Eu e minha mulher conversamos outro dia sobre os sonhos que se tem dormindo. Especialmente os sonhos que nos fazem acordar no meio da noite. Eu nunca me lembro dos sonhos bons, tenho esse defeito. Os ruins de que me lembro eu faço questão de esquecer rapidamente. Minha mulher disse que às vezes tinha um sonho meio repetido mas que isso já não acontecia mais. Ela é psicóloga e embora isso não faça dela uma especialista em sonhos, pelo jeito dela falar presumi que sonhos repetitivos não são uma coisa muito boa.
Eu não sei muita coisa sobre sonhos. Ultimamente tenho sonhado muito pouco ou não tenho me lembrado de nada. É mais provável que não tenha sonhado com nada. Tenho procurado dormir mais cedo, mas isso nem sempre é possível porque estou mantendo a rotina de escrever à noite. Isso às vezes é bem complicado, porque escrever à noite interfere muito com a vida social. Por outro lado, passar as manhãs ou as tardes na frente do computador tem sido difícil, porque ainda existem muitas coisas para arrumar na casa nova.
Na semana passada, por exemplo, aplicamos o sinteko no piso da sala. O trabalho teve início na última quinta-feira, quando esses dois sujeitos, Sílvio e Antônio, começaram a lixar a madeira do piso. Eles trouxeram uma máquina apelidada de "Monstrinho". Parecia um pequeno rolo compressor com uma fita de lixa sobre o rolo de aço. Eles amarraram um saco de pano molhado no tubo que expele a serragem e lixaram toda a sala em cerca de duas horas. Quase não havia sinal de pó.
Na véspera, eu e a minha mulher tínhamos tentado vedar as partes da casa que se comunicam com a sala, usando plásticos de proteção para a pintura grudados nas paredes com fita crepe. Usamos um rolo inteiro de fita crepe bem larga.
Quando os caras desligaram a Monstrinha eu liguei para a minha mulher e disse que estava tubo bem.
_Mas não ficou tudo empoeirado de serragem? - ela disse.
_Não. Acho que as pessoas exageraram com aquele pavor de sinteko. Não teve nenhuma nuvem de poeira, nem nada demais. Agora eles vão usar a Monstrinha com uma lixa fina e depois lixar manualmente. Está tudo bem, nem sombra de poeira - eu disse.
E num instante a dupla do sinteko terminou o trabalho com a Monstrinha. Nada de pó. Mas depois Sílvio e Antônio fizeram uma cirrus-cúmulo-nimbus de poeira e serragem usando, cada um, uma lixadeira de mão. Era tanto pó de madeira no ar que não dava para enxergar nada. Minha mulher me ligou para saber das coisas.
_Amor, hoje as crianças não podem ficar em casa. Os caras levantaram uma nuvem vulcânica de serragem. Se a casa fosse perto do aeroporto eles teriam que adiar pelo menos uns dez vôos. Foi uma coisa de louco. E agora é que eles vão aplicar cola e o sinteko - eu disse.
E meia hora depois da metade da aplicação do sinteko eu tomava dois litros de leite.
Para encurtar a história, só hoje é que vamos todos dormir em casa. Estamos de assoalho novo. É tão lindo que parece um sonho.
domingo, 31 de julho de 2011
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Amy Winehouse
Achei a foto daí de cima em Hedi Slimane, graças a uma dica da Marina W.
A primeira música que ouvi de Amy Winehouse foi uma versão de "Will you still love me tomorrow". Minha admiração pela cantora e pela força de suas interpretações nasceu ali. Foi paixão imediata. Em poucos minutos, ela nos transporta para um turbilhão de sentimentos. Sua voz se eleva em agudos para o êxtase do amor incondicional e desce em graves para o medo e o desespero do amor perdido. Amy foi uma cantora com o coração dilacerado na garganta.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Três histórias de pescador
Fomos pescar a três horas e meia de Brasília. O lugar estava repleto de tucunarés. Os peixes deviam estar com muita fome, pois até eu trouxe cinco peixes. Meus filhos pescaram com caniços e trouxeram, cada um, dois tucunarés para casa. Só é permitido trazer tucunarés maiores de 35 cm. Minha filha, de seis anos, ainda pescou duas piranhas. Foi muito divertido e um pouquinho cansativo. As treze pessoas do grupo saíram em quatro barcos, quatro vezes. As duas saídas matutinas foram as mais produtivas.
Às cinco e trinta eu acordava as crianças para o café da manhã. Elas já dormiam com a roupa debaixo do pijama, para não demorarmos muito. Tirado o pijama, vinham os casacos e as galochas. As crianças insistiram e eu acabei comprando uns óculos escuros. Eles ficavam se sentindo astros do cinema debaixo dos bonés.
A melhor parte foi a ausência completa de telefone, video-games, TV, rádio e computador. Nem relógio eu levei.
No barco, ficava inventando histórias para as crianças.
Na primeira eu falava que tinha jogado a isca bem longe da canoa. Tão longe que eu nem escutei o barulho dela caindo dentro dágua. E esperei. Esperei. Esperei. Esperei. Esperei. Até cansar. Aí veio um puxão bem forte e eu puxei a vara com força, para fisgar o peixe bem fisgado. Aí eu ouvi um ruído bem forte, MUUUUUUUUUUUUUU. Qual era o nome do peixe? Era o peixe-boi, é claro.
Na segunda história, eu jogava a isca longe, mas nem tanto. Para se pescar o tucunaré é preciso paciência. Ele é um peixe predador que abre o bocão e engole a isca inteira. Mas a isca precisa estar viva. O tucunaré só come peixe vivo. E nesta segunda história eu jogava a isca quase do lado de um grande tucunaré da represa. O bicho ficou observando. Eu também. Quando ele deu o bote eu puxei com força e ali estava o tucunaré, fisgado, irremediavelmente fisgado. No meio da puxada, outra sacudida forte na linha e eu torno a fisgar o peixe, com um puxão muito forte. E aí começa uma luta para trazer o peixe para o barco. Quando eu vou olhar direito, a pouca distância do barco eu vejo a linha sumir na boca de um grande tucunaré e o peixe sumindo na boca enorme de um jacaré. Qual era o nome do peixe? Esse era o famoso Tucujaca.
Na terceira eu jogava a isca um pouco mais perto, eu escutava o barulho dela caindo dentro dágua, glub. E era a mesma coisa. Eu esperava, esperava, esperava, até cansar. E de repente, vinha um puxão bem forte e a minha resposta imediata, um puxão violento na vara de pesca para fisgar o peixe. E dessa vez não tinha barulho de boi e nem de vaca. Era peixe mesmo. E eu puxava o peixe e dava pra ver que era tucunaré. E dos grandes. Nossa Senhora, eu nunca tinha visto um peixe daquele tamanho, era coisa de cinema. O bicho tinha um bocão gigante. Quando o peixe estava a uns cinco metros do barco eu vejo o peixe abrir a bocarra. Parecia um túnel. E a água da represa começou a escorrer para dentro dele. Era tanta, mas tanta água, que logo, logo eu estava no meio de um redemoinho. Que peixe era esse? Também não sei, mas era maior do que o Tucujaca.
Às cinco e trinta eu acordava as crianças para o café da manhã. Elas já dormiam com a roupa debaixo do pijama, para não demorarmos muito. Tirado o pijama, vinham os casacos e as galochas. As crianças insistiram e eu acabei comprando uns óculos escuros. Eles ficavam se sentindo astros do cinema debaixo dos bonés.
