Eu não aceito!
Roberto Damatta - O Estado de S.Paulo
Quando o hígido Michel Temer vira poeta e Renan Calheiros - acusado pela Procuradoria Geral da República de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso - é apossado (com voto secreto - o voto da covardia) na Presidência do Senado Federal no posto número 3 da sucessão republicana e entra no papel dando uma aula de ética e com apoio do PSDB, um lado meu pergunta ao outro se não estaria na hora de sumir do Brasil.
Se não seria o momento de pegar o meu chapéu e deixar de escrever, abandonar o ensino das antropologias, desistir do trabalho honesto, beber fel, tornar-me um descrente, aloprar-me, abandonar a academia (de ginástica, é claro), deixar-me tomar pela depressão, desistir de sonhar, aniquilar-me, andar de joelhos, dar um tiro no pé, filiar-me a uma seita de suicidas, mijar sentado, avagabundar-me, virar puxa-saco, fazer da mentira a minha voz; e - eis o sentimento mais triste - deixar de amar, de imaginar, de ambicionar e de acreditar. Abandonar-me a esse apavorante cinismo profissional que toma conta do País - esse inimigo da inocência -, porque minha cota de ingenuidade tem sido destroçada por esses eventos. Eu não posso aceitar viver num país que legaliza a ilegalidade, tornando-a um valor. Eu não posso aceitar um conluio de engravatados que vivem como barões à custa do meu árduo trabalho.
"A ética não é um objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o Brasil, é o interesse nacional. A ética é obrigação de todos nós e é dever deste Senado", professa Renan Calheiros, na sua preleção de po(s)se.
Para ele, a ética, o Brasil, o dever, o interesse e as obrigações são coisas externas. Algo como a gravata italiana que chega de fora para dentro e pode ou não ser usada. Façamos uma lei que torne todo mundo ético e, pronto!, resolvemos o problema da cena política brasileira - esse teatro de calhordices.
A ética não é a lei. A lei está escrita no bronze ou no papel, mas a ética está inscrita na consciência ou no coração - quando há coração... Por isso, ela não precisa de denúncias de jornais, nem de sermões, nem de demagogia, nem da polícia! A lei precisa da polícia, o moralismo religioso carece dos santarrões e as normas, de fiscais. A ética, porém, requer o senso de limites que obriga à mais dura das coragens: a de dizer não a si mesmo e, no caso deste Brasil impaludado de lulopetisto, a de negar o favor absurdo ou criminoso à namorada, ao compadre, ao companheiro, ao irmão, ao amigo.
(...)
Articula-se objetivamente, com uma desfaçatez alarmante, uma crise entre poderes exatamente pela mais absoluta falta de ética, esse espírito de limite ausente dos donos do poder neste Brasil de conchavos vergonhosos e inaceitáveis. Você, leitor pode aceitar e até considerar normal. Eu não aceito!
Leia a íntegra aqui.
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