domingo, 20 de dezembro de 2009

O ano que passou e a carta anônima

Era uma festa de amigos. E começamos a falar das coisas que aconteceram no ano. A avaliação geral é de que foi um ano bom. Poderia ter sido melhor, mas não foi um ano ruim. Teve gente que fez mais ressalvas. Eu mesmo fiz algumas, pequenas. Sempre acho que poderia ter feito mais coisas. Ido a mais lugares. Conhecido mais gente. Aprendido mais. Mas agora acho que estou aquietando o facho. Só lamento não ter lido mais.

Fui hoje para a casa dos meus pais. Tenho ainda muitos livros espalhados pelas estantes de lá. Encontrei um livro velho, de oitenta e quatro, no banheiro. Era uma republicação de crônicas de Rubem Braga. Todas as crônicas foram escritas nos primeiros dos anos 50. E Rubem Braga fala em tom de saudades de um Brasil que já não existia mais, com uma melancolia e um saudosismo poético, bonito e viril, ao mesmo tempo.

Li, rapidamente, duas crônicas que escolhi, folheando o livro ao mesmo tempo que perscrutava a memória. Uma crônica falava de Rubem olhando pela janela e vendo um nadador atravessar a linha do horizonte. Em outra, a crônica é uma carta dirigida ao morador do 903, sendo Rubem o vizinho morador do apê 1003 que o perturba com música, pessoas, visitantes e alegria. Ao final da primeira crônica, Rubem exalta o nadador, que, no mínimo, serviu de pretexto para a criação de uma crônica. Na outra, Rubem faz uma apologia ao congraçamento humano para que o vizinho incomodado suba e se junte às próximas festas.

Resolvi imitar o Rubem. Cheguei em casa e olhei pela janela. Um homem passeava com o cachorro. Era um cachorro grande. O cara estava visivelmente entediado com o cachorro. O cachorro tentava arrastar o sujeito para todos os lados. O cachorro fez umas trinta marcas territoriais em poucos minutos. No final, fez o número dois. O sujeito não recolheu os inúmeros números dois.

Sei onde o sujeito mora. É um vizinho de prédio. Vou escrever uma carta para ele. Em nome do congraçamento humano vou pedir para que ele deixe de cachorrada e recolha o que o totó fizer da próxima vez.

Mas aí pensei melhor. O diabo mora nos detalhes. Talvez não fosse prudente assinar a carta. Por outro lado, é uma covardia enviar carta anônima. Sempre achei. Ainda estou nesse dilema. Talvez seja melhor ficar na minha.

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