A melhor parte foi a ausência completa de telefone, video-games, TV, rádio e computador. Nem relógio eu levei.
No barco, ficava inventando histórias para as crianças.
Na primeira eu falava que tinha jogado a isca bem longe da canoa. Tão longe que eu nem escutei o barulho dela caindo dentro dágua. E esperei. Esperei. Esperei. Esperei. Esperei. Até cansar. Aí veio um puxão bem forte e eu puxei a vara com força, para fisgar o peixe bem fisgado. Aí eu ouvi um ruído bem forte, MUUUUUUUUUUUUUU. Qual era o nome do peixe? Era o peixe-boi, é claro.
Na segunda história, eu jogava a isca longe, mas nem tanto. Para se pescar o tucunaré é preciso paciência. Ele é um peixe predador que abre o bocão e engole a isca inteira. Mas a isca precisa estar viva. O tucunaré só come peixe vivo. E nesta segunda história eu jogava a isca quase do lado de um grande tucunaré da represa. O bicho ficou observando. Eu também. Quando ele deu o bote eu puxei com força e ali estava o tucunaré, fisgado, irremediavelmente fisgado. No meio da puxada, outra sacudida forte na linha e eu torno a fisgar o peixe, com um puxão muito forte. E aí começa uma luta para trazer o peixe para o barco. Quando eu vou olhar direito, a pouca distância do barco eu vejo a linha sumir na boca de um grande tucunaré e o peixe sumindo na boca enorme de um jacaré. Qual era o nome do peixe? Esse era o famoso Tucujaca.
Na terceira eu jogava a isca um pouco mais perto, eu escutava o barulho dela caindo dentro dágua, glub. E era a mesma coisa. Eu esperava, esperava, esperava, até cansar. E de repente, vinha um puxão bem forte e a minha resposta imediata, um puxão violento na vara de pesca para fisgar o peixe. E dessa vez não tinha barulho de boi e nem de vaca. Era peixe mesmo. E eu puxava o peixe e dava pra ver que era tucunaré. E dos grandes. Nossa Senhora, eu nunca tinha visto um peixe daquele tamanho, era coisa de cinema. O bicho tinha um bocão gigante. Quando o peixe estava a uns cinco metros do barco eu vejo o peixe abrir a bocarra. Parecia um túnel. E a água da represa começou a escorrer para dentro dele. Era tanta, mas tanta água, que logo, logo eu estava no meio de um redemoinho. Que peixe era esse? Também não sei, mas era maior do que o Tucujaca.
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Vamos pescar
Outro dia fiz um banco com uma tábua e estacas que estavam no sótão da casa. A tábua havia sido muito usada pelo pintor e seu ajudante para a pintura dos quartos e da sala. Durante a reforma decidimos pintar somente por dentro, já que não chegamos a um acordo sobre a cor da pintura externa.
O banco ficou bem rústico, mas está sendo bastante útil. Cortei estacas com 50 centímetros de altura para as crianças alcançarem a mesa sem problemas. No futuro, terei que cortar pelo menos cinco centímetros dos pés do banco.
Hoje encontrei uma tábua debaixo de uma tonelada de poeira no sótão e decidi fazer outro banco. Essa tábua tem 2,20 metros, é 30 centímetros maior do que a outra. Limpei bem a madeira e descobri que a cor dessa tábua é quase igual à do outro banco. Devo gastar meio dia para fazer o trabalho. As estacas são de pinus maciço e é preciso cuidado para colocar os parafusos e espaçadores, além de cola para prender cada parte com firmeza.
A quinta-feira, no entanto, estará lotada de atividades. Amanhã também estaremos no mutirão de preparação das varas de pescar. As crianças deverão praticar um pouco e decidir que tipo de varas levarão para os três dias na beira da lagoa. O menino e a menina parecem bem animados com a pescaria. Eles não têm a mínima idéia do que é ficar horas dentro de um barco estreito e talvez não gostem muito. Se isso acontecer, faremos a pesca de barranco, em terra. O mais importante é mudar de ares e estar disposto a fazer coisas novas.
Passei os primeiros anos da minha vida na beira do Rio Araguaia e talvez por isso encare com naturalidade as paisagens de rios e lagos. Mas as crianças sempre estiveram longe disso e talvez estranhem bastante.
Cada barco de pesca leva no máximo três passageiros e um barqueiro. A pescaria exige esforço físico e grande concentração. No barco não é permitido video game, cd player e TV. Vamos levar coletes, toneladas de repelente de insetos e protetor solar. Minha filha vai levar o George, um macaquinho de pelúcia. Meu filho quer levar um monte de coisas, mas já expliquei que se uma coisa cair dentro dágua, babau, nicolau. Também já mencionei a existência de piranhas na lagoa. Mesmo sem fazer muito alarde, os olhos do meu filho brilharam intensamente. Ele também me perguntou se lá existem plantas carnívoras e areia movediça. Acho que vai ser uma ótima aventura.
O banco ficou bem rústico, mas está sendo bastante útil. Cortei estacas com 50 centímetros de altura para as crianças alcançarem a mesa sem problemas. No futuro, terei que cortar pelo menos cinco centímetros dos pés do banco.
Hoje encontrei uma tábua debaixo de uma tonelada de poeira no sótão e decidi fazer outro banco. Essa tábua tem 2,20 metros, é 30 centímetros maior do que a outra. Limpei bem a madeira e descobri que a cor dessa tábua é quase igual à do outro banco. Devo gastar meio dia para fazer o trabalho. As estacas são de pinus maciço e é preciso cuidado para colocar os parafusos e espaçadores, além de cola para prender cada parte com firmeza.
A quinta-feira, no entanto, estará lotada de atividades. Amanhã também estaremos no mutirão de preparação das varas de pescar. As crianças deverão praticar um pouco e decidir que tipo de varas levarão para os três dias na beira da lagoa. O menino e a menina parecem bem animados com a pescaria. Eles não têm a mínima idéia do que é ficar horas dentro de um barco estreito e talvez não gostem muito. Se isso acontecer, faremos a pesca de barranco, em terra. O mais importante é mudar de ares e estar disposto a fazer coisas novas.
Passei os primeiros anos da minha vida na beira do Rio Araguaia e talvez por isso encare com naturalidade as paisagens de rios e lagos. Mas as crianças sempre estiveram longe disso e talvez estranhem bastante.
Cada barco de pesca leva no máximo três passageiros e um barqueiro. A pescaria exige esforço físico e grande concentração. No barco não é permitido video game, cd player e TV. Vamos levar coletes, toneladas de repelente de insetos e protetor solar. Minha filha vai levar o George, um macaquinho de pelúcia. Meu filho quer levar um monte de coisas, mas já expliquei que se uma coisa cair dentro dágua, babau, nicolau. Também já mencionei a existência de piranhas na lagoa. Mesmo sem fazer muito alarde, os olhos do meu filho brilharam intensamente. Ele também me perguntou se lá existem plantas carnívoras e areia movediça. Acho que vai ser uma ótima aventura.
terça-feira, 19 de julho de 2011
A faxina no escritório do Careca
Rose é a nossa cozinheira-babá-governanta-universitária. Desde que saímos do velho apê para a nova casa ficou decidido que teríamos uma faxineira pelo menos uma vez por semana. A casa é grande e estamos todos ficando mais velhos. De modo que contratamos a Dona Lú para uma faxina geral e irrestrita uma vez por semana. A Dona Lú(diminutivo de Lucimaura) tem um porte físico de porteiro de boate, deve ganhar de mim na queda de braço com facilidade. Desde o primeiro dia de trabalho, a Dona Lú fez questão de deixar bem claro que ela é de Marte e que se eu vacilasse ela chutava Vênus e Saturno juntos.
