segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

História para revista de sacanagem


Fazia um calor desgraçado naquela terra. E eu estava numa pindaíba danada. Além disso, eu tinha menos de vinte anos. A única vantagem é que a praia era uma beleza. Mas a água era quente. Eu prefiro água fria. E aquela loura sempre aparecia depois que eu entrava na água do mar.

Eu havia iniciado um programa de exercícios. Pela manhã, corria a praia do início ao fim, ida e volta, o que dava quatro quilômetros. Nadava paralelo à praia durante uma hora. Depois fazia uma porção de flexões de braço, barras e paralelas. Os músculos ficavam saltados. Eu partia para os exercícios de alongamento. Eu me sentia um super-cara, forte, rígido e flexível. E aí, como quem não quer nada, a loura aparecia.

No primeiro dia eu já havia notado o anel de noivado. Uma aliança com brilhante de verdade, grande. Coisa de gente fina, com muito para gastar. A loura também tinha beleza de sobra, para dar e vender. E eu esperava que fosse para dar. Tinha um par de peitos que, da distância em que eu estava, parecia ter custado o triplo do anel. Usava um biquíni verde, uma saída de praia e um par de chinelos amarelos. Outras coisas brilhavam no pescoço e nas orelhas. De frente, era o tipo de mulher fogosa que deveria ser mantida bem longe das calotas polares. De costas, pois ela deu um jeito de me mostrar as costas e o que há debaixo dela, ela me fez lembrar de programas censurados do Mundo Animal. Depois de alguns segundos de contemplação tive que correr para dentro da água, que me pareceu muito mais fria e refrescante. Quando voltei, a loura havia sumido.

Nos outros dias, os biquínis mudavam de cores. A saída de praia parecia ser a mesma, amarrada de formas diferentes. Os colares e brincos também variavam, mas o anelzão de brilhante continuava no dedo da mão direita. E ela agora sorria para mim. E me encarava. E depois, parecia que ia colocar o dedo indicador na boca. E aí mudava de idéia. Passava a língua devagar nos lábios. Cruzava as pernas. Descruzava. Sentava. Levantava. Agachava. Ficava na ponta dos pés, uma bailarina na beira da praia. Parecia nervosa. Relaxava e depois ia até o vendedor de picolés. Voltava com um picolé de coco, um refrigerante, uma laranjinha. E durante uns cinco minutos, eu me imaginava como um sorvete de frutas, sem casquinha. Eu era lambido e escorria pelos seus dedos, escorregava pela suas coxas, pingava naqueles valiosos seios. Eu corria para dentro da água. E quando eu voltava, a loura havia sumido.

Um dia tomei coragem e resolvi falar com a loura. Foi antes dos exercícios de alongamento. Os músculos estavam pulando para fora. Eu parecia uma versão tupiniquim do Exterminador do Futuro, de sunga. Fui caminhando devagar, olhos nos olhos, pela areia quente. Eu não sentia dor. Sorria. A loura também. Eu passei a língua nos lábios. A loura também. Eu levantei as sobrancelhas. A loura também. Eu pisquei um olho, o direito. A loura não piscou. Parei na areia. Talvez ela não soubesse piscar. E a areia quente começou a queimar as solas dos meus pés. Ai, caramba, eu disse. E a loura também.

Comecei a andar mais depressa. Mas, a cada passo, a temperatura da areia parecia ampliar a distância que me separava da calçada. Corri. E alcancei a calçada. E aí realmente queimei a sola dos pés. A loura ria. Gargalhava. Eu sapateava como se o Exterminador do Futuro imitasse Fred Astaire. Sem sapatos. E não havia sombra de nenhuma sombra até onde a minha vista alcançasse. E o anel brilhava. E então vieram as câimbras. (Continua)

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