Nós estávamos na garagem do edifício. Eu, meu pai e minha mãe. Fui fazer companhia aos dois, que iriam colocar aparelhos de monitoramento cardíaco. Dirigir é muito estressante, o que pode provocar alterações nos registros dos aparelhos, então me ofereci para bancar o motorista por 24 horas. No caminho, minha mãe ficou me ensinando onde virar e como chegar à clínica.
Meu filho nasceu no hospital em frente à clínica, mas em oito anos o lugar ficou muito diferente. Está tudo lotado e apertado. Sem ajuda, eu não encontraria a clínica. E se o edifício da clínica não tivesse estacionamento pago, eu não encontraria vaga. O estacionamento público e gratuito estava lotado. O gramado estava lotado. E os flanelinhas agiam ostensivamente. Essa cidade é muito legal, mas está ficando pequena para tanto automóvel. Estacionamento gratuito é coisa do passado.
O edifício da clínica devia ter uns seis andares, contando os subsolos. Os subsolos eram estacionamentos caros, coisa de quatro reais a hora. Sem opção e em cima da hora, seguimos para o estacionamento pago. Depois de algumas manobras inusitadas acabei conseguindo uma boa vaga. Seguimos para o elevador e esperamos.
_Mãe, qual é o andar? - eu disse.
_A-S - ela disse.
_Não, mãe. O andar. Qual é o andar?
_A-S, está escrito aqui.
Eu pensei ter ouvido errado novamente e o elevador chegou. No painel, os botões de números 1,2 e e e mais SE, AS, SS1 e SS2. Dentro do elevador, uma coroa e uma garota. A menina usava óculos redondos e prateados, tipo John Lennon, e era obviamente Síndrome de Down.
_Mãe, qual é o andar? - eu disse.
_Não sei, parece AS, mas vamos para o térreo - ela disse.
Olhei para o meu pai, que concordou. Apertei o botão que eu achava que era o térreo, nível do chão. Mas não era ali. Descemos num corredor amplo. A mulher e a menina mongol continuaram no elevador.
_Não é aqui - disse a minha mãe.
Eu vi um sujeito dentro de um cinzeiro gigante.
_Ô da portaria, esse aqui é o A-S?
_Não, aqui é o S-E.
_E que diabos é S-E?
_Semi-enterrado - ele disse.
_Semi-enterrado?- eu disse.
_Semi-enterrado - ele disse, novamente.
_Pai, estamos no semi-enterrado - eu disse para o meu pai, que continuava esperando por mim e por minha mãe, dentro do elevador.
_Semi-enterrado? - ele disse.
_Isso mesmo- eu disse.
_Que coisa fúnebre - ele disse.
A menina com síndrome de Down olhava para nós, alegremente. A mãe estava furiosa.
_Mãe, não é aqui, vamos para o A-S - eu disse. E apertei o botão.
Todos do elevador desceram no A-S. Era o andar certo.
Esperamos uma eternidade e depois os dois entraram e colocaram os aparelhos. Eu fiquei desenhando no meu caderno moleskine de desenhar em sala de espera de consultório. É um caderno dedicado à Mona Lisa. Só desenho Monas Lisas nesse caderno. Tenho esperado uma eternidade em consultórios. Já desenhei mais de trinta Monas. Muitas nem se parecem com a Mona Lisa. Depois de meia hora, meu pai saiu do consultório usando um rolter. E alguns minutos depois minha mãe saiu com uma máquina de mapeamento cardíaco, não sei o nome.
_Descobriu o que é A-S? - perguntou a minha mãe.
_Não, depois do S-E fiquei com medo de perguntar - eu disse.
Na saída, no elevador, encontramos a menina Down e a mãe. A menina continuava com o mesmo ar de felicidade. E a mãe continuava furiosa. Pagamos o ticket e fomos até o carro. Depois quando estávamos saindo, vimos a mãe e a menina Down na bilheteria do estacionamento. A menina continuava feliz. Depois fiquei pensando que A-S significa Acima do Semi.
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