_Seu marido fica em casa? - ela disse, no primeiro dia.
_Sim, mas ele fica o tempo todo no escritório. Você deixa o escritório para o final, na hora da faxina é só você avisar - disse a minha mulher.
Mas o dia passou tranquilamente e a Dona Lú não me avisou. Quando percebi, eram seis da tarde e ela já estava no portão, com cara de Dunga da seleção.
_Ué, já vai embora? - eu disse, com imediato arrependimento.
_Está na minha hora - ela disse.
_E o escritório? A senhora nem pra me avisar...
_Avisei várias vezes, o senhor é que não prestou atenção - ela disse.
_Mas Dona Lú, eu não ouvi nada - eu disse.
_Eu tossi umas quatro vezes, conforme combinado - ela disse.
_Eu ouvi a tosse, mas não sabia que era o aviso da senhora.
_Era. Agora está na minha hora - ela disse.
E foi embora. O "conforme combinado" me deixou sem argumentos. Eu não me lembrava dessa combinação porque não havia prestado muita atenção quando ela e a minha mulher conversaram. Fiquei me sentindo culpado e pensando que deveria ter prestado mais atenção no aviso da Dona Lú.
Na semana seguinte, no dia da faxina eu fiquei no escritório, prestando muita atenção aos sons da casa, mas nada de tossidas. Acabei me distraindo e quando percebi a Dona Lú estava no portão, com cara de Mano da seleção.
_Ué, e o escritório? - eu disse.
_Vai me dizer que não me ouviu de novo?
_Vou. Dessa vez eu prestei muita atenção e não ouvi tossida nenhuma.
_Tossida? Quem falou em tosse? Eu bati palmas. Foi assim que nós combinamos da última vez. - ela disse.
Na terceira vez, eu perguntei antes para minha mulher se ela havia combinado algum sinal com a Dona Lú.
_Que sinal? Não sei do que você está falando - ela disse.
_Do sinal para a Dona Lú entrar no escritório e fazer a faxina, lembra?
_Não precisa de sinal. É só você sair e deixar ela trabalhar, ué.
Hoje a Dona Lú chegou em casa para fazer a faxina e eu saí, para fazer um monte de coisas. O escritório está limpo.
_Seu marido fica em casa? - ela disse, no primeiro dia.
_Sim, mas ele fica o tempo todo no escritório. Você deixa o escritório para o final, na hora da faxina é só você avisar - disse a minha mulher.
Mas o dia passou tranquilamente e a Dona Lú não me avisou. Quando percebi, eram seis da tarde e ela já estava no portão, com cara de Dunga da seleção.
_Ué, já vai embora? - eu disse, com imediato arrependimento.
_Está na minha hora - ela disse.
_E o escritório? A senhora nem pra me avisar...
_Avisei várias vezes, o senhor é que não prestou atenção - ela disse.
_Mas Dona Lú, eu não ouvi nada - eu disse.
_Eu tossi umas quatro vezes, conforme combinado - ela disse.
_Eu ouvi a tosse, mas não sabia que era o aviso da senhora.
_Era. Agora está na minha hora - ela disse.
E foi embora. O "conforme combinado" me deixou sem argumentos. Eu não me lembrava dessa combinação porque não havia prestado muita atenção quando ela e a minha mulher conversaram. Fiquei me sentindo culpado e pensando que deveria ter prestado mais atenção no aviso da Dona Lú.
Na semana seguinte, no dia da faxina eu fiquei no escritório, prestando muita atenção aos sons da casa, mas nada de tossidas. Acabei me distraindo e quando percebi a Dona Lú estava no portão, com cara de Mano da seleção.
_Ué, e o escritório? - eu disse.
_Vai me dizer que não me ouviu de novo?
_Vou. Dessa vez eu prestei muita atenção e não ouvi tossida nenhuma.
_Tossida? Quem falou em tosse? Eu bati palmas. Foi assim que nós combinamos da última vez. - ela disse.
Na terceira vez, eu perguntei antes para minha mulher se ela havia combinado algum sinal com a Dona Lú.
_Que sinal? Não sei do que você está falando - ela disse.
_Do sinal para a Dona Lú entrar no escritório e fazer a faxina, lembra?
_Não precisa de sinal. É só você sair e deixar ela trabalhar, ué.
Hoje a Dona Lú chegou em casa para fazer a faxina e eu saí, para fazer um monte de coisas. O escritório está limpo.
domingo, 17 de julho de 2011
Nada é o que parece ser
Visitamos a livraria na semana passada. Saí de lá com “Nada é o que parece ser”, da Patrícia Highsmith. Voltamos para casa e cada um foi para o seu canto. Eu tinha um armário para terminar. Minha mulher foi arrumar as estantes.
Daí a pouco ela me chamou correndo. Ela riu da minha memória porque encontrou outro exemplar de “Nada é o que parece ser”, no meio de uma pilha de livros novos.
_As capas são diferentes. O mais novo é da Editora Benvirá e este outro, mais velho, é da Editora Arx – eu disse.
Mesmo assim minha mulher achou graça da minha memória. Dei de ombros. Essas coisas acontecem, eu pensei. Não significam nada. É só uma vontade muito grande de ler o livro. Além disso, é uma grande escritora. Posso embrulhar para presente e deixar guardado. Sempre aparece um aniversário de última hora, é muito bom e recomendável ter algo à mão. E um livro é sempre um ótimo presente.
Voltei para o armário que eu estava pintando de vermelho. Pensei em deixá-lo com uma aparência mais envelhecida, usando graxa de sapato e cera. Trabalhei com cuidado, usando uma cera de sapato velha que tinha. Ia começar a usar uma lixa fina quando a minha mulher me chamou novamente.
Ao entrar no escritório ela gargalhava. Havia encontrado mais um volume de “Nada é o que parece ser”. Dessa vez era outro exemplar da Editora Arx. Eu não tinha desculpas.
_Deixe aí, vou embrulhar os dois. Vão ficar prontos para algum presente de emergência – eu disse.
_Mas por quê você não troca o exemplar que acabou de comprar?
_Porque não fiz a ficha de troca e nem sei onde coloquei a nota de compra. Mas não se preocupe – eu disse.
_Você não tem medo de esquecer os livros embrulhados?
_Não, mas essas coisas podem acontecer, você sabe. Uma vez fiz um pente fino na estante e encontrei quatro exemplares de “O alvo móvel”, de Ross Macdonald. Eram livros de bolso, certamente comprados na época em que eu almoçava sempre no shopping. Naquele tempo eu lia muitos romances policiais. Uma outra vez encontrei cinco exemplares de “Moby Dick”, dois ainda estavam com o plástico. Mas isso também é compreensível, porque é um clássico e um dos meus livros prediletos. Os três “Invisible”, do Paul Auster, seriam mais difíceis de explicar, se você não soubesse tratar-se de um clássico contemporâneo, um dos livros mais brilhantes da década. Então?
_Então o quê?
_Posso ir agora?
_Só depois de você me dizer que livros são aqueles ali, embrulhados para presente.
