domingo, 25 de outubro de 2009

Rafael e as borboletas na parede

Minha mulher grudou umas borboletas de cerâmica na parede do quarto da minha filha. São lindas a borboletas. Elas têm umas anteninhas coloridas, lantejoulas, glitter, brilham no escuro. Não sei quantas borboletas estão grudadas. É mais de cinco, menos de dez. São muitas. E elas são apenas borboletas, quero dizer, minha filha não colocou nome nenhum nos bichinhos. Ela gosta de dar nomes. E quando ganham nomes, as coisas dela também ganham pai, mãe e irmão adotivos.

Vejam o Rafael, por exemplo. Rafael é o cachorrinho daqui de casa. É um shitsu, dizem que é "marca" legal. Ela ganhou no aniversário de cinco anos, em setembro. Desde então, em dois meses, o bicho dobrou de tamanho. Antes, cabia num copo. Hoje, já entope a vasilha do liquidificador. Ele também dobrou de preguiça. Parafraseando aquele ex-ministro do Trabalho, o único ser humano daqui de casa com mais preguiça que o cachorrinho sou eu. É uma companhia perfeita. Para assistir televisão. Para exercitar os olhos. Para suspirar de vontade de não fazer nada. Rafael é um convite para o livre ócio. Um estímulo para se ficar a tarde inteira grudado no sofá.

Desde que ganhou nome, Rafael também ganhou um pai(eu), um irmão(meu filho), e duas mães(minha filha e minha mulher). Meu filho o alimenta. Eu dou banho e cuido de alguns descuidos do Rafael. Minha mulher o penteia. Minha filha é quem o mima. E cobre de beijos.

Descobri depois de uma sessão prolongada de beijos e abraços que tenho ciúmes do Rafael. E que a recíproca também é verdadeira. Se eu me aproximo da minha filha quando o Rafael está com ela, o bicho muda a personalidade. De quadrúpede pacato e bonachão, companheiro da nobre arte de não fazer coisa alguma, Rafael passa a bancar o valentão. Late. Rosna. Chateia.

Como é um cachorrinho muito diminutivo, não dá para levar a sério. Mas ele se leva. Por isso, para não magoar o pequeno onívoro, procuro evitar recriminações a beijos e abraços no cachorro quando ele está por perto. Sim, eu achava que essas eram típicas recomendações higiênicas, mas não é nada disso. É ciúme. É ciúme disfarçado de recomendação higiênica. Sim, porque sou eu que dou banho no Rafael e posso garantir que o bicho é limpo. Uso um shampoo bem legal. Eu mesmo poderia dar beijos nesse cachorro. Mas não faço isso. Não dou beijo em bicho nenhum. Nem em peixe. Principalmente em peixe. Talvez seja por preconceito, ou por uma opção de vida diferente, hetero, mais recatada, sem grudação e exagero, coisas que são difíceis para se explicar para uma criança. Eu nem tento. Mas um cafuné eu faço, sem frescuras.

Então? Então é isso. Às vezes, é preciso admitir, tenho ciúmes do Rafael. Mas também entro na fila para fazer carinho nele. O que me consola é que, como qualquer outro ser humano, o Rafael também tem ciúmes de mim. E assim como acontece comigo, às vezes também espera na fila pelo carinho da minha filha. A única diferença é que late.

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