domingo, 18 de dezembro de 2011

Os dois leitores imaginários do Careca



Parov Stelar - The Mojo Radio Gang

Aprendo devagar. Algumas coisas demoram a entrar na minha cabeça. E aprendo melhor se eu posso usar as mãos para ajudar. Depois de vinte anos tentando, acho que consegui aprender a escrever. Faço isso com segurança, ainda que a minha escolha de temas seja quase sempre uma bobagem.

Os escritores que gosto também já me deram dicas preciosas. Uma delas é escrever sobre o que ou quem já se conhece. Mas é preciso que esse conhecimento também fuja um pouco da banalidade e do senso comum. A forma não é tão importante quanto o que se tem a dizer, a não ser que você não tenha nada a dizer. Demorei a internalizar essas duas coisas simples. Outra dica importante é pensar no seu leitor, na pessoa que lê o que você rabisca. Lembre-se, você não escreve para qualquer um e não é qualquer pessoa que irá se dar ao trabalho de ler você, é preciso escolher para quem se escreve.

Sim, é verdade, se você escrever pensando em quem irá ler, fica mais fácil. Então eu procuro pensar em leitores imaginários quando escrevo. Mas não sou muito bom nisso. Um dos meus leitores imaginários mais recorrentes é o João Alfredo. Era meu amigo imaginário dos tempos da adolescência, quando todos os nossos monstros despertam. Sumiu por um longo período. Um dia me lembrei do João Alfredo e achei que ele deveria ser promovido a leitor imaginário.

João Alfredo é um sujeito muito enigmático. Tem o estopim curto e é inteligente, mas na maioria das vezes tem o estopim curto. É meio careca, fuma escondido, bebe além da conta e deve no cartão de crédito. É dominado pela mulher, mas acha que manda. Tem um filho no interior, fruto de um namoro de carnaval, a quem vê de vez em quando. Ele lê como quem procura respostas para a sua vida.

Também cultivo uma leitora imaginária. O nome dela é Flávia Tatiana. Sim, é o mesmo nome daquela Flávia Tatiana, a menina da terceira série do primeiro grau por quem fui apaixonado até o segundo grau. Flávia Tatiana é separada e não teve filhos. É gerente de uma empresa que presta serviços de limpeza. Flávia lê para passar o tempo e também para se divertir.

Meus dois leitores imaginários não se conhecem. Sim, uma vez quase deixei que os dois se encontrassem num café, no meio da tarde de domingo, mas fiquei com medo do que poderia acontecer. Achei que seria uma injustiça com a mulher do João, embora nem tenha me dado ao trabalho de imaginá-la. Também, confesso, fiquei com uma ponta de ciúmes da Flávia Tatiana, acho que ainda é cedo para que ela tenha um novo relacionamento, ainda que imaginário.

Sim, tenho medo de abandonar a minha zona de conforto. Talvez meus leitores imaginários acabem me obrigando a isso.

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