segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Adeus, Filé!



Bizarre Love Triangle by New Order

Filé, o hamster do meu filho, morreu no sábado, por volta das onze da manhã. Acho que contei que ele havia ganhado o hamster num sorteio na escola, no final do ano passado. O hamster da sala, que se chamava Juscelino mas que por ser fêmea teve o nome trocado para Sara, teve vários filhotes em outubro ou novembro. Infelizmente, por descuido de alguém, os filhotes não foram separados a tempo de Sara, que devorou quase todos. O sobrevivente foi sorteado entre as crianças da sala e Sara ficou com a professora.

_Só sobrou o menorzinho, que quase nem tinha pelos, pai. Ele parecia um pedacinho de carne. E por isso eu o chamei de Filé - disse o meu filho, orgulhoso, no dia em que trouxe para casa o novo bicho de estimação.

Soube depois que o nome também foi uma forma bem-humorada que a classe inteira arrumou para superar a terrível constatação do canibalismo infanticida dos roedores.

Eu e Filé coexistimos pacificamente durante a sua curta permanência. Eu raramente o via, para falar a verdade. Mas eu o escutava todas as noites, se exercitando sem parar na rodinha de plástico da sua gaiola. Eu ajudava meu filho a lavar a gaiola de vez em quando, mas jamais havia segurado o hamster na minha palma da mão até o último sábado. Nesse dia, meu filho me contou aos prantos que o ratinho estava morrendo e que a gente precisava fazer alguma coisa para salvá-lo. Pensei logo que o grande problema de correr com os bichos para o veterinário é que as consultas são pagas à vista. Além disso, li em algum lugar que o hamster não tem uma vida muito longa, então tratei de buscar um tom de voz para tentar preparar o meu filho para o pior.

_Talvez ele só esteja com frio ou fome - eu disse, pegando o hamster com cuidado. Estava moribundo, abria a boca em espasmos, respirava com dificuldade.

Havia uma atividade na escola, então minha mulher saiu com as crianças enquanto eu examinava o hamster.

_Será que ele vai ficar bom? - disse o meu filho com esperança, antes de ir para a escola.

_Filho, os roedores não têm uma vida muito longa. Talvez o Filé não resista - eu disse.

Ele saiu aos prantos. Minha mulher me olhou daquele jeito, como se eu tivesse quebrado louça do casamento. Minha filha saiu animada com a atividade na escola. Fiquei observando o Filé, na palma da minha mão. Parecia um pequeno gorro. Mal dava para perceber que respirava. Ainda menino, tive alguns bichos de estimação, principalmente cachorros. Mas não perdi nenhum bicho de estimação durante a minha infância ou até mesmo a adolescência. Os bicho sempre se foram de outra forma.Os dois primeiros cachorros que tive se chamavam Laica e Ianque. Eram dois filas, enormes, que talvez não fossem tão grandes assim, mas que eram gigantes na minha visão de criança. Quando nos mudamos para uma cidadezinha ainda menor do que a que vivíamos, os cães foram doados a pessoas diferentes. Soube que morreram anos depois. Quando nos mudamos para Brasília, os bichos de estimação estavam vetados pelas sucessivas convenções de condomínios. Mesmo assim, minha irmã conseguiu criar um galo durante alguns meses. Não sei mais como minha mãe se livrou do galo.

Procurei uma caixinha de papel para guardar o Filé. Ele coube com folga numa velha caixa de cartões de visita. Quando meu filho chegou da escola ele pediu para ver se o Filé estava bem e chorou muito quando disse que o hamster estava morto. Abri a caixinha para mostrar o hamster e meu filho tocou em suas costas com o dedo, num último carinho.

Talvez haja alguma maneira de usar o que aconteceu como uma lição de vida, ou de respeito às pessoas, bichos e coisas que amamos. No sábado e no domingo conversamos várias vezes sobre o Filé e sua morte e me esforcei sinceramente para fazer dessa situação um aprendizado, uma preparação para a celebração da vida. Talvez eu o tenha consolado de alguma maneira.

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