segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O meu distanciamento de futebol e Sócrates



Sócrates morreu e o Corínthians é campeão. Em 1982 eu torci muito por Sócrates e companhia. Mas Toninho Cerezzo, com o sinal secreto de entregar o jogo abaixando o meião e facilitando tudo para os italianos, partiu o meu coração e o de todos os brasileiros que queriam muito aquela Copa do Mundo. Depois daquele jogo contra a Itália nunca mais torci do mesmo jeito, como se não houvesse nada mais importante, como se não houvesse amanhã. Eu era o próprio Pacheco Camisa 12 e virei um torcedor comedido, chinfrim, jogo era só um pretexto para tomar muita cerveja. Hoje, nem isso. Nem sei explicar a tabela do campeonato, preciso ver ideográfico para entender.

Creio que com o passar do tempo, mesmo depois da conquista de duas copas do mundo, esse distanciamento das coisas do futebol tenha se ampliado um pouco. Já faz anos que não sei escalar meu time de futebol. Quero dizer, o time para o qual digo que torço. Sei o nome do técnico e do goleiro, um zagueiro, um atacante. Só. É um time estagnado, que não faz nenhum adversário tremer dentro das chuteiras. A falta de sucessos desse meu time também contribuiu para o meu distanciamento do futebol.

Mas eu sei bem que futebol é uma coisa de gênero. Sei que é importante saber coisas de futebol para ter o que conversar nas rodas de conhecidos ou das pessoas com as quais não temos assunto. É uma necessidade social. É sabido que futebol gera bem mais diálogo do que temas como o clima, café, vinho, os males do tabagismo, educação das crianças, novela, cinema, política, economia e lugares para passar as férias. Particularmente, eu curto bastante esse último tema, sempre surgem boas dicas de onde menos se espera. Uma vez descolei o endereço de uma pousada sensacional no Rio Grande do Norte depois de um papo desses. Mas tergiverso.

Eu suporto bem uma conversa mole sobre futebol. Na maioria das vezes acho chato, mas não corto. É um assunto. Mas algumas pessoas, é fácil notar, sabem bem do que estão falando quando falam sobre futebol. É uma paixão. Essas eu gosto de escutar. Mas às vezes um apaixonado pelo futebol vira enciclopedista, e a coisa começa a se complicar. Existem pessoas que adoram futebol e gostam de rememorar lances fantásticos que guardam na memória, cinematograficamente. Pessoas assim lembram não só a escalação do seu time, mas também das equipes rivais. Se brincar, sabem dizer se o gramado estava em boas condições ou se a chuva atrapalhou um pouco. Para esses, tenho pouca paciência e procuro mudar de assunto.

Minha memória de futebol é uma droga. Sempre foi. É lógico que existem algumas poucas exceções. Tem aqueles episódios que todos sabem, já viram o vídeo, o gol que Pelé não fez do meio do campo, la mano de Dios, o pênalti perdido pelo Zico, gols do Ronaldo, Taffarel defendendo aquele pênalti, mas nada excepcional. Às vezes até me sinto estrangeiro por causa disso.

A verdade é que existem milhões de sumidades em futebol na Terra Brasilis. Perto desses caras, sou um alienígena analfabeto. Ponho a culpa, é claro, em Sócrates e na seleção canarinho, aquela, de 82, que o Júnior do Flamengo cantou em versos assim: Voa canarinho, voa... . Sim, eles voaram de volta para casa sem o caneco e eu enterrei ali a minha proximidade com o futebol.

Mas uma coisa eu lembro bem do Sócrates, do jeito como ele comemorava o gol, o punho direito fechado e o pulso à mostra, reto. O braço esquerdo dobrado nas costas, também com o punho fechado. Era o gesto dos Panteras Negras, dos negros norte-americanos. Sócrates, não sei bem porquê, inventou a comemoração e o gol protesto e, dizem, foi o ideólogo da famosa democracia corinthiana. Felizmente, gostava de cerveja. Descanse em paz.

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