_São presentes, oras.
_Você não acha que vamos ficar com muitos presentes de aniversário?
_Não, de jeito nenhum. Além disso, agosto e setembro são meses campeões de aniversários, periga até faltar algum...
Daí a pouco ela me chamou correndo. Ela riu da minha memória porque encontrou outro exemplar de “Nada é o que parece ser”, no meio de uma pilha de livros novos.
_As capas são diferentes. O mais novo é da Editora Benvirá e este outro, mais velho, é da Editora Arx – eu disse.
Mesmo assim minha mulher achou graça da minha memória. Dei de ombros. Essas coisas acontecem, eu pensei. Não significam nada. É só uma vontade muito grande de ler o livro. Além disso, é uma grande escritora. Posso embrulhar para presente e deixar guardado. Sempre aparece um aniversário de última hora, é muito bom e recomendável ter algo à mão. E um livro é sempre um ótimo presente.
Voltei para o armário que eu estava pintando de vermelho. Pensei em deixá-lo com uma aparência mais envelhecida, usando graxa de sapato e cera. Trabalhei com cuidado, usando uma cera de sapato velha que tinha. Ia começar a usar uma lixa fina quando a minha mulher me chamou novamente.
Ao entrar no escritório ela gargalhava. Havia encontrado mais um volume de “Nada é o que parece ser”. Dessa vez era outro exemplar da Editora Arx. Eu não tinha desculpas.
_Deixe aí, vou embrulhar os dois. Vão ficar prontos para algum presente de emergência – eu disse.
_Mas por quê você não troca o exemplar que acabou de comprar?
_Porque não fiz a ficha de troca e nem sei onde coloquei a nota de compra. Mas não se preocupe – eu disse.
_Você não tem medo de esquecer os livros embrulhados?
_Não, mas essas coisas podem acontecer, você sabe. Uma vez fiz um pente fino na estante e encontrei quatro exemplares de “O alvo móvel”, de Ross Macdonald. Eram livros de bolso, certamente comprados na época em que eu almoçava sempre no shopping. Naquele tempo eu lia muitos romances policiais. Uma outra vez encontrei cinco exemplares de “Moby Dick”, dois ainda estavam com o plástico. Mas isso também é compreensível, porque é um clássico e um dos meus livros prediletos. Os três “Invisible”, do Paul Auster, seriam mais difíceis de explicar, se você não soubesse tratar-se de um clássico contemporâneo, um dos livros mais brilhantes da década. Então?
_Então o quê?
_Posso ir agora?
_Só depois de você me dizer que livros são aqueles ali, embrulhados para presente.
_São presentes, oras.
_Você não acha que vamos ficar com muitos presentes de aniversário?
_Não, de jeito nenhum. Além disso, agosto e setembro são meses campeões de aniversários, periga até faltar algum...
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Um dia corrido
Minha mulher me acordou durante a noite porque tinha tido um pesadelo. Ela tremia sob o cobertor quando a abracei, então acho que ela também estava com frio. De manhã esqueci de perguntar qual tinha sido o pesadelo. Depois não pensei mais nisso. Não deu tempo. Pela primeira vez desde que as crianças entraram de férias ninguém acordou antes das oito. Portanto, hoje, pela primeira vez, o jardineiro resolveu ser pontual e chegou às oito e ponto. Em geral, o cara chega às nove. Eu não consegui encontrar os chinelos, de modo que desci as escadas correndo, descalço mesmo. Estava um gelo.
Depois que eu instruí o jardineiro para as tarefas do dia, nem deu tempo de tomar um café, tive que sair correndo para resolver um outro pepino. Quando voltei, um delicioso sanduíche de mortadela esperava por mim. Rafa, o cachorro shi-tsu da minha filha, ficou me olhando com os olhos de pidão dele, mas ele não pode comer mortadela. Depois disso, fiz uma pesquisa de preços para arrumar o portão eletrônico da casa, que está no manual. Funciona super-bem no manual, mas no período de chuvas será super-chato descer para abrir e fechar o portão toda hora. Acertei uma visita técnica para depois do almoço. Então fui correndo tratar de terminar o armário de ferramentas que estou construindo. O tempo passou voando e não consegui fazer muita coisa com relação ao armário. Quando sentei para almoçar com a minha mulher e as crianças, o técnico do portão chegou para a visita técnica. Deixei o almoço de lado.
O sujeito fez um orçamento dentro do meu limite e acertei a empreitada. Mas gastei quase duas horas de conversa e idas e vindas para definir o melhor jeito de consertar o portão. O grande problema era a fonte de energia para acionar o portão. Os dutos estão entupidos e não passam o fio guia. Então tivemos que localizar uma tomada alternativa para levar energia até a porta da garagem. Decidimos fazer uma ligação com uma tomada na entrada da casa, que seria depois devidamente camuflada por um trabalho de alvenaria. Com tudo combinado, o técnico foi embora. Aí fui combinar o trabalho de alvenaria com o jardineiro, que é meio faz-tudo. Depois de acertar o serviço com o jardineiro eu vou até o portão e descubro uma tampa verde. Ela possui um palmo de terra e também uma provável fonte de energia mais próxima para o motor do portão.
Nesse meio tempo, chegaram os sujeitos para instalar as películas nos vidros dos banheiros. Então, enquanto acompanhava os caras, resolvi consertar o computador do meu filho, um XP antigo que passei para ele. TEntei e nada. Pedi socorro para o Rodrigão. Ele me deu bons conselhos mas acho que devo ter feito alguma besteira, porque o PC piorou. Os caras da película também não se saíram muito bem. Não conseguiram concluir o serviço e amanhã terão de substituir algumas das películas que aplicaram, porque estavam muito mal colocadas.
Foi um dia meio corrido também porque recebemos quatro visitas enquanto tudo isso acontecia. Ufa. Para relaxar, resolvemos ver um filme da Barbie com pipocas e cobertor. Meu filho fez muxoxo, mas anteontem nós vimos X-Men, ontem teve jogo e hoje é o dia das meninas mandarem na TV.
Depois que eu instruí o jardineiro para as tarefas do dia, nem deu tempo de tomar um café, tive que sair correndo para resolver um outro pepino. Quando voltei, um delicioso sanduíche de mortadela esperava por mim. Rafa, o cachorro shi-tsu da minha filha, ficou me olhando com os olhos de pidão dele, mas ele não pode comer mortadela. Depois disso, fiz uma pesquisa de preços para arrumar o portão eletrônico da casa, que está no manual. Funciona super-bem no manual, mas no período de chuvas será super-chato descer para abrir e fechar o portão toda hora. Acertei uma visita técnica para depois do almoço. Então fui correndo tratar de terminar o armário de ferramentas que estou construindo. O tempo passou voando e não consegui fazer muita coisa com relação ao armário. Quando sentei para almoçar com a minha mulher e as crianças, o técnico do portão chegou para a visita técnica. Deixei o almoço de lado.
O sujeito fez um orçamento dentro do meu limite e acertei a empreitada. Mas gastei quase duas horas de conversa e idas e vindas para definir o melhor jeito de consertar o portão. O grande problema era a fonte de energia para acionar o portão. Os dutos estão entupidos e não passam o fio guia. Então tivemos que localizar uma tomada alternativa para levar energia até a porta da garagem. Decidimos fazer uma ligação com uma tomada na entrada da casa, que seria depois devidamente camuflada por um trabalho de alvenaria. Com tudo combinado, o técnico foi embora. Aí fui combinar o trabalho de alvenaria com o jardineiro, que é meio faz-tudo. Depois de acertar o serviço com o jardineiro eu vou até o portão e descubro uma tampa verde. Ela possui um palmo de terra e também uma provável fonte de energia mais próxima para o motor do portão.
