonesto e nem acredita em quem mente. É melhor ser bom, honesto e dizer a verdade. Ou então ficar calado. Ser dedo-duro é uma das piores coisas do mundo. Existem e acontecem coisas injustas e justas, o tempo todo. Ninguém é só do bem. Por outro lado, quem é do mal não se lembra que tem um pedaço bom. Amizade e respeito são muito importantes. Faça bons amigos e amigas. Quem não é bom com os bichos em geral é cruel com as pessoas. Não seja cruel. Não deixe ninguém bater em você. Grite. Corra. Revide, mas não haja com covardia. Cuidado onde pisa. Não se apóie em vidro. Não beba água da torneira ou do chuveiro. E, acima de tudo, o melhor e mais importante ensinamento de todos, que me foi passado pela minha avó e que eu, generosamente, divido com todos vocês, ó minha kombi de leitores: ninguém faz cocô quadrado.
Mas outro dia eu reparei na TV. Vi um episódio de um programa com um parquinho e um monte de meninos e meninas. O programa, só com as crianças, foi bem por trinta segundos. Até aparecer um imbecil vestido de dinossauro roxo. No início, achei que o tipo tinha um problema nas garras superiores. Aí olhei direito e percebi que o Dino era um TRex. Roxo e com bolinhas, mas um TRex. Com a entrada desse bicho a coisa imediatamente descambou rapidamente para a chatice melancólica. As crianças ficaram robotizadas. A dublagem só aumentava a impressão de que o grupo de crianças, cada uma representando uma etnia da América cosmopolita da TV, eram seres teleguiados com a missão de abduzir a liberdade e a imaginação da criançada.
_Barney! – gritavam as crianças para o monstro com cara de bobo.
É estranho como a TV não mostra adultos interagindo normalmente com crianças. Temos sempre que ver um adulto infantilizado ou parecendo idiota tentando passar conceitos e conselhos com músicas, danças, acrobacias e salamaleques. A TV metida a educativa coloca nariz de palhaço no adulto. O extremo oposto é o Cartoon Network, o canal de desenhos que trata todos os adultos como idiotas e todas as crianças como detentoras de superpoderes pegajosos, desagradáveis e nojentos. No meio do caminho, temos crianças efetivamente super-dotadas que agem naturalmente como adultos. Aí a coisa inverte. Sempre me sinto um idiota vendo essas meninas e meninos-prodígio.
Essas crianças da TV me deixavam com inveja quando eu era criança. Eu só não invejava o Jái, um menino mexicano e improvável amigo de um Tarzan que passava à tarde, na TV. Michael J. Fox me deixava espumando de inveja quando eu era adolescente. Felizmente arrumei um emprego à noite, o que me livrou do vício de ver TV à noite e de traumas maiores.
Mas durante muitos anos tive inveja de Will Robinson. Ele tinha um robô legal, morava numa nave espacial e se encontrava com alienígenas a cada episódio. Além disso, não parecia se preocupar com dever de casa ou coisa alguma. Ele era um náufrago espacial. Enquanto o resto da família se preocupava com a sobrevivência, Will tratava de explorar os mundos esquisitos onde a nave sempre caía. Will era um aventureiro e parecia um menino de verdade. Mas era um menino solitário num espaço de adultos. Will raramente interagia com outros meninos, que teriam que ser meninos-aliens. Todo mundo era mais velho que o Will. A única pedra no sapato do Will era o Sr. Smith...
Às vezes sou como os índios que tinham medo de perder a alma tirando uma fotografia. Tenho medo de rever os episódios de Perdidos no Espaço com os olhos de adulto e de perder assim, parte da minha juventude.
Bah! Existe também uma lógica educativa nos programas de TV que eu detesto. A primeira dessas lógicas é a que prega a extrema não-violência Mané-Gandhi-Luther-King. Consiste em não revidar agressões. Sou a favor da não-violência e sempre digo para os meninos não puxarem briga. Porém digo para descerem o braço, com força e onde dói, em quem agredi-los. E também digo para gritar e reclamar quando doer. Sofrer em silêncio é ruim pra danar. Por isso digo para gritar alto sempre que estiver sofrendo. E digo que correr de um agressor maior e mais forte é uma sábia decisão. É covarde um burro que preserva os dentes?
Procuro dizer o óbvio. É ruim ser mau, desonesto e mentiroso. Ninguém gosta de gente má. Ninguém confia no desonesto e nem acredita em quem mente. É melhor ser bom, honesto e dizer a verdade. Ou então ficar calado. Ser dedo-duro é uma das piores coisas do mundo. Existem e acontecem coisas injustas e justas, o tempo todo. Ninguém é só do bem. Por outro lado, quem é do mal não se lembra que tem um pedaço bom. Amizade e respeito são muito importantes. Faça bons amigos e amigas. Quem não é bom com os bichos em geral é cruel com as pessoas. Não seja cruel. Não deixe ninguém bater em você. Grite. Corra. Revide, mas não haja com covardia. Cuidado onde pisa. Não se apóie em vidro. Não beba água da torneira ou do chuveiro. E, acima de tudo, o melhor e mais importante ensinamento de todos, que me foi passado pela minha avó e que eu, generosamente, divido com todos vocês, ó minha kombi de leitores: ninguém faz cocô quadrado.
segunda-feira, 16 de março de 2009
War
Houve uma época, nessa cidade, em que ninguém jantava. Todo mundo comia pão, queijo e presunto. Quando muito, tomava-se uma sopa leve. Ninguém queria saber de jantar. Fazia um calor danado e nem ventilador era fácil de achar. Um ou outro tinha um enorme, gigantesco e barulhento aparelho de ar condicionado.
Todo mundo fazia quase as mesmas coisas. Domingo era dia de frango de televisão de cachorro. Ou então lasanha, no capricho. Em ocasiões muito especiais, comia-se um strogonoff. Clube no final de semana. Novela todas as noites. Domingo de manhã ou à noitinha, na Igreja. Sábado era dia livre. Nós jogávamos futebol. Ping-pong. Porrinha. Caxangá. Capoeira. Beti(uma espécie de beiseball brasiliense, com tacos de cabos de vassoura e latinhas). E futebol. Muito futebol. E War. Tinha também Detetive, Banco Imobiliário, senha e gamão.
War era infalível. Fazíamos mega torneios de War. As partidas eram intermináveis. Erguíamos pilhas gigantescas de pedrinhas vermelhas, disputadas ardorosamente com dados semi-viciados. Depois, quando voltávamos para casa, havia os Trapalhões na TV. Em seguida, um desenho da Lula-lé-lé, do Bionicão, do Elefantástico, e depois, é Fantástico.
Durante um semestre inteiro, nós jogamos War. Quem ganhou o campeonato foi um cara que apelidamos de Senhorita Piggie (Muppet Show ). Eu fiquei em segundo e o Sumbrái ficou em terceiro. Ou o Sumbrái ficou em segundo e eu fiquei em terceiro. Não importa. Eu queria ter ganhado. Lembro que decidimos encerrar o torneio antes do programado por causa de televisão. Alguma coisa nova ia estrear. Naquela época a TV era imbatível. Talvez fosse a abertura do Fantástico, com mulheres semi-nuas pulando de uma canto para outro. Não lembro mais.
