segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O mistério doido do sumiço das notas de 1

Sim, minha querida kombi de leitores, eu não gosto de andar com moedas. Não é que não goste de moedas. Pelo contrário. Gosto tanto de moedas que eu tenho uma coleção delas. Só moedas de dez centavos. Não vale nada, mas é feita com muito esmero. O fato é que não gosto de andar com moedas. Elas tilintam no bolso. Chacoalham. E uma moeda nunca está sozinha, vem sempre acompanhada. Por isso, tilintam. E por causa desse barulho irritante, eu me sinto desconfortável como um cofrinho participando de uma parada militar. Por isso, ao contrário da maioria das pessoas, quando falta troco eu não me importo de pegar os centavos que faltam em balinha. Com isso eu faço o dia da pessoa do caixa mais feliz. E eu gosto de balinhas. Elas não fazem barulho no bolso.

_Moço, não tem troco. Aceita balinha? - pergunta a moça do caixa.

_Hum, não sei não. Que balinha que cê tem aí? - eu digo. Eu gosto de quase tudo quanto é balinha, mas não é bom se fazer de fácil para a moça do caixa.

_Só tem bala de menta.

_Ah, bala de menta eu não gosto. Enjoei. Tem de canela?

_Não, senhor. Só tem de menta e uva. Vai aceitar? - e aí eu não gostei do tom de voz. Soou como se ela estivesse me fazendo um favor e não o contrário.

_Bala de uva deixa a lingua roxa. Bala de menta não tem quem aguenta. Então eu quero o troco em dinheiro, papel-moeda.

_Mas a minha menor nota é de dois reais, senhor.

_Não tem nota de um?

_Não senhor, faz tempo que eu nem vejo nota de um. Só tem moeda de um real.

_Então, me dê a moeda.

_Não, senhor. Eu não tenho moeda nenhuma.

_Mas você não disse que tinha uma moeda de um real.

_Não, senhor. Eu não disse isso. Eu disse...

_Não tem importância. Eu não levar nada - eu digo, e vejo a moça empalidecer. Ela já registrou e é um inferno desregistrar. Ela engole a raiva e inicia o discurso.

_Eu sei o que é isso, senhor. É o horário de verão. Deixa todo mundo irritado. O governo quer que a gente acorde mais cedo, trabalhe e gaste menos energia. Mas o que acontece é que todo mundo acorda mais cedo, trabalha mais e gasta o dobro da energia. Sim, porque quando eu acordo está escuro, não se enxerga nada. E quando eu volto pra casa, está escuro do mesmo jeito, é um horror. E o freguês tem sempre razão, então o senhor já é o terceiro freguês que fica irritado hoje porque eu não tenho troco, não posso fazer nada se aquele rapaz que sempre me ajuda a buscar troco hoje nem apareceu por causa desse maldito horário de verão...

_Não, moça. Você tem razão. Eu também odeio horário de verão. Eu vou levar bala de uva. Não tem a menor importância - e é extraordinário como a irritação mais profunda pode, de repente, se transformar num sorriso de cumplicidade e gratidão.

E as crianças gostaram das balas de uva.

_Pai, o bom da bala de uva é que ela deixa a boca roxa - eles me explicaram.


E o grande mistério permanece. Só acho nota de dois. Acabaram as notas de 1?

2 comentários:

Paulo Bono disse...

Não sei se é porque ando de ônibus,
mas gosto de moedas.
e bala como troco é foda.

abraço,

Careca disse...

Bono, durante muitos anos, nem cheguei perto de balinha. Agora, quanto mais velho eu fico, mais eu gosto.

Frase do dia