Passei parte das férias no litoral bahiano. E foi tudo muito bom, fácil e sem coiserada. Com exceção do primeiro dia, quando banquei o teimoso e fui de chinelos e camiseta para a praia. Foi chato porque tive que carregar chinelo e camiseta à tôa. Depois disso aprendi e banquei o turista descolado. Só ia de sunga e boné para a praia. Não carregava nada. Deixava as mãos livres para ajudar as crianças com pranchas, baldes e outras tranqueiras. Mas até elas se cansaram de carregar coisas e daí a pouco ninguém levava nada para a praia. A não ser uma graninha para a água de coco e picolés.
Eu gostava de levar dinheiro trocado, para facilitar as transações. Nós íamos cedo para a praia e uma nota de dez já complicava o comércio com os picolezeiros e vendedores de água. Éramos os primeiros fregueses do dia e os caras não tinham troco. As barracas de praia nem estavam abertas, na maioria das vezes. A praia é grande e esperar o troco significaria ter de ficar a postos à espera do retorno do vendedor.
Durante vários dias, fiquei mapeando as bahianas do acarajé da praia. Todas as barracas tinham uma bahiana associada. Fiz pequenas enquetes com os moradores locais, buscando indicações. A bahiana mais indicada era também a que mais demorava a chegar. Como resultado, no horário em que a mulher estava a postos, com os acarajés prontos, eu já não tinha mais dinheiro no boné. Nem adiantava correr até a barraca.
Lá pelo sétimo dia na praia, eu decidi levar uma grana extra para o acarajé, a R$4,50. Torramos os trocados em água de coco e picolés. Minha mulher escoltou as crianças de volta para a casa onde fomos generosamente hospedados por uma família de amigos. Eu decidi empreender a minha missão acarajé. Fazia um sol doido de quente, era quase meio-dia, mas a bahiana não tinha chegado. Decidi esperar. Afinal, aquele era o melhor acarajé da praia. E nada melhor do que provocar a sua fome de acarajé até não aguentar mais e depois acabar de vez com ela com um delicioso...Aí a bahiana do acarajé chegou. Vestida a trabalho, com um monte de tranqueiras, auxiliada por um monte de meninos carregadores. Num instante ela organizou o espaço de trabalho e se sentou, senhora do acarajé. Era uma mulher de mais de vinte e menos de quarenta, com um sorriso largo que a deixava bonita. Mas não era simpática, o que não a deixava ser atraente. Não era feia, mas parecia irritada, o que a enfeiava.
Cumprimentei a bahiana. Tentei ser simpático, falei do sol inclemente. Mas acho que fui mal compreendido. Ela não foi muito amistosa com as respostas. Por fim, perguntei desastradamente em quanto tempo ela teria alguns acarajés prontos.
_Moço, isso aqui não é lanchonete. O acarajé vai ficar pronto quando ficar pronto - ela disse, irritada.
Pedi desculpas. Disse que não estava querendo apressar a bahianidade. Disse que o acarajé dela era o xodó da praia, todo mundo havia recomendado. Disse maravilhas e desfilei elogios rasgados para o acarajé da bahiana. Consegui arrancar um sorriso de desculpas aceitas. Mas depois ela fechou a cara e trabalhou sem pressa preparando os bolos e ajeitando as bandejas de camarão, vinagrete e pimenta. Por fim, acendeu o fogareiro para ferver o óleo.
Esperei pacientemente. Dei uma pequena saída com a idéia de comprar um refrigerante e conter a salivação intensa de vontade de comer acarajé. Mas nem comprei nada. Quando voltei, já não era mais o primeiro freguês, uma pequena fila já havia se formado. Cinco sujeitos, uma gangue de jogadores de basquete perdidos na Bahia, estavam na minha frente. Os caras eram altos, fortes e não sabiam o que significa ser "politicamente correto". Ou talvez soubessem e não dessem a mínima.
Todas as mulheres que passavam por perto eram saudadas com furor:
_Aê, gostosa!
_Aê, popozuda!
_Quero um filho teu!
_É disso que eu tô precisando!
As mulheres passavam resmungando. Eu olhava para baixo. Também cocei o boné. Acenei para um conhecido imaginário lá do outro lado da barraca de praia. Por sorte, um cara respondeu ao aceno, com o polegar, fazendo sinal de positivo. Aquilo deu a impressão de que eu não estava sozinho no pedaço. A baiana atendeu aos gigantes com um belo sorriso. Não vi nenhunm deles pagando. Ficaram ali perto, devorando os acarajés. Quando chegou a minha vez, pedi um acarajé com pimenta.
_Moço, essa pimenta é forte. Tem certeza de que vai ser com pimenta?
_Sim, por favor - eu disse, duvidando de mim mesmo. E já estendi a nota de dez para pagar o acarajé.
_Moço, não tem trocado?
_Não.
_Então vai ter que esperar troco, como eles - disse a bahiana. E os cinco caras sorriram ao mesmo tempo, começando uma nova sessão de assobios, apupos e epítetos para as mulheres que passavam.
_Aê, tesuda! Aê, sarada! Cabeluda! Tarada!
Era quase uma hora.
Achei melhor desistir do acarajé naquele dia.
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