Aos domingos, à noite, até hoje, prefiro comer pão, queijo e presunto. Quando muito, aceito uma sopa leve.
Todo mundo fazia quase as mesmas coisas. Domingo era dia de frango de televisão de cachorro. Ou então lasanha, no capricho. Em ocasiões muito especiais, comia-se um strogonoff. Clube no final de semana. Novela todas as noites. Domingo de manhã ou à noitinha, na Igreja. Sábado era dia livre. Nós jogávamos futebol. Ping-pong. Porrinha. Caxangá. Capoeira. Beti(uma espécie de beiseball brasiliense, com tacos de cabos de vassoura e latinhas). E futebol. Muito futebol. E War. Tinha também Detetive, Banco Imobiliário, senha e gamão.
War era infalível. Fazíamos mega torneios de War. As partidas eram intermináveis. Erguíamos pilhas gigantescas de pedrinhas vermelhas, disputadas ardorosamente com dados semi-viciados. Depois, quando voltávamos para casa, havia os Trapalhões na TV. Em seguida, um desenho da Lula-lé-lé, do Bionicão, do Elefantástico, e depois, é Fantástico.
Durante um semestre inteiro, nós jogamos War. Quem ganhou o campeonato foi um cara que apelidamos de Senhorita Piggie (Muppet Show ). Eu fiquei em segundo e o Sumbrái ficou em terceiro. Ou o Sumbrái ficou em segundo e eu fiquei em terceiro. Não importa. Eu queria ter ganhado. Lembro que decidimos encerrar o torneio antes do programado por causa de televisão. Alguma coisa nova ia estrear. Naquela época a TV era imbatível. Talvez fosse a abertura do Fantástico, com mulheres semi-nuas pulando de uma canto para outro. Não lembro mais.
Aos domingos, à noite, até hoje, prefiro comer pão, queijo e presunto. Quando muito, aceito uma sopa leve.
domingo, 15 de março de 2009
Menos não é mais
Desconfie de quem diz que menos é mais
Desconfie de quem jura que em outro lugar é melhor
Duvide de quem garante que em outros tempos
Tudo era mais simples
Menos é menos
Outro lugar é sempre distante daqui
Sempre foi complicado tirar a raiz, dividir e subtrair
A tua parte, a merecida, mal lhe cabe no peito
Resta só um pequeno bocado
Corre a respirar direito
Quando encontrar fôlego
Desconfie
Menos não é mais
E é sempre pouco
Desconfie de quem jura que em outro lugar é melhor
Duvide de quem garante que em outros tempos
Tudo era mais simples
Menos é menos
Outro lugar é sempre distante daqui
Sempre foi complicado tirar a raiz, dividir e subtrair
A tua parte, a merecida, mal lhe cabe no peito
Resta só um pequeno bocado
Corre a respirar direito
Quando encontrar fôlego
Desconfie
Menos não é mais
E é sempre pouco
sábado, 14 de março de 2009
Em artigo, Vaticano critica excomunhão
"Antes de pensar em excomunhões seria necessário e urgente salvaguardar sua vida inocente, devolvendo a ela um nível de humanidade", disse o presidente da Pontifícia Academia para a Vida, monsenhor Salvatore Rino Fisichella, em artigo publicado pelo jornal vaticano L'Osservatore Romano com data de domingo, 15/3.
Leia tudo aqui.
Leia tudo aqui.
sexta-feira, 13 de março de 2009
A minha modesta opinião sobre aquela excomunhão
_Santuário! Santuário!
Foi lendo “O Corcunda de Notre Dame”, de Victor Hugo, que pela primeira vez ouvi na minha mente o grito dessa expressão. Fiquei vivamente impressionado. Aos perseguidos que conseguissem chegar à porta da Igreja de Notre Dame, toda a proteção era concedida e assegurada.
O mais impressionante não era o fato da Igreja sempre abrir as portas aos que buscassem ali a proteção. O que mais me impressionava era o respeito geral à regra do Santuário. Eu era um menino crédulo e cheio de imaginação. Para mim, tudo era possível, inclusive voar com uma turbina de foguete amarrada às costas.
Santuário era uma espécie de campo de força imaginário. Quem invocasse Santuário não poderia ser agredido. Ninguém se atrevia a quebrar a regra. A fúria da Igreja seria terrível. Não era somente o fogo dos infernos que se temia, mas também o fabuloso poder temporal da Igreja. A extraordinária capacidade de mover reis, exércitos e armas que as catedrais já possuíram.
Esse poder, essa capacidade ainda está entranhada nas nossas cidades e em nossos corações e mentes. Ainda hoje, nos locais de ajuntamentos de gente, nos cenários que montamos para nossas novelas, ficam as praças das Igrejas, as prefeituras e câmaras, um quartel/cadeia, um boteco, uma quitanda e uma pensão.
Fez parte da minha formação, é parte da minha cultura, ter o calendário tomado pelos números da quaresma, pelas efemérides do Evangelho e pelas abstinências e comedimentos ditados pelas regras da Igreja. Coisa boa e elementar, que sempre me deu a sensação de pertencimento, de comunidade, de grupo e família.
O calendário da Igreja sempre teve lugar de destaque nas paredes da cozinha, na casa da minha avó, das minhas tias, da minha mãe. Folhinha sempre teve santo, santa, ainda que lá embaixo tivesse escrito que foi o armazém de fulano que pagou a impressão, tenha piedade, compre lá. E na minha cabeça, o meu calendário ainda é o da infância, igual ao que havia na casa da minha avó, do lado do quadro grande, que tinha um Cristo com o coração em chamas, no peito.
Aí acontece a história da menina. A excomunhão da mãe da menina, dos médicos. E todo mundo começa a dar palpite. O governo deu palpite. O presidente, os ministros e os políticos deram palpite. Os médicos deram palpite. Os advogados deram palpite. Os economistas palpitaram. Outros religiosos de outras religiões deram palpite. Até jogador de futebol deu palpite. E eu acho ótimo poder dar palpite. As regras do direito, do civil e do canônico,foram perfiladas e um monte de especialistas e leigos começaram a discutir os preceitos e teses do que é superior e inferior, do que é sagrado e inalienável, do direito à vida e do direito à saúde. Mas faltou alguma coisa.
Acho que faltou ali um grito de santuário. Também faltou santo. Faltou aparecer alguém ou alguma coisa que inspirasse a sensação de que para aquela menina, haveria esperança, amparo e proteção. Mas não vi nada disso. Aliás, cada vez se vê menos santuário. Tudo parece cada vez mais desesperado, desamparado e desprotegido.
Tudo o que vi foram homens muito certos de que estão certos querendo fazer valer suas opiniões de certitudes.
E talvez até o erro esteja em mim, que estou querendo ver coisas boas demais e isso não seja mais possível. Talvez seja só eu, que ainda quero acreditar em anjos que voam com foguetes amarrados nas costas. Talvez seja um problema meu, que ainda olho para uma foto do Papa João Paulo II e num instante consigo pensar na resistência ao nazismo, na Polônia, no perdão ao homem que tentou matá-lo a tiros, no beijo numa criança na África ou no chão de um aeroporto. Da multidão cantando "a benção João de Deus". E era mesmo, eu sentia. JP II foi o Papa que disse durezas, que reafirmou os princípios e manteve as rédeas curtas, mas que também era valente em sua fé, era um santuário vivo.