Nesse meio tempo, chegaram os sujeitos para instalar as películas nos vidros dos banheiros. Então, enquanto acompanhava os caras, resolvi consertar o computador do meu filho, um XP antigo que passei para ele. TEntei e nada. Pedi socorro para o Rodrigão. Ele me deu bons conselhos mas acho que devo ter feito alguma besteira, porque o PC piorou. Os caras da película também não se saíram muito bem. Não conseguiram concluir o serviço e amanhã terão de substituir algumas das películas que aplicaram, porque estavam muito mal colocadas.
Foi um dia meio corrido também porque recebemos quatro visitas enquanto tudo isso acontecia. Ufa. Para relaxar, resolvemos ver um filme da Barbie com pipocas e cobertor. Meu filho fez muxoxo, mas anteontem nós vimos X-Men, ontem teve jogo e hoje é o dia das meninas mandarem na TV.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
terça-feira, 12 de julho de 2011
As estantes no chão
Aqui estão quase todos os livros da casa. Estão bem do meu lado, enquanto escrevo. São catorze pilhas de livros, de um metro de altura cada uma. As estantes estão vazias, à espera de uma definição decorativa definitiva da minha mulher. Eu não me meto em decoração.
Ao alcance da minha mão direita, no topo das cinco pilhas mais próximas, estão "71 contos de Primo Levi", "Borges e Sábato - Diálogos", "Cartas a Théo"(Van Gogh), "A Linha de Sombra"(Joseph Conrad) e "Endurance"(Caroline Alexander).
O primeiro foi presente recente do Cabeça, os diálogos de Borges e Sábato foi achado no sebo há uns cinco anos, as cartas fazem parte da minha mania de Van Gogh há anos, o livro de Conrad comprei na banca junto com a Folha e o Endurance também foi um presente que ganhei de um casal de amigos da Bahia.
É gozado como não preciso fazer nenhum esforço para me lembrar de nada relacionado aos livros que eu gosto. Os que eu não gosto eu esqueço em algum lugar.
São onze da noite e fico com pena dos livros no chão.
_Amor, já posso colocar os livros nas estantes? - eu disse.
_Não, senhor. Ainda não sei se as estantes vão ficar desse jeito. Só amanhã é que eu vou pensar nisso - disse a minha mulher.
E aqui estou eu sem conseguir pensar direito, folheando os livros, esperando ser fisgado. Sempre faço assim, folheio um livro como quem não quer nada, lá pela metade. Se alguma coisa me agradou, vou até a primeira página e vejo se o início é uma puxada de anzol a seco ou se a isca está ali, brilhante e atraente. E aí, quando vejo, estou ali, me debatendo com os parágrafos aos saltos, feito uma truta pescada na América(Fishing Trout... - livro que o meu amigo Selva Brasilis me apresentou há muitos e muitos anos em Brasília - também está bem perto da minha mão, no topo da sexta pilha).
Mas já é tarde e amanhã será um dia cheio de compromissos.
Ao alcance da minha mão direita, no topo das cinco pilhas mais próximas, estão "71 contos de Primo Levi", "Borges e Sábato - Diálogos", "Cartas a Théo"(Van Gogh), "A Linha de Sombra"(Joseph Conrad) e "Endurance"(Caroline Alexander).
O primeiro foi presente recente do Cabeça, os diálogos de Borges e Sábato foi achado no sebo há uns cinco anos, as cartas fazem parte da minha mania de Van Gogh há anos, o livro de Conrad comprei na banca junto com a Folha e o Endurance também foi um presente que ganhei de um casal de amigos da Bahia.
É gozado como não preciso fazer nenhum esforço para me lembrar de nada relacionado aos livros que eu gosto. Os que eu não gosto eu esqueço em algum lugar.
São onze da noite e fico com pena dos livros no chão.
_Amor, já posso colocar os livros nas estantes? - eu disse.
_Não, senhor. Ainda não sei se as estantes vão ficar desse jeito. Só amanhã é que eu vou pensar nisso - disse a minha mulher.
E aqui estou eu sem conseguir pensar direito, folheando os livros, esperando ser fisgado. Sempre faço assim, folheio um livro como quem não quer nada, lá pela metade. Se alguma coisa me agradou, vou até a primeira página e vejo se o início é uma puxada de anzol a seco ou se a isca está ali, brilhante e atraente. E aí, quando vejo, estou ali, me debatendo com os parágrafos aos saltos, feito uma truta pescada na América(Fishing Trout... - livro que o meu amigo Selva Brasilis me apresentou há muitos e muitos anos em Brasília - também está bem perto da minha mão, no topo da sexta pilha).
Mas já é tarde e amanhã será um dia cheio de compromissos.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Dia do homem
Eu estou no shopping com a minha mulher e a minha filha, de frente para a vitrine da loja que anuncia o Dia do Homem. Será comemorado no dia 15 de julho.
_Paiê, o que você quer ganhar no Dia do Homem?
_Meias, lenço ou gravata - eu disse.
_Não, paiê, fala sério - disse a minha filha.
_Tá bom, só quero o par de meias, mas tem que ser meia soquete preta cano longo. Eu não gosto dessas meias de cano curto. Fico com frio nas canelas - eu disse.
_Você tem uma gaveta cheia de meias pretas - disse a minha mulher.
_Mas só tenho duas soquetes. E além disso fui pego de surpresa com essa história de Dia do Homem. Eu nunca tinha ouvido falar disso antes.
_É coisa nova. Tem relação com a baixa auto-estima dos homens - falou a minha mulher.
_A do outros é baixinha, é?
_A dos homens, em geral, é baixa. Em função disso, por exemplo, as mulheres vivem mais - disse a minha mulher.
_E será que esse dia do homem vai da Ibope? - eu disse.
Nem esperei resposta. Se existir concentração para comemorar o Dia do Homem, farei como alguns dos craques de futebol, saltarei de banda. Se houver passeata, me incluirei fora dela. Não que eu não ache merecido comemorar o Dia do Homem. Acho sim. Deviam até reservar mais de um dia por ano. Pra fazer justiça mesmo, tinha que ser uma semana. Mas pra começar, um dia já está de bom tamanho.
_Paiê, o que você quer ganhar no Dia do Homem?
_Meias, lenço ou gravata - eu disse.
_Não, paiê, fala sério - disse a minha filha.
_Tá bom, só quero o par de meias, mas tem que ser meia soquete preta cano longo. Eu não gosto dessas meias de cano curto. Fico com frio nas canelas - eu disse.
_Você tem uma gaveta cheia de meias pretas - disse a minha mulher.
_Mas só tenho duas soquetes. E além disso fui pego de surpresa com essa história de Dia do Homem. Eu nunca tinha ouvido falar disso antes.
_É coisa nova. Tem relação com a baixa auto-estima dos homens - falou a minha mulher.
_A do outros é baixinha, é?
_A dos homens, em geral, é baixa. Em função disso, por exemplo, as mulheres vivem mais - disse a minha mulher.
_E será que esse dia do homem vai da Ibope? - eu disse.
