sábado, 17 de outubro de 2009

O Cabeça e o pé da mesa do Bob

Fomos almoçar hoje, depois de vários finais de semana sem nos encontrarmos. Nosso tradicional almoço de sábado com o Cabeça e a Mulher do Cabeça teve lugar no célebre Tétiateti, um lugar metido a afrancesado num shopping da cidade. Antes o Cabeça me avisou para evitar as ruas que estavam congestionadas.

A capital brasileira passa por profundas reformas em suas vias de acesso. E os engarrafamentos aumentam a olhos vistos. Convocaram os engenheiros e resolveram ampliar as vias. Esses caras são determinados. Trabalham quase todos os dias, especialmente quando podem receber horas extras. Eles gostam de produzir engarrafamentos durante a semana. Mas os bons mesmo acontecem no final de semana. Esses caras parecem fazer parte de um complô universal contra o relaxamento e lazer. O que era ruim, deve piorar. Mas graças às dicas do meu amigo, conseguimos chegar ao Tétibitati rapidinho.

O Cabeça e a Mulher do Cabeça estavam vendo tapetes.

_Pô Cabeça, pra quê cê qué tapete? - eu perguntei.

_É pro meu aquário - ele respondeu, com a fleuma britânica que o caracteriza desde a mais tenra idade. Pergunta besta, resposta imbecil, ensinava a Revista Mad. Nada mais verdadeiro.

Papo vai, papo vem. Eu começo a contar alguma coisa. Começo a contar de quando o Cabeça iniciava protestos nos cinemas de filmes intelectualizados que a gente frequentava, nos tempos da universidade. O Cabeça iniciava o burburinho no cinema, comentando em voz alta que a ordem dos rolos havia sido trocada. Em geral, era filme alemão: Herzog, Fassbinder. Ou então sueco, Bergman de preferência.

_Trocou o rolo. Esse cara aí já morreu, olha lá. E aquela mulher ali, olha, é a mesma que faz o papel de faxineira nas primeiras cenas. O projecionista confundiu tudo. Esse projecionista é uma anta!

E pronto. O reboliço estava formado. Daí a pouco ele comentava de novo e as pessoas começavam a protestar contra o projecionista. A ignorância é a mãe de todas as solidariedades, como todo mundo está careca de saber.

A Mulher do Cabeça, que é a psicóloga que faz a cabeça da elite do Distrito Federal, fez uma observação super-inteligente. Algo sobre a intimidade e a interrupção. Ela observou que alguns casais são engraçados, porque um está sempre interrompendo o outro para consertar detalhes e fazer comentários críticos sobre o que o outro está falando. Isso, no mínimo, não é gentil. Mas acontece.

É por isso que a Mulher do Cabeça ganha por hora de trabalho e eu tenho que esperar no mínimo trinta dias para receber. É por isso que eles vão assistir aos jogos da Copa do Mundo na África do Sul e eu vou esperar a Copa do Rio. Demais, a Mulher do Cabeça.

E foi engraçado porque aí eu fiquei me policiando. Eu reparei na quantidade de vezes em que iria interromper as histórias da minha mulher para corrigir um ponto ou outro, um deslize, uma bobagem qualquer da história contada que não faria a menor diferença. Percebi, em mim mesmo e após apenas alguns minutos de auto-observação, que a intimidade pode ser uma coisa bem invasiva. A gente fica assim, meio íntimo e já acha que pode fazer xixi de porta aberta. Especialmente com a conversa dos outros. E o que é pior, muitas vezes a gente quer consertar as conversas dos outros e acaba deixando tudo sem pé nem cabeça. Por isso, decidi, pelo menos pelo resto do dia, ser um Careca mais proativamente positivo. Não interferir. Deixar a coisa fluir. Apenas acompanhar. Ser le-gal. E não o chato de sempre.

E então mudamos de assunto. Falamos de coisas à tôa. E também de coisas importantes. Tivemos notícias do Bob e da Sabrina, que estão muito felizes em São Paulo.

_Lembra daquela mesa do Bob? - perguntou o Cabeça.

_Aquela da garra de bicho? - eu disse.

_Não, aquela, que tinha uma pata, com unhas grandes, esculpidas - ele falou.

_Uma que era assim, meio rústica? - questionei.

_Isso, essa daí - disse o Cabeça.

_Acho que lembro. Tinha umas unhas, né? - confirmei, ainda em dúvida.

_Tenho medo daquela mesa - disse a Mulher do Cabeça.

_Você vai superar isso. Um dia. Ou noite - comentei, em franco apoio à esposa do meu amigo.

_O Bob adora aquela mesa - disse a Mulher do Cabeça.

_É uma mesa adorável - concordei.

_Não sei, acho que não conheço - disse a minha mulher.

_Você compraria uma mesa daquelas? - perguntou o Cabeça.

_Ele está vendendo? - indaguei.

_Não.

_Então não poderia comprar - respondi.

_Não, lá em casa não cabe mais nada - disse a minha mulher.

É bem difícil. Fluir. É bem difícil.

4 comentários:

Liliane disse...

Ai Careca,
Voce também é assim! Já levei cada sermão por causa das minhas interrupções!!Meu marido fala que eu não deixo ele terminar nenhuma estória sequer... E eu nem percebo... Sou chata de galocha! E diferente de voce não consigo nem ao menos notar...

Poliana Paiva disse...

"É uma mesa adorável"
Demais!

Careca disse...

Liliane, às vezes eu também nem percebo. É preciso estar atento e forte...

Careca disse...

Poliana, às vezes menos é mais.
Mas é raro.

Frase do dia