Desse outro novo Papa, confesso que não sei de quase nada. É o líder da Igreja. E essa Igreja tem um bispo que se impacienta rapidamente com perguntas e brada a censura da excomunhão à mãe de uma vítima da violência. A mesma Igreja que apenas, se tanto, puxa as orelhas dos pedófilos de batina, dos loucos que negam o holocausto.
João de Deus, quero acreditar, teria dado um jeito de, primeiro, ficar ao lado das vítimas, mãe e filha. Talvez fosse esse o Santuário que eu quisera ter visto. Um Santuário que sempre fizesse questão de manter as portas abertas. Que significasse, antes de tudo, refúgio, ainda que provisório.
Mas acho que isso não existe mais. E também não se escrevem mais romances como Victor Hugo. Santuário acabou. Talvez nunca tenha existido de verdade.
Ou talvez eu esteja enganado.
Foi lendo “O Corcunda de Notre Dame”, de Victor Hugo, que pela primeira vez ouvi na minha mente o grito dessa expressão. Fiquei vivamente impressionado. Aos perseguidos que conseguissem chegar à porta da Igreja de Notre Dame, toda a proteção era concedida e assegurada.
O mais impressionante não era o fato da Igreja sempre abrir as portas aos que buscassem ali a proteção. O que mais me impressionava era o respeito geral à regra do Santuário. Eu era um menino crédulo e cheio de imaginação. Para mim, tudo era possível, inclusive voar com uma turbina de foguete amarrada às costas.
Santuário era uma espécie de campo de força imaginário. Quem invocasse Santuário não poderia ser agredido. Ninguém se atrevia a quebrar a regra. A fúria da Igreja seria terrível. Não era somente o fogo dos infernos que se temia, mas também o fabuloso poder temporal da Igreja. A extraordinária capacidade de mover reis, exércitos e armas que as catedrais já possuíram.
Esse poder, essa capacidade ainda está entranhada nas nossas cidades e em nossos corações e mentes. Ainda hoje, nos locais de ajuntamentos de gente, nos cenários que montamos para nossas novelas, ficam as praças das Igrejas, as prefeituras e câmaras, um quartel/cadeia, um boteco, uma quitanda e uma pensão.
Fez parte da minha formação, é parte da minha cultura, ter o calendário tomado pelos números da quaresma, pelas efemérides do Evangelho e pelas abstinências e comedimentos ditados pelas regras da Igreja. Coisa boa e elementar, que sempre me deu a sensação de pertencimento, de comunidade, de grupo e família.
O calendário da Igreja sempre teve lugar de destaque nas paredes da cozinha, na casa da minha avó, das minhas tias, da minha mãe. Folhinha sempre teve santo, santa, ainda que lá embaixo tivesse escrito que foi o armazém de fulano que pagou a impressão, tenha piedade, compre lá. E na minha cabeça, o meu calendário ainda é o da infância, igual ao que havia na casa da minha avó, do lado do quadro grande, que tinha um Cristo com o coração em chamas, no peito.
Aí acontece a história da menina. A excomunhão da mãe da menina, dos médicos. E todo mundo começa a dar palpite. O governo deu palpite. O presidente, os ministros e os políticos deram palpite. Os médicos deram palpite. Os advogados deram palpite. Os economistas palpitaram. Outros religiosos de outras religiões deram palpite. Até jogador de futebol deu palpite. E eu acho ótimo poder dar palpite. As regras do direito, do civil e do canônico,foram perfiladas e um monte de especialistas e leigos começaram a discutir os preceitos e teses do que é superior e inferior, do que é sagrado e inalienável, do direito à vida e do direito à saúde. Mas faltou alguma coisa.
Acho que faltou ali um grito de santuário. Também faltou santo. Faltou aparecer alguém ou alguma coisa que inspirasse a sensação de que para aquela menina, haveria esperança, amparo e proteção. Mas não vi nada disso. Aliás, cada vez se vê menos santuário. Tudo parece cada vez mais desesperado, desamparado e desprotegido.
Tudo o que vi foram homens muito certos de que estão certos querendo fazer valer suas opiniões de certitudes.
E talvez até o erro esteja em mim, que estou querendo ver coisas boas demais e isso não seja mais possível. Talvez seja só eu, que ainda quero acreditar em anjos que voam com foguetes amarrados nas costas. Talvez seja um problema meu, que ainda olho para uma foto do Papa João Paulo II e num instante consigo pensar na resistência ao nazismo, na Polônia, no perdão ao homem que tentou matá-lo a tiros, no beijo numa criança na África ou no chão de um aeroporto. Da multidão cantando "a benção João de Deus". E era mesmo, eu sentia. JP II foi o Papa que disse durezas, que reafirmou os princípios e manteve as rédeas curtas, mas que também era valente em sua fé, era um santuário vivo.
Desse outro novo Papa, confesso que não sei de quase nada. É o líder da Igreja. E essa Igreja tem um bispo que se impacienta rapidamente com perguntas e brada a censura da excomunhão à mãe de uma vítima da violência. A mesma Igreja que apenas, se tanto, puxa as orelhas dos pedófilos de batina, dos loucos que negam o holocausto.
João de Deus, quero acreditar, teria dado um jeito de, primeiro, ficar ao lado das vítimas, mãe e filha. Talvez fosse esse o Santuário que eu quisera ter visto. Um Santuário que sempre fizesse questão de manter as portas abertas. Que significasse, antes de tudo, refúgio, ainda que provisório.
Mas acho que isso não existe mais. E também não se escrevem mais romances como Victor Hugo. Santuário acabou. Talvez nunca tenha existido de verdade.
Ou talvez eu esteja enganado.
quinta-feira, 12 de março de 2009
Uma cor de camisa
Eu encontro o Mr. Flowers no corredor. Ele está com uma camisa cor-de-rosa. Eu não faço nenhum comentário em relação à cor da camisa. Todo mundo sabe que tem que ser macho para usar uma camisa rosa. E quem sou eu para vaticinar sobre a sexualidade dos outros com base apenas numa cor de camisa?
_Diga aí, Flowers? Tudo beleza? – eu pergunto, para puxar assunto. O Mr. Flowers é um cara legal. Tem um ano que trabalhamos na mesma sala.
_Tudo – ele responde e fica me olhando, esperando algum outro comentário.
_Que bom, né? Hoje é quinta-feira, amanhã é sexta e assim por diante – eu digo, à guiza de comentário.
_E assim por diante – repete o Mr. Flowers.
_Viu o Fenômeno? - eu pergunto.
_Vi. Gol da vitória de virada. O cara tem estrela. Vai dar a volta por cima.
_Craque é craque – eu digo.
_O fenômeno é um tremendo craque.
_...
_...
_...
_Não vai falar da camisa? – perguntou o Mr. Flowers.
_Que camisa, Flowers? Do fenômeno?
_Da minha camisa cor-de-rosa! Não vai falar nada?