Nem esperei resposta. Se existir concentração para comemorar o Dia do Homem, farei como alguns dos craques de futebol, saltarei de banda. Se houver passeata, me incluirei fora dela. Não que eu não ache merecido comemorar o Dia do Homem. Acho sim. Deviam até reservar mais de um dia por ano. Pra fazer justiça mesmo, tinha que ser uma semana. Mas pra começar, um dia já está de bom tamanho.
domingo, 10 de julho de 2011
O livro na gaveta
Estou com um livro de contos do Norman Mailer na minha gaveta. Chama-se "A Maior Coisa do Mundo". Comprei há muitos anos, quando ainda morava no apartamento junto com os meus pais. Naquela época eu podia ver um sebo de livros da janela do meu quarto. O sebo era um dos meus lugares prediletos. Ia tantas vezes lá que sabia onde estavam os melhores livros. Na verdade eu vivia escondendo livros que eu queria comprar, mas não tinha grana, em prateleiras diferentes.
Esse livro de contos foi um desses livros. Escrito à lápis, no canto direito da primeira página, está a sigla MX. Por cima está escrito 1,5. Devo ter ficado umas duas semanas mudando esse livro de lugar no sebo. Economizava a mesada para comprar cada livro da minha estante. Às vezes pedia para levar fiado e depois acertava com um sujeito que trabalhava no sebo. Mas isso não era frequente. O sujeito era muito mal-encarado. Usava barba e fumava feito louco. Naquele tempo ninguém se importava com fumaça dentro de loja.
Por quê eu escondia o livro em outras estantes temáticas dentro do sebo? Ora, outros malucos também frequentavam muito o local. Tinha o Mauro, que sempre entrava na loja de casaco, fizesse sol ou chuva. Ele acreditava que ninguém percebia seus furtos de livros. Felizmente ele gostava de livros de História, especialmente da II Gerra Mundial. Tinha o Estevão, que era viciado em livros de xadrez. Honesto, Estevão pechinchava centavos. Havia ainda o Tonho, que era metido a filósofo e o mais perigoso de todos, o Humberto.
Esse Humberto era um grandalhão que andava de boina. O cara era um rato de sebo, com interesses variados, mas gostava muito de literatura norte-americana. Ora, eu também adoro. Então eu escondia o Norman Mailer nas outras estantes. Lembro que enfiei esse livro na estante dos livros de xadrez. Dei azar. O Estevão, honestíssimo, localizou o exemplar e o levou para o balcão. O barbudo fumante o recolocou na estante da literatura norte-americana.
No dia seguinte, procurei o Norman Mailer na estante dos livros de xadrez e nada. Demorei duas visitas ao sebo para tornar a localizá-lo na estante de origem. Já havia até desistido, imaginando que o Humberto tivesse levado o livro. Mas continuava sem grana, tive que escondê-lo novamente. Então eu o levei para a estante de História. O Mauro era um larápio furtivo, mas não iria levar um livro de contos para casa debaixo do casaco. O negócio dele eram os livros sobre Himmler, Goebbels e a frente russa.
Uns dias depois, com checagem do exemplar quase diária, eu finalmente estava com os 1,5 ou MX para comprar o livro. Corro ao sebo e quase piro. O Humberto está no balcão, com o livro na mão, conversando com o barbudo fumante.
_...com a capa muito suja. Não tem outro? - disse o Humberto.
_Está muito boa essa capa. E não, não tem outro. É pegar ou largar - disse o balconista barbudo e fumante.
_Então eu largo - disse o Humberto.
E deixou o livro em cima do balcão. Refugiado na estante dos livros de xadrez observei a saída triunfal do Humberto e o balconista recolocar o livro de contos de Norman Mailer na estante correta. Depois que fez isso, ele me olhou e sorriu com o cigarro na boca.
Naquele dia eu acabei comprando um excelente livro em espanhol sobre aberturas de xadrez e uso de cavalos. Só comprei o livro do Norman Mailer uma ou duas semanas depois.
Esse livro de contos foi um desses livros. Escrito à lápis, no canto direito da primeira página, está a sigla MX. Por cima está escrito 1,5. Devo ter ficado umas duas semanas mudando esse livro de lugar no sebo. Economizava a mesada para comprar cada livro da minha estante. Às vezes pedia para levar fiado e depois acertava com um sujeito que trabalhava no sebo. Mas isso não era frequente. O sujeito era muito mal-encarado. Usava barba e fumava feito louco. Naquele tempo ninguém se importava com fumaça dentro de loja.
Por quê eu escondia o livro em outras estantes temáticas dentro do sebo? Ora, outros malucos também frequentavam muito o local. Tinha o Mauro, que sempre entrava na loja de casaco, fizesse sol ou chuva. Ele acreditava que ninguém percebia seus furtos de livros. Felizmente ele gostava de livros de História, especialmente da II Gerra Mundial. Tinha o Estevão, que era viciado em livros de xadrez. Honesto, Estevão pechinchava centavos. Havia ainda o Tonho, que era metido a filósofo e o mais perigoso de todos, o Humberto.
Esse Humberto era um grandalhão que andava de boina. O cara era um rato de sebo, com interesses variados, mas gostava muito de literatura norte-americana. Ora, eu também adoro. Então eu escondia o Norman Mailer nas outras estantes. Lembro que enfiei esse livro na estante dos livros de xadrez. Dei azar. O Estevão, honestíssimo, localizou o exemplar e o levou para o balcão. O barbudo fumante o recolocou na estante da literatura norte-americana.
No dia seguinte, procurei o Norman Mailer na estante dos livros de xadrez e nada. Demorei duas visitas ao sebo para tornar a localizá-lo na estante de origem. Já havia até desistido, imaginando que o Humberto tivesse levado o livro. Mas continuava sem grana, tive que escondê-lo novamente. Então eu o levei para a estante de História. O Mauro era um larápio furtivo, mas não iria levar um livro de contos para casa debaixo do casaco. O negócio dele eram os livros sobre Himmler, Goebbels e a frente russa.
Uns dias depois, com checagem do exemplar quase diária, eu finalmente estava com os 1,5 ou MX para comprar o livro. Corro ao sebo e quase piro. O Humberto está no balcão, com o livro na mão, conversando com o barbudo fumante.
_...com a capa muito suja. Não tem outro? - disse o Humberto.
_Está muito boa essa capa. E não, não tem outro. É pegar ou largar - disse o balconista barbudo e fumante.
_Então eu largo - disse o Humberto.
E deixou o livro em cima do balcão. Refugiado na estante dos livros de xadrez observei a saída triunfal do Humberto e o balconista recolocar o livro de contos de Norman Mailer na estante correta. Depois que fez isso, ele me olhou e sorriu com o cigarro na boca.
Naquele dia eu acabei comprando um excelente livro em espanhol sobre aberturas de xadrez e uso de cavalos. Só comprei o livro do Norman Mailer uma ou duas semanas depois.
sábado, 9 de julho de 2011
Os bueiros de Brasília
No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte os bueiros explodem. Existem dezenas de explicações para os bueiros explodirem, a principal é a falta de manutenção. Isso para mim é uma coisa extraordinária, porque desde que me entendo por gente existem bueiros, mas explosão é coisa nova, só de uns meses pra cá é que comecei o ouvir notícias disso.
Também fiquei impressionado com a força da explosão. O bueiro fica parecendo um bico de Bunsen, um maçarico gigante para torrar seres humanos e criaturas nas proximidades.
Em Brasília ainda não explodem bueiros. Mas alguns ministros saem torrados de suas tocas.
