sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O filho do pato



Monophonics - Say You Love Me

Uma vez minha filha chegou da escola com um ovo de pato. O recado da professora pediu para ajudarmos no experimento: chocar o ovo com uma lâmpada. Ainda morávamos no velho apê. Lembro de ter pesquisado na internet como isso deveria ser feito. Era óbvio. Era preciso usar uma lâmpada que não fosse forte o bastante para queimar a palha onde estava o ovo e nem fraca a ponto de gorar a coisa toda. Fiz uma acochambração total, usando uma luminária com uma lâmpada fraca. Lembro de ficar com medo de provocar um incêndio e de usar uma complexa regra matemática para calcular a distância ideal entre o ovo e a lâmpada. Também lembro de ler alguma coisa sobre virar o ovo de tanto em tanto tempo e de cuidar para que ele não ficasse em pé. Ou seja, desde o primeiro instante em que peguei a porcaria do ovo eu já sabia que jamais, em tempo algum, sairia um ser vivo dali de dentro. Mas dever de escola é sagrado, então tratei de não demonstrar nada e de virar o ovo de vez em quando, conferir se a lâmpada estava mesmo acesa, se não havia nada queimando, essas coisas.

Para minha filha, a ciência ainda era uma certeza de milagres e acontecimentos mágicos. Todos os dias ela conferia o ovo, a iluminação, a palha, e encostava o dedo na casca, para ver se estava mesmo quentinho e quem sabe, sentir uma picada vindo do lado de dentro. Ela esperava que a qualquer momento, especialmente quando tocava o ovo, um filhote surgisse piando loucamente. Ela já havia escolhido uma dúzia de nomes para o futuro filhote e se preocupava em garantir que houvesse água e comida ao alcance do recém-nascido. Também providenciou um cobertor e uma almofada pequena, para a hora de dormir.

Depois de uma semana sob a lâmpada, eu e a minha mulher resolvemos que era hora de parar com aquilo e abrimos o jogo com a menina. Explicamos que nem sempre um experimento dá certo e que daquele ovo, não sairia pinto, nem pato, nem ganso, nem nada que piasse. Aquele era um ovo choco. Provavelmente, era um ovo que já havia sido botado há muito tempo e depois de alguns dias, não adianta colocar o ovo sob a lâmpada, não dá mais certo.

_Mas paiê, eu vi que tem um pintinho lá dentro, eu vi!

Bom, quem há de agir contra a fé e a esperança? Então deixamos a experiência rolar por mais uns quatro ou cinco dias. Depois disso, voltamos a conversar sobre a falibilidade dos experimentos científicos, da fragilidade da vida e de como é tão melhor que os ovos sejam chocados pelos bípedes que os botaram. Dessa vez, ela aceitou numa boa.

_Tudo bem, paiê, ninguém da sala conseguiu. Só o do Lucas é que funcionou.

_Como é?

_Só o Lucas que fez certo, paiê. Ele foi o único da sala a levar um patinho.

_Que menino esperto!

Depois disso, os experimentos científicos da sala custaram a despertar entusiasmo. A coisa só mudou um pouco com a germinação de feijão em algodão. As plantinhas de todas as crianças cresceram fortes e rapidamente, devolvendo a todas a fé inquebrantável nos preceitos científicos da professora e também dos pais.

Hoje, passados três anos, minha mulher contou para minha filha que a mãe do Lucas trapaceou.

_A mãe do Lucas ficou com dó e comprou um patinho para ele levar para a escola. Todas as mães ficaram sabendo. Ela mentiu e isso não é bom.

_Ela mentiu?! Pô, eu achava aquele menino um gênio! - eu disse.
_

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