segunda-feira, 7 de outubro de 2013
O jiló daqui de casa
The Soul Survivors - Mama Soul
Acho que isso acontece em todas as famílias. Em algumas, é com o brócolis. Em outras é com o pimentão. O alho, o cará. Há sempre uma raiz, um vegetal, um peixe, um tubérculo que provoca engulhos no nosso paladar infantil mas que são idolatrados pelos nossos pais. Na minha época, o vilão era o jiló. Meus pais também apostavam suas fichas no óleo de fígado de bacalhau, na Emulsão Scott, na Hypogloss, nos sucos de cenoura e beterraba e numas drágeas de vitamina de ferro. Todas essas coisas, não sei se estão na ordem certa, me garantiriam ossos fortes, um fígado de ferro, uma excelente visão, o coração de um touro e o perfeito funcionamento dos intestinos.
Como eu sou um cara moderno, com uma visão de mundo própria e desprovido de preconceitos e idéias pré-concebidas, nunca me preocupei com a presença de alimentos específicos nas refeições das crianças. Com exceção das abóboras, é claro. Aqui em casa comemos abobrinha, abóbora japonesa, abóbora bahiana, abóbora comum e moranga. As crianças não reconhecem as virtudes da abóbora e, portanto, em todas as refeições é preciso um certo trabalho de convencimento.
Nas primeiras vezes, eu ainda tentava argumentar a respeito da rica diversidade de sabores das abóboras, mas as crianças torciam o nariz.
_Pai, não adianta, eu não gosto de abóbora – dizia o meu filho.
_É, paiê, não tem gosto de nada – dizia a minha filha.
_Peraí, não pode ser as duas coisas. Se não tem gosto de nada, então é impossível não gostar.
_Então eu também não gosto – dizia a minha filha.
Resolvi incrementar as abordagens.
_Os cientistas descobriram uma vitamina na abóbora que deixa as pessoas mais inteligentes.
_Mas eu já sou inteligente, paiê – dizia a minha filha.
_Eu também. Estou satisfeito com o meu QI – dizia o meu filho.
_Mas essa vitamina deixa a gente ainda mais inteligente.
_Nós preferimos passar, paiê.
_E se descobrirem que os nutrientes da abóbora é que fazem a gente correr depressa? – eu tentei.
_Assim eu vou correr é dessa mesa, pai.
_E se daqui a vinte anos os alienígenas chegarem e só as crianças que comeram abóboras forem capazes de resistir à dominação?
_Os aliens vão vencer de qualquer jeito, paiê.
_E se as abóboras fizessem a gente jogar videogame muito bem?
_Não, pai, você já me pegou com essa, nem vem.
_Ele te pegou com essa? Jura?
_Eu só tinha quatro anos.
_Tudo bem, então vamos seguir a regra do colorido. Todos os pratos devem estar com alimentos coloridos. Verde da alface, branco do arroz, feijão, carne, batata e ahá, está faltando a cor laranja! Como vocês pretendem resolver isso?
_Cenoura, paiê.
_É, pai, nós já colocamos cenoura, viu? Eu já comi tudo.
Bom, talvez eu convença a Rose a fazer uns sucos com abóbora.
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