_É rosa? Nossa, parece salmão. Mas é bem bonita, hem Flowers. Bela camisa.
_...!
_Fiu! – assobiei.
_Pô, Careca, me desculpe, cara. Gozador do jeito que você é, achei que você ia chegar com sacanagem por causa da cor da camisa.
_Quêisso, Flowers?! Gozação tem limite. Tem umas coisas que é melhor a gente não brincar.
_É sério, mesmo. Achei que você ia chegar com curtição. Me desculpe .
_Que nada, Flowers. Não tem nada que desculpar. Eu também tive uma camisa rosa, embora a minha estivesse mais para vermelho ocre. Foi presente da minha mulher. Usei até o colarinho ficar puído.
Flowers trabalhou com tranqüilidade, sem interrupções. Depois, no final do dia, quando eu estou saindo, eu lembro da velha fábula do escorpião e da rã. É a melhor fábula do mundo.
_Flowers, parabéns pela camisa, seu namorado tem bom gosto... – eu digo.
E pela fresta da porta do elevador que se fecha, vejo Mr. Flowers espumar. Amanhã digo que ele não ouviu direito.
_Diga aí, Flowers? Tudo beleza? – eu pergunto, para puxar assunto. O Mr. Flowers é um cara legal. Tem um ano que trabalhamos na mesma sala.
_Tudo – ele responde e fica me olhando, esperando algum outro comentário.
_Que bom, né? Hoje é quinta-feira, amanhã é sexta e assim por diante – eu digo, à guiza de comentário.
_E assim por diante – repete o Mr. Flowers.
_Viu o Fenômeno? - eu pergunto.
_Vi. Gol da vitória de virada. O cara tem estrela. Vai dar a volta por cima.
_Craque é craque – eu digo.
_O fenômeno é um tremendo craque.
_...
_...
_...
_Não vai falar da camisa? – perguntou o Mr. Flowers.
_Que camisa, Flowers? Do fenômeno?
_Da minha camisa cor-de-rosa! Não vai falar nada?
_É rosa? Nossa, parece salmão. Mas é bem bonita, hem Flowers. Bela camisa.
_...!
_Fiu! – assobiei.
_Pô, Careca, me desculpe, cara. Gozador do jeito que você é, achei que você ia chegar com sacanagem por causa da cor da camisa.
_Quêisso, Flowers?! Gozação tem limite. Tem umas coisas que é melhor a gente não brincar.
_É sério, mesmo. Achei que você ia chegar com curtição. Me desculpe .
_Que nada, Flowers. Não tem nada que desculpar. Eu também tive uma camisa rosa, embora a minha estivesse mais para vermelho ocre. Foi presente da minha mulher. Usei até o colarinho ficar puído.
Flowers trabalhou com tranqüilidade, sem interrupções. Depois, no final do dia, quando eu estou saindo, eu lembro da velha fábula do escorpião e da rã. É a melhor fábula do mundo.
_Flowers, parabéns pela camisa, seu namorado tem bom gosto... – eu digo.
E pela fresta da porta do elevador que se fecha, vejo Mr. Flowers espumar. Amanhã digo que ele não ouviu direito.
quarta-feira, 11 de março de 2009
Segunda de dúvidas
Às vezes tenho saudades dos tempos em que eu tinha muitas certezas. E pode acreditar, teve um tempo que eu me achava o senhor da razão. Um pouco é por causa daquela minha mania de não deixar pergunta sem resposta.
É bem verdade que ultimamente tenho me policiado um bocado. Especialmente às segundas-feiras. No início desta semana, por exemplo, o elevador cheio, alguém pergunta:
_O gordômeno fez um gol?
Eu me encolhi no elevador, observando os meus sapatos. Preciso engraxar esses sapatos, eu pensei.
_Puxa vida, ninguém gosta mais de futebol nesse país? - insistiu o cara.
_O gordômeno marcou e derrubou a cerca. Eu adoro futebol - disse uma loura bonita, sorrindo antes de sair do elevador.
Três ou quatro marmanjos suspiraram. No andar seguinte, o sujeito que havia feito a pergunta desceu rapidamente. Com um pouco de sorte, ele desceria as escadas e encontraria a loura antes que ela usasse o crachá eletrônico.
_Quem é gordômeno, hem? - perguntou um sujeito com cara de executivo, no fundo do elevador.
Desci em seguida. Segunda-feira é uma falta de assunto, né?
É bem verdade que ultimamente tenho me policiado um bocado. Especialmente às segundas-feiras. No início desta semana, por exemplo, o elevador cheio, alguém pergunta:
_O gordômeno fez um gol?
Eu me encolhi no elevador, observando os meus sapatos. Preciso engraxar esses sapatos, eu pensei.
_Puxa vida, ninguém gosta mais de futebol nesse país? - insistiu o cara.
_O gordômeno marcou e derrubou a cerca. Eu adoro futebol - disse uma loura bonita, sorrindo antes de sair do elevador.
Três ou quatro marmanjos suspiraram. No andar seguinte, o sujeito que havia feito a pergunta desceu rapidamente. Com um pouco de sorte, ele desceria as escadas e encontraria a loura antes que ela usasse o crachá eletrônico.
_Quem é gordômeno, hem? - perguntou um sujeito com cara de executivo, no fundo do elevador.
Desci em seguida. Segunda-feira é uma falta de assunto, né?
terça-feira, 10 de março de 2009
A quem interessar possa
A quem interessar possa
As coisas que dizemos sem pensar nem sempre são as mais importantes. E somente algumas vezes são reveladoras.
Dois momentos cinema
Fui assistir, é lógico, a Watchmen. Sou fanzão do quadrinho, que comprei em 12 fascículos quinzenais ansiosamente esperados, há muito tempo. Depois comprei uma edição que reunia os doze fascículos num único volume. E muito depois, comprei a versão original, em inglês, pelo mais puro pernosticismo.
Achei o filme a cara do quadrinho. É fiel até em muitos enquadramentos. Tem coisas muito legais. Especialmente a parte que não se leva muito a sério. Não vou ficar aqui com um papo intelectual. Essa gente jabazeira está sempre cheia de ódio e insatisfação e procura desqualificar qualquer coisa que se aproxima do sucesso. Pura inveja. O filme tem cenas super-violentas. E também tem um monte de cenas com um visual de encher os olhos. Mas não tem cenas divertidas. É estranho. A sequência mais divertida é a da abertura do filme, com a mistura de cenas de documentários com ficção. Na verdade, lembra o final de muitos filmes legais. Achei ótima a coreografia cuidadosa de cenas para fotografias, mas lembro de ter visto uma abertura de novela que fazia quase a mesma coisa.
O herói do filme é pelado e azul, repleto de zen-budismo pseudo-filosofante, igual a um semi-deus hindu. Blly Crudup, que faz o Dr. Manhanttan, aparece de bunda de fora e bangalôs o tempo todo. Alguém disse que o personagem é uma piada. "O cara de azul parece um ator pornô que esqueceram trancado num refrigerador". É pura sub-cultura.
