quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Noves fora zero
The Staple Singers - A Hard Rain's Gonna Fall
Uma vez levei um tombo de skate numa descida na Asa Norte. Eu tentava seguir o André Damasceno, também chamado de Damassa. Ele era um louco de treze anos de idade. Gostava de se arriscar. Pegava carona segurando no parachoque dos carros que passavam perto. Eu não tinha coragem. Da única vez que fiz isso levei esse tombo no meio da descida. Me esfolei todo e tive sorte de não quebrar nenhum osso. Meus óculos se foram, é claro. Meu braço esquerdo ficou muito machucado, todo esfolado de um lado. O impacto com o asfalto praticamente arrancou a pele desse braço. Também bati o quadril, machuquei muito as duas palmas das mãos e esfolei a coxa e o joelho esquerdo. Devia estar a 40 por hora.
O Damassa veio correndo, preocupado. Quando viu que eu não tinha quebrado nada, começou a rir. Ele me estendeu os óculos amassados. Uma lente se fora, a outra estava partida ao meio.
_Você é louco! Não pode segurar tanto tempo no parachoque. É só um pouco, só até o início da descida - ele disse.
_Prendi a minha mão no parachoque, não conseguia soltar. O carro quase me arrastou - eu disse, segurando as lágrimas e controlando a voz por causa da dor.
_E esse skate? Você nem apertou os eixos!! De longe eu vi você vibrando em cima do shape. Olha só isso aqui, você teve sorte de não quebrar o pescoço - ele disse.
Tive mesmo. Não me lembro de como voltei para casa. Sei que tomei um banho muito dolorido. Fiquei cuidando das feridas mais de um mês. Vivia com pó antiséptico no bolso, tomava cuidado para não apoiar o braço em qualquer lugar. Não conseguia segurar um garfo sem sentir dor. Levei esse tombo no início das férias do meio do ano e quando elas acabaram eu ainda estava cheio de não-me-toques.
Nessa época eu tinha um "esquente" preto com três listras, um conjunto de moleton para ginástica que todo mundo queria ter. Tinha sido presente de aniversário, esperado com ansiedade, eu tomava o maior cuidado com aquela roupa. O tombo do skate inutilizou o moleton. Minhas férias também foram muito afetadas, fiquei praticamente em casa, porque era onde doía menos. Escutava Rita Lee no rádio(Meu bem você me dá, água na boca...) e treinava partidas com os livros de xadrez do meu pai.
Depois fiquei um pouco receioso com o skate, mas voltei a andar normalmente. Nunca mais tentei imitar o Damassa. No ano passado, comprei skates para as crianças e também para mim. Hoje meu filho levou um tombo e ralou o braço, bem forte. Eu estava no oficina quando ele se machucou. Correu para mostrar a ferida.
_Olha, pai, doeu muito mas eu não chorei - ele disse.
_Puxa, vai ser preciso lavar com água e sabão - eu disse.
_Mas assim vai doer mais - ele disse.
_É melhor lavar e sarar depressa do que ficar doente - eu disse.
_Não tem outro jeito? - ele disse.
_Tem, mas aí tem que tomar injeção de anestesia. Não sente dor na hora, mas depois a dor é pior - eu disse.
_Vou pensar - ele disse.
Aí fiquei pensando também e me lembrei desse meu tombo. Pensei em contar para o meu filho, mas não é uma história educativa, fiquei com medo dele querer me imitar, pegando carona em parachoques. Pensei em dizer que éramos puxados por bicicletas, mas isso também é perigoso. Talvez o melhor seja mesmo ficar na minha, guardar essa história para depois. Nunca se sabe o que fica das histórias que a gente conta.
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2 comentários:
Se voce contar 1/5 das suas histórias pros seus filhos...
Cabeça
Cabeça, algumas eu conto. Mas ao invés de dizer que aquilo aconteceu comigo, eu digo que aconteceu com o Tio Cabeça, rá, rá, rá!
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