terça-feira, 15 de outubro de 2013

Tudo ao mesmo tempo agora




Arctic Monkeys - Do I Wanna Know?

Leio um artigo onde o autor afirma que seus filhos já não assistem televisão. Eles surfam entre os diferentes aparelhos(TV, smartphone, tablet, gamepad, musicplayer, videogame, etc) tudo ao mesmo tempo agora. Os meus também são assim. Não conseguem ficar parados diante da tela como eu ficava, quando ainda assistia TV. Mudam de canal dinamicamente, não assistem a comerciais que não queiram assistir. Eles se entediam rapidamente, mas mergulham e atingem um estágio de imersão profunda com o que os interessa. No início, essas coisas me incomodavam. Eu gritava ordens para que se afastassem, dizia para que não ficassem tanto tempo quase sem piscar e que não se deixassem ficar absortos e bobos diante da tela. Mas as admoestações, os avisos e conselhos para resistir às coisas tão fantásticas que viam eram solenemente ignorados. A competição entre canais fez o trabalho de saturação por mim. Eles sabem escolher e escolhem sozinhos o que querem. Exatamente como eu fazia, quando era menino, mas com muito, muito mais opções. Mas não há nada disso na escola. Não há ninguém que os oriente a utilizar com mais proveito as máquinas em que se concentram e se dispersam. E parece não haver interesse nenhum nisso. Não sei avaliar direito se isso é bom ou ruim. Mas parece uma carência, o que é quase sempre ruim.

Vejo minhas crianças serem cultivadas como consumidores fiéis de videogames e jogos especiais, de músicas, imagens, vídeos e cantos de outros lugares e outras línguas. Não há nada de mal nisso, a não ser a postura passiva, de platéia que apenas ouve e se satisfaz no acompanhamento do coro, sem criar nada de novo. Sei que em outros lugares, há uma preocupação em incentivar as crianças a utilizar as facilidades tecnológicas para ampliar suas capacidades e talentos. Cato os aparelhos, aprendo o que posso e consigo, também jogo os seus videogames e escuto as músicas que eles escutam. Tenho que eu também aprender a transitar entre a miríade de aparelhos e códigos, a remexer nas linguagens e nas entranhas enigmáticas da produção de conteúdo para essa celeuma de telas e teclados. A chave de tudo, eu sei, é produzir conteúdo, deixar de lado a passividade da espera, tratar de fazer sozinho com o que se aprendeu sozinho.

Tive professores generosos na infância e adolescência. Uns poucos mestres bacanas na universidade. Dois grandes colegas de trabalho, ambos mortos, que me ensinaram a não tropeçar nos meus próprios pés. Em qualquer atividade, a excelência é uma conquista que se renova diariamente, quando aliamos conhecimento, habilidade e força de vontade. Mas sem a humildade para reconhecer erros próprios e méritos alheios não é possível seguir adiante, a excelência torna-se inatingível. Durante muito tempo estive envolvido em olhar para o meu próprio umbigo, para melhor me conhecer. Talvez tenha demorado tempo demais para perceber que o auto-conhecimento é um poço sem fundo e também que o fato de nos conhecermos um pouco mais não nos torna automaticamente melhores. Nem tampouco piores, diga-se de passagem. Apenas nos dão maior clareza para perceber que o nosso papel individual na história geral é mesmo bem reduzido, mas nem mesmo isso nos absolve. Uma andorinha não faz o verão. Mas e se ninguém puxar a fila? E se nenhuma delas mergulhar no espaço decidida a anunciar que o verão já chegou? Besteira, não sou pioneiro de nada. Mas sinto que, de alguma forma, isso tem a ver com não querer ser apenas espectador e consumidor do que outras pessoas decidiram fazer.

De tempos em tempos, tenho feito aqui alguma reflexão sobre a minha vida. Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Quase sempre acho que as pequenas desventuras do meu cotidiano não interessam a ninguém. Não foram poucas as vezes em que escrevi um texto durante algumas horas e depois joguei tudo fora porque achava que havia me exposto demais. Em outras, a persona do Careca fala alto demais e eu fico apenas parecendo um mentiroso. Entretanto, de repente sinto uma compulsão para escrever sobre as picuinhas ridículas e sem noção que vivi numa fila do supermercado ou enquanto espero no consultório do dentista. Nas melhores vezes, consigo fazer um relato sem firulas e com sinceridade. Quando isso acontece eu tenho a pretensão de sentir que fui capaz de escrever um troço que me deixou conectado a um monte de pessoas e isso faz eu me sentir bem à beça.

Outro dia, por exemplo, na hora de passar as compras eu olhei para o crachá da caixa e lá estava escrito Hertânia.

_Já sei, seu pai se chama Heraldo e sua mãe se chama Tânia - eu disse, com a mão na cabeça, como se estivesse lendo pensamentos.

_Nossa, como foi que você adivinhou? - disse a moça.

_Foi chute - eu disse.

É por isso que estou determinado a continuar a escrever neste blog por mais algum tempo. De vez em quando, com um pouco de sorte, eu acerto.

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