A atriz que faz a mocinha bonita usa uma franja de boneca Barbie. Enquanto chupa o dedo do homem azul recita a única piada do filme inteiro. Longe das telas, a moça disse que teve a sensação de estar vestindo um preservativo bicolor. O filme é uma coletânea das vagas noções que temos de um monte de coisas que não precisamos saber. Mas como qualquer blockbuster, mais da metade do filme você viu ou ouviu fora do cinema. Os megasucessos de hoje não permitem surpresas na tela do cinema. Parece que só gostamos de ver no cinema o que já comentamos ou ouvimos todo mundo comentar. Não somos mais espectadores. Nós só vamos lá conferir se aquilo que foi dito é aquilo mesmo. É a síndrome de Tomé.
Essa foi a parte que gostei, é claro. Parece que só gostamos do que conhecemos, ainda que superficialmente. A parte ruim é o lado panfletário e metido a besta do filme. Esse lado é o que acredita que o complexo industrial militar comanda a América e o resto do mundo. E todos nós sabemos que essa turma é apenas mais uma das turmas que mandam ou querem mandar no mundo.
Duas horas e meia de filme depois até eu, um fã confesso do quadrinho, estava cansado.
Outro dia fui assistir a "O Leitor". Um filme excelente. Mas um amigo meu, o dono do Herbinha, também fez um comentário pertinente.
_Pô, deram o Oscar para aquela mulher do Titanic só porque ela fazia cara de zangada o tempo inteiro. Sou nazi. Sou zangada. Ó meu beiço. Hum.
Talvez, se eu ainda não tivesse assistido o filme, isso mudasse completamente o jeito de ver Kate Winslet.
As coisas que dizemos sem pensar nem sempre são as mais importantes. E somente algumas vezes são reveladoras.
Dois momentos cinema
Fui assistir, é lógico, a Watchmen. Sou fanzão do quadrinho, que comprei em 12 fascículos quinzenais ansiosamente esperados, há muito tempo. Depois comprei uma edição que reunia os doze fascículos num único volume. E muito depois, comprei a versão original, em inglês, pelo mais puro pernosticismo.
Achei o filme a cara do quadrinho. É fiel até em muitos enquadramentos. Tem coisas muito legais. Especialmente a parte que não se leva muito a sério. Não vou ficar aqui com um papo intelectual. Essa gente jabazeira está sempre cheia de ódio e insatisfação e procura desqualificar qualquer coisa que se aproxima do sucesso. Pura inveja. O filme tem cenas super-violentas. E também tem um monte de cenas com um visual de encher os olhos. Mas não tem cenas divertidas. É estranho. A sequência mais divertida é a da abertura do filme, com a mistura de cenas de documentários com ficção. Na verdade, lembra o final de muitos filmes legais. Achei ótima a coreografia cuidadosa de cenas para fotografias, mas lembro de ter visto uma abertura de novela que fazia quase a mesma coisa.
O herói do filme é pelado e azul, repleto de zen-budismo pseudo-filosofante, igual a um semi-deus hindu. Blly Crudup, que faz o Dr. Manhanttan, aparece de bunda de fora e bangalôs o tempo todo. Alguém disse que o personagem é uma piada. "O cara de azul parece um ator pornô que esqueceram trancado num refrigerador". É pura sub-cultura.
A atriz que faz a mocinha bonita usa uma franja de boneca Barbie. Enquanto chupa o dedo do homem azul recita a única piada do filme inteiro. Longe das telas, a moça disse que teve a sensação de estar vestindo um preservativo bicolor. O filme é uma coletânea das vagas noções que temos de um monte de coisas que não precisamos saber. Mas como qualquer blockbuster, mais da metade do filme você viu ou ouviu fora do cinema. Os megasucessos de hoje não permitem surpresas na tela do cinema. Parece que só gostamos de ver no cinema o que já comentamos ou ouvimos todo mundo comentar. Não somos mais espectadores. Nós só vamos lá conferir se aquilo que foi dito é aquilo mesmo. É a síndrome de Tomé.
Essa foi a parte que gostei, é claro. Parece que só gostamos do que conhecemos, ainda que superficialmente. A parte ruim é o lado panfletário e metido a besta do filme. Esse lado é o que acredita que o complexo industrial militar comanda a América e o resto do mundo. E todos nós sabemos que essa turma é apenas mais uma das turmas que mandam ou querem mandar no mundo.
Duas horas e meia de filme depois até eu, um fã confesso do quadrinho, estava cansado.
Outro dia fui assistir a "O Leitor". Um filme excelente. Mas um amigo meu, o dono do Herbinha, também fez um comentário pertinente.
_Pô, deram o Oscar para aquela mulher do Titanic só porque ela fazia cara de zangada o tempo inteiro. Sou nazi. Sou zangada. Ó meu beiço. Hum.
Talvez, se eu ainda não tivesse assistido o filme, isso mudasse completamente o jeito de ver Kate Winslet.
segunda-feira, 9 de março de 2009
Cinco coisas perigosas para um garoto
Vi um video na Internet que recomenda o ser humano a deixar uma criança fazer cinco coisas perigosas:
1 - Brincar com fogo.
2 - Ter um canivete.
3 - Brincar de lança.
4 - Desmontar máquinas.
5 - Dirigir um carro.
1 - Brincar com fogo.
2 - Ter um canivete.
3 - Brincar de lança.
4 - Desmontar máquinas.
5 - Dirigir um carro.
domingo, 8 de março de 2009
sábado, 7 de março de 2009
Do manual de nós
"A Falcaça de Agulha é provavelmente a melhor falcaça permanente para unir as pontas de qualquer cabo entrançado. Tal como acontece com outras falcaças, é mais eficaz quando feita com fio de vela encerado, a uma curta distância do chicote. A falcaça deve ser esticada o mais possível e ter de comprimento o equivalente ao diâmetro ou diâmetro e meio do cabo, sendo rematada por um Nó Direito entre as filaças. Aplique esta falcaça com cabos de fibras naturais e sintéticas entrançadas."
Eu estaria perdido sem as ilustrações. É um dos melhores livros que já comprei. Demorei quase uma hora para encontrá-lo na estante.
Eu estaria perdido sem as ilustrações. É um dos melhores livros que já comprei. Demorei quase uma hora para encontrá-lo na estante.
sexta-feira, 6 de março de 2009
O fim das boas idéias
Às vezes eu vejo um filme e ali está uma bela idéia que eu mesmo poderia ter tido. Alguém já teve antes e até mesmo já filmou!
Em outras ocasiões, depois que eu leio um livro, tenho uma boa idéia, que rabisco às pressas no meu bloquinho de anotações rápidas que eu trago sempre no bolso.
Aí, semanas depois, eu descubro aquela mesma idéia dentro de um pedaço de um conto de um escritor que eu folheio, numa livraria.
Eu penso então que todas as boas idéias já viraram alguma coisa. Raios!
Aí eu penso melhor. Sim, com certeza ainda restam algumas boas idéias. Mas tenho que ser rápido. Tem um monte de gente boa e pensante no mundo.
Em outras ocasiões, depois que eu leio um livro, tenho uma boa idéia, que rabisco às pressas no meu bloquinho de anotações rápidas que eu trago sempre no bolso.
Aí, semanas depois, eu descubro aquela mesma idéia dentro de um pedaço de um conto de um escritor que eu folheio, numa livraria.
