sábado, 23 de janeiro de 2010

O homem lagosta de Marte

Descobri rapidamente que não consigo contar nada cronologicamente. Também não tenho a menor aptidão para mímica, dança, música e pintura por números.

Portanto, vou contar as coisas que aconteceram nas férias fora da ordem cronológica.

Acho que vou seguir uma ordem aleatória. O que é quase desordem. Quando eu ia à praia, eu não costumava seguir o preceito lógico de me lambuzar de protetor solar e depois começar a andar na areia. Não. Isso me parecia um contrasenso para a atitude anárquica de simplesmente estar de férias, sem nenhuma programação estabelecida, sem rituais pré-ordenados ou sem andar na areia.

Metade da ida à praia para mim é andar, embora eu não considere andar um ritual. E como eu não costumava usar protetor solar, em geral, os primeiros dias eram sem protetor e bem dolorosos. Basta imaginar uma lagosta cozida tentando encontrar um ponto ileso rolando em água fervente para visualizar as minhas primeiras noites de praia, quando eu era apenas mais um rapaz latino-americano tentando dormir sobre um colchão qualquer. Felizmente, a quantidade de sofrimento que o ser humano pode suportar é muito grande. Por isso, naqueles dias a pele ardia muito e mesmo assim era super-legal estar na praia.

Ou talvez a memória seletiva trate logo de amenizar as coisas.

Agora tudo é um pouco diferente. Com as crianças é sempre bom fazer as coisas na ordem certa, para evitar maiores problemas. Então, todos os dias começávamos o dia com a lambuzação de protetor solar. Havia um fator 60, dois fator 30 e um fator 15. Optamos pelo fator 30. Em oito dias, esgotamos dois frascos. Em seguida passamos para o fator 60. Como resultado, as crianças ficaram super protegidas e mesmo assim pegaram uma cor superbacana. Ficaram com a cor da Bahia, uma morenice bonita e saudável.

Mas e eu?

Na véspera de vir embora eu olhei para o espelho e vi um Careca branquelo. Meninos, eu vi. Não era um branco azedo. Era mais um branco assim Moby Dick, calejado, enrugado, à espera do abate por uma embarcação clandestina do Japão. Eu não estava nada atraente com aquela cor. Minha mulher não faria fiu-fiu para mim nem se eu pedisse. E eu sei porque eu pedi.

_Mor(abreviação de Amor), você assobiaria para mim?

_Por quê?

_Sei lá, por segundas intenções?

_Meu bem, com essa forma de pêra e esse branco icterícia minha segunda intenção teria de ser uma viagem a Paris. Sozinha.

_Você anda muito romântica, benhê.

_Sua audição continua péssima, Mor.


Deixei passar. O segredo de um bom casamento consiste em saber apreciar comentários irônicos do parceiro. E naquele dia minha mulher estava inspirada. E eu também estava insatisfeito com a minha cor de "cheguei ontem à noite". Por isso, na véspera de vir embora, durante o ritual de lambuzar de protetor solar, eu deliberadamente não passei protetor solar.

Fiquei pensando nos velhos bons tempos. Na música tema de Rambo II.

O efeito foi rápido. Naquele mesmo dia, minha mulher se aproximou de mim na praia e disse:

_Careca, você está com uma cor sensacional! Parece... parece...

_Jambo? Cacau? Chocolate?

_Não, é aquela cor linda, daquele carro que tem um cavalinho...

_Ferrari?

_Isso, Mor, você parece uma Ferrari vermelha metálica. Está até brilhando.

Liguei os motores e fui até o chuveiro mais próximo, em velocidade máxima. Apesar da sensação de ter virado um lagosta humano, dormi como um príncipe naquela noite.

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