terça-feira, 5 de julho de 2011

O sigilo eterno

É crime violar a correspondência. Não sei quanto tempo uma pessoa pode pegar de cadeia caso seja condenada por esse crime. Eu, por exemplo, posso estar correndo o risco de ser condenado à prisão perpétua, porque já abri muitas cartas e envelopes que não eram endereçadas para mim. Mas tenho atenuantes razoáveis.

Todas as vezes que abri correspondência alheia eu o fiz sem a intenção de bisbilhotar, mas só e somente porque o envelope havia sido colocado junto a outros na minha caixa de correio. Isso acontecia muito no edifício em que eu morava. Eu abria a caixa de correio e lá estavam vários envelopes, um envelopão e um monte de propaganda não envelopada. Os primeiros eu ainda olhava o nome impresso, mas o restante era sumariamente aberto e só depois disso é que eu percebia que a mensagem não era pra mim. Infelizmente, em todos os anos passados em edifício de apartamentos jamais abri qualquer mensagem relevante.

Em geral, eram propagandas endereçadas a antigos moradores do apartamento. Havia também propagandas semi-disfarçadas de velhos prestadores de serviço do morador anterior. Uma vez abri um belo cartão de natal de um dentista e fiquei super-feliz naquele ano, porque foi o único cartão de natal que recebi. Fiquei tão feliz que acabei indo me consultar com o tal dentista. Mas ele não era tão bom quanto o cartão que enviou. Desisti de tratar de dentes com o sujeito porque ele sempre me perguntava se eu fazia questão de anestesia. Eu disse que fazia e faço mesmo, quem é que gosta de sentir dor?

O episódio me deixou meio desconfiado de dentista. E quando esse tal dentista me pediu para consultar um outro especialista, a desconfiança aumentou muito quando o sujeito também me deu um envelope com uma carta escrita à mão para entregar a esse especialista.

_Vai me dizer que você abriu o envelope? - disse a minha mãe, quando eu contei para ela o que vou contar daqui a pouco.

_É claro. Eu precisava saber qual era a mensagem.

_Ora, é lógico que eram informações técnicas sobre o seu tratamento - disse a minha mãe.

_Sim, mas eu precisava checar. E se o dentista fosse um espião internacional e estivesse usando o disfarce de dentista para esconder informações secretas na coroa do meu dente?

_Que informações? - disse a minha mãe.

_Sei lá, as informações do sigilo eterno. O resultado das licitações dos estádios da copa. As razões de manterem o Mano no comando da seleção. A senhora não leria a correspondência que o dentista mandass para outro especialista?

_Nunquinha - disse a minha mãe.

_E se nela o dentista escrever alguma coisa como "ela curte dor". Ou "maltrate a velhinha", ou "motorzinho nela".

_Credo - disse mamãe.

_É, nos dias de hoje o melhor é não facilitar - eu disse.

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