Eu penso então que todas as boas idéias já viraram alguma coisa. Raios!
Aí eu penso melhor. Sim, com certeza ainda restam algumas boas idéias. Mas tenho que ser rápido. Tem um monte de gente boa e pensante no mundo.
quinta-feira, 5 de março de 2009
Os fiéis assessores
Estou aqui, na entrada de um palácio. Quem já viu um, já viu todos. E eu vejo a fila de políticos. São uns tipos interessantes. Vejo um tão engraçado que dá vontade de jogar pipoca nele. Aí eu devaneio.
Um político não se define pelo que faz, mas pelo que gosta. Para mim, os políticos são os seres humanos que mais gostam de conversa fiada, reunião e palestra. E fila de beija-mão. Quando um monte de políticos se junta é porque querem falar com algum político mais esperto, que ainda vai chegar.
O político muito esperto, em geral, vive convocando reuniões com outros políticos. Veja bem. Ele não convida. Convoca. Ele chega atrasado em todas as reuniões convocadas, especialmente se a reunião for no seu próprio gabinete.
Chegar atrasado é uma arte complexa e altamente refinada pelos políticos. Embora as diferentes técnicas de chegar atrasado variem na forma, em todas prevalece o mesmo princípio. Se a reunião começou sem que você tenha chegado, você não está com nada. Se alguém começou a reunião em seu nome, livre-se do traíra. Se não começou, mas você precisa tirar o sapato e bater na mesa para chamar a atenção do povaréu, troque de turma enquanto ainda dá tempo. Você só estará com tudo se, na hora que você chegar, os voluntários se apressarem em organizar a confusão, a pedir silêncio. Caras importantes têm sempre alguém grosso para fazer o chega prá lá. E se você for mesmo um figurão, quando você abrir a boca, alguém deverá ficar com cara de tapete humano. Aí, você é o tal.
Parece existir um traje típico de político. Terno, gravata berrante. Relógio grandão, vistoso, igual ao do bicheiro. Sorriso ladino. Cabelo ridículo. Olhar ferino. Já faz muito tempo que não vejo um político com olhar bondoso. O olhar da moda agora é aquele de águia, do sujeito combativo. Um saco. De vez em quando vejo na TV um cara que parece ter o olhar bondoso e sonso. Mas é fingimento. Muito embora o meu estereótipo de político seja uma versão dos cafajestes desenhados pelo Angeli. Na minha inversão, ao invés de vestidos em ternos mal-ajambrados, os políticos usam ternos bem-cortados e sapatos feitos à mão por virgens italianas que sonham em trabalhar para a Ferrari.
O político, em sua maioria, não carrega pastas. Para isso existe, sempre ao seu lado, o fiel assessor. Esse cara nunca chama a atenção. O fiel assessor é um tipo discreto, que não abre a boca. Ele se comunica com os olhos com o político, aquele que o puxa pelo colarinho. Troca sinais telepáticos quando a conversa se aproxima de temas perigosos. Faz sinais secretos com as mãos. Coça o nariz. Faz Rãm-Rãm, limpando a garganta. E, por fim, enfia uma canelada no político quando a conversa resvala para a falação do que não deve ser falado e nem escrito. É discreta, mas é canelada doída.
Fiéis assessores, ao contrário do que pode parecer, existem às pencas. Eu mesmo tentei trabalhar como fiel assessor de político várias e várias vezes. Mas a minha careca chama muito a atenção. Além disso, não sei fazer cara de tapete. Preciso treinar mais.
Um político não se define pelo que faz, mas pelo que gosta. Para mim, os políticos são os seres humanos que mais gostam de conversa fiada, reunião e palestra. E fila de beija-mão. Quando um monte de políticos se junta é porque querem falar com algum político mais esperto, que ainda vai chegar.
O político muito esperto, em geral, vive convocando reuniões com outros políticos. Veja bem. Ele não convida. Convoca. Ele chega atrasado em todas as reuniões convocadas, especialmente se a reunião for no seu próprio gabinete.
Chegar atrasado é uma arte complexa e altamente refinada pelos políticos. Embora as diferentes técnicas de chegar atrasado variem na forma, em todas prevalece o mesmo princípio. Se a reunião começou sem que você tenha chegado, você não está com nada. Se alguém começou a reunião em seu nome, livre-se do traíra. Se não começou, mas você precisa tirar o sapato e bater na mesa para chamar a atenção do povaréu, troque de turma enquanto ainda dá tempo. Você só estará com tudo se, na hora que você chegar, os voluntários se apressarem em organizar a confusão, a pedir silêncio. Caras importantes têm sempre alguém grosso para fazer o chega prá lá. E se você for mesmo um figurão, quando você abrir a boca, alguém deverá ficar com cara de tapete humano. Aí, você é o tal.
Parece existir um traje típico de político. Terno, gravata berrante. Relógio grandão, vistoso, igual ao do bicheiro. Sorriso ladino. Cabelo ridículo. Olhar ferino. Já faz muito tempo que não vejo um político com olhar bondoso. O olhar da moda agora é aquele de águia, do sujeito combativo. Um saco. De vez em quando vejo na TV um cara que parece ter o olhar bondoso e sonso. Mas é fingimento. Muito embora o meu estereótipo de político seja uma versão dos cafajestes desenhados pelo Angeli. Na minha inversão, ao invés de vestidos em ternos mal-ajambrados, os políticos usam ternos bem-cortados e sapatos feitos à mão por virgens italianas que sonham em trabalhar para a Ferrari.
O político, em sua maioria, não carrega pastas. Para isso existe, sempre ao seu lado, o fiel assessor. Esse cara nunca chama a atenção. O fiel assessor é um tipo discreto, que não abre a boca. Ele se comunica com os olhos com o político, aquele que o puxa pelo colarinho. Troca sinais telepáticos quando a conversa se aproxima de temas perigosos. Faz sinais secretos com as mãos. Coça o nariz. Faz Rãm-Rãm, limpando a garganta. E, por fim, enfia uma canelada no político quando a conversa resvala para a falação do que não deve ser falado e nem escrito. É discreta, mas é canelada doída.
Fiéis assessores, ao contrário do que pode parecer, existem às pencas. Eu mesmo tentei trabalhar como fiel assessor de político várias e várias vezes. Mas a minha careca chama muito a atenção. Além disso, não sei fazer cara de tapete. Preciso treinar mais.
quarta-feira, 4 de março de 2009
O ar quente que eu respiro
O ar-condicionado da minha sala no trabalho quebrou. Há dois meses. Desde então, o pessoal do almoxarifado vinha me enrolando com umas soluções caseiras. Me recomendaram usar roupas leves. Afrouxar a gravata. Repousar o paletó. Também fizeram algumas sugestões para evitar refeições muito gordurosas e pesadas.
Depois de muito implorar, me mandaram um ventilador de torre ruinzinho. Pedi outro ventilador. Disseram que iriam comprar. Insisti. Fizeram uma marola danada e depois compraram. Mas aí, a empresa que tinha o menor preço não tinha o ventilador para pronta entrega.
_E aí, o que eu faço? – perguntei, estupidamente, para Al, o Almoxarifado Mor.