Também fiquei impressionado com a força da explosão. O bueiro fica parecendo um bico de Bunsen, um maçarico gigante para torrar seres humanos e criaturas nas proximidades.
Em Brasília ainda não explodem bueiros. Mas alguns ministros saem torrados de suas tocas.
terça-feira, 5 de julho de 2011
O sigilo eterno
É crime violar a correspondência. Não sei quanto tempo uma pessoa pode pegar de cadeia caso seja condenada por esse crime. Eu, por exemplo, posso estar correndo o risco de ser condenado à prisão perpétua, porque já abri muitas cartas e envelopes que não eram endereçadas para mim. Mas tenho atenuantes razoáveis.
Todas as vezes que abri correspondência alheia eu o fiz sem a intenção de bisbilhotar, mas só e somente porque o envelope havia sido colocado junto a outros na minha caixa de correio. Isso acontecia muito no edifício em que eu morava. Eu abria a caixa de correio e lá estavam vários envelopes, um envelopão e um monte de propaganda não envelopada. Os primeiros eu ainda olhava o nome impresso, mas o restante era sumariamente aberto e só depois disso é que eu percebia que a mensagem não era pra mim. Infelizmente, em todos os anos passados em edifício de apartamentos jamais abri qualquer mensagem relevante.
Em geral, eram propagandas endereçadas a antigos moradores do apartamento. Havia também propagandas semi-disfarçadas de velhos prestadores de serviço do morador anterior. Uma vez abri um belo cartão de natal de um dentista e fiquei super-feliz naquele ano, porque foi o único cartão de natal que recebi. Fiquei tão feliz que acabei indo me consultar com o tal dentista. Mas ele não era tão bom quanto o cartão que enviou. Desisti de tratar de dentes com o sujeito porque ele sempre me perguntava se eu fazia questão de anestesia. Eu disse que fazia e faço mesmo, quem é que gosta de sentir dor?
O episódio me deixou meio desconfiado de dentista. E quando esse tal dentista me pediu para consultar um outro especialista, a desconfiança aumentou muito quando o sujeito também me deu um envelope com uma carta escrita à mão para entregar a esse especialista.
_Vai me dizer que você abriu o envelope? - disse a minha mãe, quando eu contei para ela o que vou contar daqui a pouco.
_É claro. Eu precisava saber qual era a mensagem.
_Ora, é lógico que eram informações técnicas sobre o seu tratamento - disse a minha mãe.
_Sim, mas eu precisava checar. E se o dentista fosse um espião internacional e estivesse usando o disfarce de dentista para esconder informações secretas na coroa do meu dente?
_Que informações? - disse a minha mãe.
_Sei lá, as informações do sigilo eterno. O resultado das licitações dos estádios da copa. As razões de manterem o Mano no comando da seleção. A senhora não leria a correspondência que o dentista mandass para outro especialista?
_Nunquinha - disse a minha mãe.
_E se nela o dentista escrever alguma coisa como "ela curte dor". Ou "maltrate a velhinha", ou "motorzinho nela".
_Credo - disse mamãe.
_É, nos dias de hoje o melhor é não facilitar - eu disse.
Todas as vezes que abri correspondência alheia eu o fiz sem a intenção de bisbilhotar, mas só e somente porque o envelope havia sido colocado junto a outros na minha caixa de correio. Isso acontecia muito no edifício em que eu morava. Eu abria a caixa de correio e lá estavam vários envelopes, um envelopão e um monte de propaganda não envelopada. Os primeiros eu ainda olhava o nome impresso, mas o restante era sumariamente aberto e só depois disso é que eu percebia que a mensagem não era pra mim. Infelizmente, em todos os anos passados em edifício de apartamentos jamais abri qualquer mensagem relevante.
Em geral, eram propagandas endereçadas a antigos moradores do apartamento. Havia também propagandas semi-disfarçadas de velhos prestadores de serviço do morador anterior. Uma vez abri um belo cartão de natal de um dentista e fiquei super-feliz naquele ano, porque foi o único cartão de natal que recebi. Fiquei tão feliz que acabei indo me consultar com o tal dentista. Mas ele não era tão bom quanto o cartão que enviou. Desisti de tratar de dentes com o sujeito porque ele sempre me perguntava se eu fazia questão de anestesia. Eu disse que fazia e faço mesmo, quem é que gosta de sentir dor?
O episódio me deixou meio desconfiado de dentista. E quando esse tal dentista me pediu para consultar um outro especialista, a desconfiança aumentou muito quando o sujeito também me deu um envelope com uma carta escrita à mão para entregar a esse especialista.
_Vai me dizer que você abriu o envelope? - disse a minha mãe, quando eu contei para ela o que vou contar daqui a pouco.
_É claro. Eu precisava saber qual era a mensagem.
_Ora, é lógico que eram informações técnicas sobre o seu tratamento - disse a minha mãe.
_Sim, mas eu precisava checar. E se o dentista fosse um espião internacional e estivesse usando o disfarce de dentista para esconder informações secretas na coroa do meu dente?
_Que informações? - disse a minha mãe.
_Sei lá, as informações do sigilo eterno. O resultado das licitações dos estádios da copa. As razões de manterem o Mano no comando da seleção. A senhora não leria a correspondência que o dentista mandass para outro especialista?
_Nunquinha - disse a minha mãe.
_E se nela o dentista escrever alguma coisa como "ela curte dor". Ou "maltrate a velhinha", ou "motorzinho nela".
_Credo - disse mamãe.
_É, nos dias de hoje o melhor é não facilitar - eu disse.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
A aliança no ralo
Ouvindo Matte Kudasai - King Crimson
Eu estava me preparando para sair com o Rafa para um passeio rápido quando ouvi o grito de socorro no andar de cima. Subi as escadas de três em três degraus e cheguei ao banheiro.
_O que foi? O que foi? - eu disse.
Minha mulher estava dentro da banheira com uma pinça na mão.
_Minha aliança caiu no ralo! Não consigo pegar - ela disse.
_Calma, calma, muita calma nessa hora. Para tudo há uma solução. Não se preocupe. Vamos dar um jeito. O importante é manter o autocontrole. Respire fundo - eu disse.
_Que respirar, o quê? É a MINHA aliança de casamento! - disse a minha mulher.
_Caramba! Não consigo ver nada! - eu disse.
_Mas está aí dentro, eu vi quando ela caiu.
_Seja como for, não dá para alcançar com a pinça. Talvez se eu pegar uma pinça maior - eu disse.
Mas aquela era a maior pinça da casa. Pensei em arrumar um arame, mas nessa hora da noite eu não encontraria um arame nem se pagasse em euros. Pensei em tirar a tampa do ralo e checar a área, mas teria que descer e pegar a chave de fenda na caixa de ferramentas. O problema é que eu não me lembrava se o ralo da banheira se comunicava diretamente com o ralo geral do banheiro. Meu medo é que a água do ralo primeiro passasse por um recipiente próximo ao motor da banheira. Se eu ligasse a água, o anel poderia se prender em alguma coisa e eu teria que mandar remover a banheira para recuperar o anel. Também fiquei pensando em abrir a torneira ao mesmo tempo em que passava uma peneira no ralo. Para isso, eu precisava de uma peneira pequena. Pelo que eu me lembrava, não havia uma pequena que coubesse ali. Também pensei um filtro de papel e até no ralador de queijo para servir de peneira. Se nada desse certo, eu teria que interditar o banheiro até que um bombeiro encontrasse uma solução.
