sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Duas palavrinhas

Em casa somos todos muito bem educados. Mas na casa dos outros somos muito mais. Digo isto porque reparei que nós costumamos usar com muito mais frequência as expressões cotidianas de gentileza e boa educação, inclusive à mesa, quando estamos fora do lar. O garçom se aproxima e dizemos "por favor", agradecemos com um polidíssimo "muito obrigado". O flanelinha chega para vigiar o carro, cheio de doutor isso e doutor aquilo, e eu digo "pode vigiar, sim, senhor". No supermercado, dizemos para a senhora no caixa que é a crédito "sim, senhora, parcelado em três vezes, por favor". Na padaria, também, até nas filas dizemos por obséquio, por gentileza, senhor isso, senhora aquilo, e outras frases bem formais e elegantes, como se quiséssemos deixar bem claro o tempo todo que somos pessoas de bem e não representamos perigo para a pessoa que nos cerca.

Mas em casa, apesar da boa educação, não queremos perder tempo com firulas e frescuragens, então dizemos "passa aí as batatas". Ou então não dizemos nada e só apontamos para as batatas, ou pior ainda, só olhamos fixamente para a vasilha e o familiar que está mais próximo trata logo de passar as fritas. Essa maravilhosa adivinhação de desejos, aliás, é a forma mais comum de telepatia familiar.

_Não, senhor. A partir de hoje, acabou-se. Não custa nada ser gentil, amigável e bem-educado. Para qualquer coisa agora, se eu não escutar as duas palavrinhas mágicas, nada de batatas - disse a minha mulher.

_Passa o suco, please - disse o meu filho.

_Não vale inglês, francês e espanhol. Tem que dizer as duas palavrinhas mágicas em português. Estou falando sério - ela disse.

_Por favor? - disse o meu filho.

_Viu? Não doeu nada.

Então estamos todos os quatro à mesa, colocando a conversa em dia dos primeiros dias da volta às aulas. Os assuntos vão se sucedendo rapidamente, especialmente o longo debate sobre o melhor lugar para ficar na hora de sair da escola e as vantagens econômicas e recreativas de se levar o lanche de casa.

_Você gasta menos e não perde tempo do recreio na fila da lanchonete. Além disso, você se livra dos bicões de fila, que sempre pedem um taco ou ficam secando o lanche alheio. E o olho gordo de bicão de fila ninguém merece. Pode reparar que tem um bicão por perto toda vez que um salgadinho, um refri, ou mesmo um copo de suco escorregar da mão de alguém. Passa aí, as batatas.

_Duas palavrinhas - disse a minha mulher.

_Passa, agora - eu disse.

_Engraçadinho.

_A regra vale para todo mundo, paiê.

_Eu sei, eu sei.

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