Al, o Almoxarifado Mor, recomendou beber muita, mas muita água gelada. Eu fiquei me mordendo de raiva, mas dei o meu braço a torcer. Pergunta imbecil merece resposta imbecil. Para piorar, recebi uma visita.
_Nossa, como está quentinho aqui, né? Bem agradável– disse o C3PO. Já falei sobre esse cara outras vezes. Ele não parece ser do bem.
_A empresa está zelando pelo nosso bem-estar – eu disse.
_Fazemos sauna enquanto trabalhamos – completou o Mr. Flowers.
_É, minha pele está superbacana com essa umidade – finalizei. Eu e o Mr. Flowers conhecemos o C3PO de outros carnavais. E com essa gente não se brinca.
Mas o calor era muito grande e a solução era só uma promessa. Eu e a equipe de proletários da palavra, cada qual alojado em seu próprio cubículo, começamos a ficar nervosos. Protestamos diariamente. Silenciosamente, é claro. Em época de crise, só desempregado é quem faz barulho. Eu e os proletários da palavra nem cochichamos. Em boca fechada não entra mosquito. Nem sai.
Deixamos de usar desodorante. Começamos a entrar nas reuniões suados, com as mangas arregaçadas, com ar de quem trocou pneu de carro. Tudo em vão.
Sofremos bem uns trinta dias úteis. E quando o C3PO aparecia nós dizíamos que aquela era a melhor sala do mundo.
_É como passar as férias no Caribe, só que de terno e gravata – eu dizia e abria um enorme sorriso. O Mr. Flowers tirava suor da testa e fingia jogar no C3PO.
_Vade retro, coisa ruim! – dizia o Mr. Flowers.
Sofremos, mas não deixamos, nem por um segundo, o C3PO ver nossas caretas ou ouvir nossas reclamações silenciosas.
Hoje tudo mudou. El Big Boss resolveu fazer uma visita surpresa para a gente. Veio cobrar um relatório que eu havia prometido para o final do mês. Por sorte, eu ando meio paranóico e já havia apressado os relatórios.
_Gente! O que é isso? Parece a ante-sala do Vulcão de Mefistófelis!!! Isso está mais quente que a fogueira de Torquemada! Al, por obséquio, providencie um ar-condicionado novo para esta sala! Imediatamente.
_Sim, senhor! – disse Al, o Almoxarifado Mor.
E em dez minutos uma equipe de especialistas em ar-condicionado acabou com o problema. Agora, minha sala parece a antecâmara refrigerada de Mr. Ice Ice Baby. Brrrrr.
Depois de muito implorar, me mandaram um ventilador de torre ruinzinho. Pedi outro ventilador. Disseram que iriam comprar. Insisti. Fizeram uma marola danada e depois compraram. Mas aí, a empresa que tinha o menor preço não tinha o ventilador para pronta entrega.
_E aí, o que eu faço? – perguntei, estupidamente, para Al, o Almoxarifado Mor.
Al, o Almoxarifado Mor, recomendou beber muita, mas muita água gelada. Eu fiquei me mordendo de raiva, mas dei o meu braço a torcer. Pergunta imbecil merece resposta imbecil. Para piorar, recebi uma visita.
_Nossa, como está quentinho aqui, né? Bem agradável– disse o C3PO. Já falei sobre esse cara outras vezes. Ele não parece ser do bem.
_A empresa está zelando pelo nosso bem-estar – eu disse.
_Fazemos sauna enquanto trabalhamos – completou o Mr. Flowers.
_É, minha pele está superbacana com essa umidade – finalizei. Eu e o Mr. Flowers conhecemos o C3PO de outros carnavais. E com essa gente não se brinca.
Mas o calor era muito grande e a solução era só uma promessa. Eu e a equipe de proletários da palavra, cada qual alojado em seu próprio cubículo, começamos a ficar nervosos. Protestamos diariamente. Silenciosamente, é claro. Em época de crise, só desempregado é quem faz barulho. Eu e os proletários da palavra nem cochichamos. Em boca fechada não entra mosquito. Nem sai.
Deixamos de usar desodorante. Começamos a entrar nas reuniões suados, com as mangas arregaçadas, com ar de quem trocou pneu de carro. Tudo em vão.
Sofremos bem uns trinta dias úteis. E quando o C3PO aparecia nós dizíamos que aquela era a melhor sala do mundo.
_É como passar as férias no Caribe, só que de terno e gravata – eu dizia e abria um enorme sorriso. O Mr. Flowers tirava suor da testa e fingia jogar no C3PO.
_Vade retro, coisa ruim! – dizia o Mr. Flowers.
Sofremos, mas não deixamos, nem por um segundo, o C3PO ver nossas caretas ou ouvir nossas reclamações silenciosas.
Hoje tudo mudou. El Big Boss resolveu fazer uma visita surpresa para a gente. Veio cobrar um relatório que eu havia prometido para o final do mês. Por sorte, eu ando meio paranóico e já havia apressado os relatórios.
_Gente! O que é isso? Parece a ante-sala do Vulcão de Mefistófelis!!! Isso está mais quente que a fogueira de Torquemada! Al, por obséquio, providencie um ar-condicionado novo para esta sala! Imediatamente.
_Sim, senhor! – disse Al, o Almoxarifado Mor.
E em dez minutos uma equipe de especialistas em ar-condicionado acabou com o problema. Agora, minha sala parece a antecâmara refrigerada de Mr. Ice Ice Baby. Brrrrr.
terça-feira, 3 de março de 2009
O Careca mede a produtividade
(Mais um trecho de um livro inédito, que tem o título provisório de "Um hiena na selva de pedra".)
Tento estabelecer uma rotina para medir a minha produtividade. Os manuais dizem que é importante criar padrões para aferir exatamente como está a sua atuação profissional. Eles dão um monte de exemplos. Número de folhas datilografadas. Número de tarefas desenvolvidas. Número de produtos finalizados.
Tudo besteira. O melhor parâmetro é o número de cafezinhos que você deixa de tomar. Se você toma muitos cafezinhos, você não deve estar produzindo bastante. Se você toma muita água, você está se acabando de trabalhar. Historicamente, quando o ser humano rala, ele tem sede. Isso foi cientificamente provado por um cachorro chamado de Cachorro do Pavlov.
Por outro lado, a combinação desses indicadores pode induzir ao erro. Tem muito vagal que se acaba de beber água só para disfarçar que na verdade, queria mesmo era um cafezinho. E tem muito sujeito honesto, bom e trabalhador que bebe muita água mas, de vez em quando, não resiste a um cafezinho. O Cachorro do Pavlov não conseguiu provar a refutação dessa tese, pois insistia em abanar o rabo.
Mas nesses tempos bicudos, onde o desemprego campeia e a espada da demissão já foi desembainhada, o melhor é não deixar margem para dúvidas. Então, mantenha o indicador puro, sem margem nenhuma. Ou você bebe café ou você pede água.
Depois que decidir em que equipe você efetivamente está se colocando, você estará na mesma situação que antes. Ou seja, precisará medir a sua produtividade. No entanto, será mais simples. Vai ser fácil comparar a sua produção com a do seu colega, que também só bebe água. Se ele só beber café, vai ser mais fácil ainda, porque certamente não haverá muito que comparar.