Enquanto eu matutava essas coisas, minha mulher sumiu do banheiro. Bem na hora em que já havia decidido a coar a água do ralo com um pano de chão, minha mulher voltou. Trazia o aspirador de pó.
Recuperamos a aliança em 15 segundos.
Eu estava me preparando para sair com o Rafa para um passeio rápido quando ouvi o grito de socorro no andar de cima. Subi as escadas de três em três degraus e cheguei ao banheiro.
_O que foi? O que foi? - eu disse.
Minha mulher estava dentro da banheira com uma pinça na mão.
_Minha aliança caiu no ralo! Não consigo pegar - ela disse.
_Calma, calma, muita calma nessa hora. Para tudo há uma solução. Não se preocupe. Vamos dar um jeito. O importante é manter o autocontrole. Respire fundo - eu disse.
_Que respirar, o quê? É a MINHA aliança de casamento! - disse a minha mulher.
_Caramba! Não consigo ver nada! - eu disse.
_Mas está aí dentro, eu vi quando ela caiu.
_Seja como for, não dá para alcançar com a pinça. Talvez se eu pegar uma pinça maior - eu disse.
Mas aquela era a maior pinça da casa. Pensei em arrumar um arame, mas nessa hora da noite eu não encontraria um arame nem se pagasse em euros. Pensei em tirar a tampa do ralo e checar a área, mas teria que descer e pegar a chave de fenda na caixa de ferramentas. O problema é que eu não me lembrava se o ralo da banheira se comunicava diretamente com o ralo geral do banheiro. Meu medo é que a água do ralo primeiro passasse por um recipiente próximo ao motor da banheira. Se eu ligasse a água, o anel poderia se prender em alguma coisa e eu teria que mandar remover a banheira para recuperar o anel. Também fiquei pensando em abrir a torneira ao mesmo tempo em que passava uma peneira no ralo. Para isso, eu precisava de uma peneira pequena. Pelo que eu me lembrava, não havia uma pequena que coubesse ali. Também pensei um filtro de papel e até no ralador de queijo para servir de peneira. Se nada desse certo, eu teria que interditar o banheiro até que um bombeiro encontrasse uma solução.
Enquanto eu matutava essas coisas, minha mulher sumiu do banheiro. Bem na hora em que já havia decidido a coar a água do ralo com um pano de chão, minha mulher voltou. Trazia o aspirador de pó.
Recuperamos a aliança em 15 segundos.
domingo, 3 de julho de 2011
Exercício de memória
Ouvindo Welcome to the machine - Pink Floyd
Encontrei um ex-colega de trabalho na última sexta-feira. Foi um encontro estranho. O sujeito me olhava de um jeito esquisito. Pensei que ele havia esquecido o meu nome e estava sem-graça. Ainda não se passaram seis meses desde o meu desligamento imediato, mas já passei por isso antes. Depois que você é demitido, algumas pessoas esquecem tudo sobre você depois de poucas semanas. Tenho uma certa casca grossa para isso. Eu uso a velha fórmula de dizer o meu nome enquanto cumprimento o sujeito.
_Olá Fulano, sou o Meu Nome , está lembrado? Como vão as coisas?
Mas ao me aproximar com a mão estendida para o sujeito ele recuou como se eu fosse o portador do vírus da gripe aviária. Sou casca grossa para esse tipo de reação também. Nesses casos eu uso a velha fórmula do amestrador de cachorros.
_Calma, amigo, amigo, calma, aqui, amigo, amigo - eu disse, sorrindo um pouco.
Sorrir é importante, as pessoas se sentem mais seguras quando você fala com elas sorrindo. Aprendi essa lendo o Marquês de Sade. Em geral, funciona, como foi o caso. O sujeito relaxou e estendeu a mão. Aí foi a minha vez recolher a mão.
_Puxa, desculpe, pensei que você era o Fulano - eu disse.
_Mas eu sou o Fulano - ele disse.
_Não é, não. Ele me disse que tinha um irmão gêmeo, você não me pega com essa, rá, rá.
-Eu nunca falei nada disso. Eu sou filho único, até.
_Rá, filho único, boa. E aqueles caras que foram presos? E aquela irmã que posou nua? O Fulano me contou tudo sobre vocês.
_Mas isso é impossível...
_Também não é motivo para ficar nervoso. É chato ter criminoso na família, mas eu acho muito importante não descriminar as pessoas pelos erros cometidos. Aliás, seu irmão mesmo já fez muita besteira, mas aposto que você não fica aí falando sobre os erros dele.
_Não, eu...mas eu não tenho irmãos.
_Sim, Papai Noel existe e (fiz uma pausa com a chegada da mulher do fulano). Olá, como vai a senhora? É um prazer enorme, o Fulaninho, irmão do seu marido, me falava muito da senhora.
_Você tem irmãos? - disse a mulher.
_Ele quase nunca fala deles, não é?
_Você é doido! - disse o Fulano e saiu puxando a mulher pelo braço.
Encontrei um ex-colega de trabalho na última sexta-feira. Foi um encontro estranho. O sujeito me olhava de um jeito esquisito. Pensei que ele havia esquecido o meu nome e estava sem-graça. Ainda não se passaram seis meses desde o meu desligamento imediato, mas já passei por isso antes. Depois que você é demitido, algumas pessoas esquecem tudo sobre você depois de poucas semanas. Tenho uma certa casca grossa para isso. Eu uso a velha fórmula de dizer o meu nome enquanto cumprimento o sujeito.
_Olá Fulano, sou o Meu Nome , está lembrado? Como vão as coisas?
Mas ao me aproximar com a mão estendida para o sujeito ele recuou como se eu fosse o portador do vírus da gripe aviária. Sou casca grossa para esse tipo de reação também. Nesses casos eu uso a velha fórmula do amestrador de cachorros.
_Calma, amigo, amigo, calma, aqui, amigo, amigo - eu disse, sorrindo um pouco.
Sorrir é importante, as pessoas se sentem mais seguras quando você fala com elas sorrindo. Aprendi essa lendo o Marquês de Sade. Em geral, funciona, como foi o caso. O sujeito relaxou e estendeu a mão. Aí foi a minha vez recolher a mão.
_Puxa, desculpe, pensei que você era o Fulano - eu disse.
_Mas eu sou o Fulano - ele disse.
_Não é, não. Ele me disse que tinha um irmão gêmeo, você não me pega com essa, rá, rá.
-Eu nunca falei nada disso. Eu sou filho único, até.
_Rá, filho único, boa. E aqueles caras que foram presos? E aquela irmã que posou nua? O Fulano me contou tudo sobre vocês.
_Mas isso é impossível...
_Também não é motivo para ficar nervoso. É chato ter criminoso na família, mas eu acho muito importante não descriminar as pessoas pelos erros cometidos. Aliás, seu irmão mesmo já fez muita besteira, mas aposto que você não fica aí falando sobre os erros dele.
_Não, eu...mas eu não tenho irmãos.
_Sim, Papai Noel existe e (fiz uma pausa com a chegada da mulher do fulano). Olá, como vai a senhora? É um prazer enorme, o Fulaninho, irmão do seu marido, me falava muito da senhora.
_Você tem irmãos? - disse a mulher.
_Ele quase nunca fala deles, não é?
_Você é doido! - disse o Fulano e saiu puxando a mulher pelo braço.
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