sábado, 22 de dezembro de 2007

Os índios estão lá fora




_Operários da palavra! Trabalhadores da notícia! – eu gritava, todos os dias, para a redação.

Mas nunca ninguém me respondia. Eu era o editor –chefe de um campeão de audiência do rádio no início da década. O salário era ridículo, mas eu gostava do trabalho. Consistia em coordenar um grupo de pessoas e também montar e dirigir um programa ao vivo. Os apresentadores, Aírton e Sula, eram muito divertidos e possuíam belas vozes. Estavam sempre brincando e por causa disso às vezes erravam.Cada erro cometido era ouvido por 43 milhões de ouvintes espalhados pelo país. A cada mês, quem errasse mais me pagava uma pizza e um monte de cervejas.

Era um trabalho duro e intenso, mas entre todos os envolvidos, inclusive eu, ninguém parecia se importar com isso. Foi uma das melhores épocas da minha vida. Depois do programa eu costumava reunir os papéis e jogar tudo no escaninho, na sala de redação. Uma cópia gravada do programa era deixada sobre a bancada. Eu colocava alguns lembretes na minha estação de trabalho e ia embora para casa. Se estivesse com fome, eu tratava de comer ali perto, num bar. No dia seguinte, logo depois do almoço, eu estaria de volta, pronto para mais um programa.

Certa noite, era uma sexta-feira, a dupla de apresentadores estava mais afinada do que nunca e as piadas rolavam uma atrás da outra. Eu gargalhava no estúdio. E até o operador resolvera contar algumas piadas. Minha nossa, como gostávamos de piadas naqueles dias! Tudo havia sido muito divertido e o programa foi feito sem nenhum erro sequer. E então Sula e Aírton disseram boa noite e foram embora. Lelé, o operador, também precisou sair rápido. E eu fiquei sozinho no estúdio. Enquanto juntava os papéis o telefone tocou. Era alguém da portaria.

_Seu Careca, eles estão aqui fora. Posso deixar entrar?

_Eles quem?

_Os índios.

_Que índios?

_Um monte de índios.

_E o que eles querem?

_Querem falar no rádio, é claro!

_É claro. Mas porque querem falar comigo?

_É que não tem mais ninguém no prédio, Seu Careca. Deixo eles entrar?

_Não. Segura eles aí.

_E o quê que eu digo para eles?

_Diz que eu já vou falar com eles.

Fiz o que eu fazia todos os dias. Reuni a papelada, peguei a fita, deixei recados e me preparei para ir embora. Já estava de casaco quando resolvi dar uma espiada para o lado de fora. Da janela do primeiro andar, vi uma porção de índios só de calção e chinelos e um monte de índios sem calção, sem camisa e descalços. Eram cerca de 100 índios. Todos estavam pintados de urucum, preto e amarelo. Cada um carregava algum tipo de arma. Havia bordunas e também arcos e flechas. Senti um arrepio percorrer a minha coluna ao perceber que um dos índios havia me notado e agora apontava para mim, na janela. Dezenas de cabeças se voltaram na minha direção. Eu ia me agachar, mas pensei em John Wayne. Por isso, levantei a mão direita como Tonto e acenei como Juscelino. (Continua)

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