Mas se você bebe café e depois bebe água, cuidado. Confira se não tem nada abanando por perto. Se tiver, tenho certeza de que não será o Cachorro do Pavlov. O cachorro já morreu faz tempo.
Nesses tempos de faca amolada, evite salivar no trabalho. Aliás, não chame a atenção. Fique quieto.
Tento estabelecer uma rotina para medir a minha produtividade. Os manuais dizem que é importante criar padrões para aferir exatamente como está a sua atuação profissional. Eles dão um monte de exemplos. Número de folhas datilografadas. Número de tarefas desenvolvidas. Número de produtos finalizados.
Tudo besteira. O melhor parâmetro é o número de cafezinhos que você deixa de tomar. Se você toma muitos cafezinhos, você não deve estar produzindo bastante. Se você toma muita água, você está se acabando de trabalhar. Historicamente, quando o ser humano rala, ele tem sede. Isso foi cientificamente provado por um cachorro chamado de Cachorro do Pavlov.
Por outro lado, a combinação desses indicadores pode induzir ao erro. Tem muito vagal que se acaba de beber água só para disfarçar que na verdade, queria mesmo era um cafezinho. E tem muito sujeito honesto, bom e trabalhador que bebe muita água mas, de vez em quando, não resiste a um cafezinho. O Cachorro do Pavlov não conseguiu provar a refutação dessa tese, pois insistia em abanar o rabo.
Mas nesses tempos bicudos, onde o desemprego campeia e a espada da demissão já foi desembainhada, o melhor é não deixar margem para dúvidas. Então, mantenha o indicador puro, sem margem nenhuma. Ou você bebe café ou você pede água.
Depois que decidir em que equipe você efetivamente está se colocando, você estará na mesma situação que antes. Ou seja, precisará medir a sua produtividade. No entanto, será mais simples. Vai ser fácil comparar a sua produção com a do seu colega, que também só bebe água. Se ele só beber café, vai ser mais fácil ainda, porque certamente não haverá muito que comparar.
Mas se você bebe café e depois bebe água, cuidado. Confira se não tem nada abanando por perto. Se tiver, tenho certeza de que não será o Cachorro do Pavlov. O cachorro já morreu faz tempo.
Nesses tempos de faca amolada, evite salivar no trabalho. Aliás, não chame a atenção. Fique quieto.
segunda-feira, 2 de março de 2009
Um livro de nós
Comprei um livro que ensina a fazer nós. Não nós, seres humanos, mas nós, aqueles de amarrar. Se bem que a gente também amarra os seres humanos. Bom, mas é um livro sobre nó de forca, nó cego, nó duplo e mais de 100 tipos diferentes de nós. Eu jamais imaginei que existissem tantos nós diferentes. Nó é um tema que eu achava que daria no máximo uma apostila, com quatro folhinhas. Mas são 220 páginas, fora a dedicatória, capas e sobrecapas.
O livro chama “Manual de Nós”. A princípio eu pensei que era uma nova coletânea de poesias do Manoel de Barros. Seria bem típico dele, escrever um livro de versos amarrados, com a condição específica do livro ficar longe da seção de poesia, na parte de artes manuais.
Então comprei o livro por esses dois motivos: porque eu pensei que poderia fingir que esse era um novo livro de poemas do Manoel e também porque não sabia que existiam tantos tipos diferentes de nós.
Estou lendo o livro agora. Em geral, mantenho dois livros na mini-estante do banheiro. Para despistar a Rose, que é a empregada-babá-faxineira-governanta e faz-tudo daqui de casa. Se eu deixo só um livro, a Rose pega o que eu estou lendo no banheiro e leva para a estante. Ali, eu não consigo encontrar o livro nunca mais. Entretanto, descobri que se coloco dois livros na mini-estante do banheiro a Rose pensa que um é da minha mulher. Então, ela não mexe, que ela não é boba.
Estou terminando o Tigre Branco, do Aravind Adiga, que é muitcho bom. E agora coloquei sobre ele o “Manual de Nós”. O livro é cheio de ilustrações de nós, com o passo a passo para se atingir a perfeição na arte de amarrar o boi, o barco e também o ser humano. Acabo de passar pelo “Nó Bachmann”, muito utilizado por alpinistas e espeleólogos. Muito bonito, esse nó. E muito útil também. Estou me amarrando. Caramba! Consegui resistir ao trocadilho até o último parágrafo...
domingo, 1 de março de 2009
Herbinha, o fusquinha do meu amigo
Eu recebi o aviso por e-mail há mais ou menos duas semanas. Foi o Paulim que me avisou.
_Careca, olha só o ser humano!
E na mensagem, esse meu amigo, que voltou outro dia da Austrália, dizia que havia comprado o carro dos sonhos. Um fusca branco dos anos setenta, com faixas vermelha e azul e o número 53.
_É caso de internação à força, Paulim! – eu respondi para o Paulim.
E no sábado, depois de almoçarmos um glorioso bife à parmegiana no saudoso Beirute, esse meu amigo que voltou da Austrália me pegou para ver o carro.
_O que você acha, Careca?
_É lindo! – eu disse.
_Quer dirigir?
_Nãããããoooo, eu já tomei umas cervejas e tenho medo de blitz – me esquivei.
_Tudo bem. Quer ver por dentro?
_Dá pra ver daqui. Isso no teto é uma goteira?
_Um furinho de nada. E o para-choque é original!
_Que beleza!
_E o motor é superbom. Tem arrancada firme. Tem certeza de que não quer dirigir?
_Tenho.
_Esse carro é muito bom e educativo.
_É mesmo?
_Minhas filhas nunca tinham visto um quebra-vento. Agora já sabem como é um. Quer andar?
_ Não, obrigado. Quebra-vento é mesmo uma vantagem competitiva.
_São essas coisas que fazem diferença.
_Pra menos.
_Hã?
_Parabéns – eu disse, para evitar maiores digressões.
_Dirigir esse carro é como dirigir um clone de um superstar. Quer tentar?
_Entendo, mas vou passar – falei, às vezes, concordar é preciso.
_É como limpar o jornal do clone da Lassie.
_Isso mesmo – observei.
_Careca, não dá vontade de comprar um carro desse?
_ É verdade. (Não dá mesmo. Mas se der, vou esperar passar a vontade).
_Quer ver o carburador?
_Não, acabei de almoçar.
_Agora eu tenho que ir, senão eu deixava você dar uma volta.
_Obrigado, é muita gentileza.
E eu e a minha mulher nos despedimos do meu amigo e da família que voltou da Austrália. Pai, mãe e três filhas, muito felizes, entram no Herbinha. O barulho do motor é algo entre a batedeira de bolo e uma geladeira a gás que havia na casa da minha avó. A diferença é que o cano de escape do Herbinha estourava foguetes a cada acelerada.
_Isso é que é ronco de motor! – disse o meu amigo.
E nós acenamos, em despedida.
_Careca, seu amigo não deixou você dar uma volta?
_Não, ele é muito ciumento dos carros dele. Ele oferece só pra dizer não, depois que você disser sim.
_Não era ele que tinha um Dodginho Bege?
_Um Polara. Ele chamava de Larica.
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