Eu tinha quantos anos? Vinte? Vinte. Eu já podia dirigir e estava namorando uma moça que era mais sabida do que eu. Altamente versada em Carlos Castañeda. Nos mistérios egípcios. Na cultura maia e inca. Na iconografia dos astronautas na cultura ocidental.
Nós resolvemos ver o cometa Haley passar pelos céus de Brasília, numa madrugada longínqua em que todo mundo da cidade parou para fazer a mesma coisa. Afinal de contas, o Haley só passaria novamente daí a 76 anos, com a pontualidade de um relógio suíço espaço-cósmico. Por isso, escolhemos o bucólico terraço de uma amiga como o local mais adequado para a observação das estrelas e do Haley em 1986.
Não sei mais dizer nem o mês em que isso aconteceu. Mas de fato, nessa noite que era “a” noite para ver o Haley, milhares de pessoas foram para as ruas da cidade, para a beira do lago, para as coberturas dos prédios e olharam para cima. Super legal.
E lá estava eu, naquele terraço, olhando para cima tentando ver o Haley. Nos dias que antecederam aquele dia, em todo lugar se lembrava do que havia acontecido em maio de 1910, quando o Haley passou pertinho e as pessoas acharam que era o fim do mundo.
Em 1986, o clima era diferente. Era positivo, pra cima. Os canais de TV, os jornais, as revistas, os astrônomos, o Papa, os cientistas e todo mundo que tinha um mínimo de credibilidade já havia jurado que dessa vez o espetáculo seria belíssimo. Colorido. Único. Nós acreditamos. Aliás, nós acreditamos e também alugamos um telescópio para ver melhor o cometa.
Mas vimos muito pouco. Eu deveria ter feito, como muitos fizeram, um cursinho rápido de astronomia para ao menos localizar a área de passagem do cometa. Qual nada. Fiquei mirando no rumo, que era perto das Três Marias, do Cruzeiro do Sul, já não lembro. Havia umas vinte pessoas naquele terraço. Havia churrasquinho. Havia cervejinhas.
Eu devaneava. Para mim e a tal namorada, era perceptível um sentimento comum de compartilhamento. Todos queríamos ver a mesma coisa linda passar brilhando pelo espaço, como se fosse um sinal de redenção cósmico. O Haley, na minha cabeça cheia de cerveja, era uma evidência de que algo maior estava programado para a humanidade. Era o sinaleiro dos céus, o fenômeno celeste que fazia parte das mensagens grafadas nos desertos da cordilheira dos Andes, dos hieróglifos egípcios, do alfabeto maia de amarração de nós, das iluminuras dos manuscritos medievais.
Mas do alto daquele terraço de uma casa no lago, tudo o que eu contemplei foi um céu meio nublado, com estrelas pingadas. Foi chegando perto da hora em que o cometa seria mais visível no céu da cidade e nada. A cada minuto, cada uma das muitas pessoas ali reunidas tirava o olho do telescópio e balançava a cabeça, desanimada. Um gaiato ou outro dizia que estava vendo alguma coisa, mas, no instante seguinte falava a verdade. Os minutos se passaram. A tal namorada passou, rindo com o irmão da dona da casa. A hora “h” passou. E no final, todas as pessoas ali reunidas confessaram que não viram nada.
Eu não vi nem sombra de poeira da cauda do cometa. Aliás, também não vi mais a tal namorada. Foi uma das minhas primeiras decepções cósmicas. Depois disso, é claro, parei de ler Carlos Castañeda.
5 comentários:
pior que não ver o cometa aos 20 anos é não ver mais a namorada, não? rsrsr*
beijos, dear
MM.
Fina, acabei pegando carona em outra cauda de cometa.
eu era muito garoto.
mas lembro que teve um rebuliço.
camisetas, propagandas, piadas etc.
abraço
Ai, que frustrante o Haley. Meu pai comprou uma luneta. Tínhamos um mapa do céu, com o trajeto do cometa. Ficamos em cima da laje noites a fio com o mapa, aprendendo a localizar as constelações para achar o cometinha. Vários torcicolos depois, o cometa veio, sabíamos onde ele passaria e nem o rabito dele deu pra ver. Esse ano teve outro cometa. Meu pai tem uma luneta bem mais potente do que a do Haley. Fomos pra MG. Peguei o livro de astrônomo amador, salvei um mapa do céu com a trajetória do cometa no laptop, fiquei com o lap virado de ponta-cabeça no meio do quintal do meu primo, na escuridão. Nada. Desisti dos cometas. Mas vemos Saturno e seus anéis, Júpiter e suas manchas e as crateras da Lua. Prestou pra algo o nosso esforço. Abraços!
Careca, venho sempre aqui no seu blog, e adoro os teus textos...hoje criei coragem pra escrever...sou um pouco tímida..srsrs. Mas, enfim...eu também estive tentando ver o cometa, eu era umas das muitas pessoas que estavam na beira do lago "Paranoá" (com muito frio) e claro que também não vi nada!rsrsrs
Mas, adorei relembrar esse momento embaraçoso através da tua memória...obrigada.
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