(Texto publicado neste blog em novembro de 2007)
Eu nunca gostei de caçar. Nada. Nem passarinho. Mas uma vez saí com meu irmão e dois primos para caçar passarinho. Fomos para a periferia da cidade onde nascemos, em Goiás. Ainda existiam alguns pedaços de mato. E ainda existiam pequenas fazendas em volta da cidade. Andamos um bocado e escolhemos alvos diversos no caminho. Calangos, romãs, goiabas, latas, garrafas, mamão, uma porção de coisas. Só sei que gastamos um chumbo danado. Quase no final, só havia um chumbinho para cada um.
Aí nós chegamos numa fazendinha muito legal, com uma bela cerca de arame coberta de maracujás. Além da cerca, havia um enorme quintal coberto de palha de arroz. No centro, uma única árvore, uma mangueira. Nessa árvore, milhares de pássaros se amontoavam.
Ficamos bem quietos e vimos algumas dezenas deles mergulhar na palha de arroz. Um pequeno movimento e flop! Os pássaros voltavam para a árvore. E depois de um breve silêncio, a algazarra que os bichos faziam poderia ser ouvida a um quilômetro de distância. Aliás, foi por isso que encontramos a fazendinha.
Aí meu irmão, que era o mais velho, disse que não ia atirar. Disse que atirar em tantos bichos de uma vez era covardia. Disse que era melhor deixar os passarinhos vivos e contentes. Disse que o covarde que atirasse não tinha chance de errar. Disse que o covarde que atirasse podia esquecer que era amigo dele. E disse para irmos embora.
Mas os primos queriam pelo menos atirar. Eu também. Ivo foi o primeiro, mirando sem capricho em um pássaro no chão, quase ao pé da mangueira. Um alvo fácil. Facílimo.Pum. Passou perto, mas só o que fez foi provocar uma ligeira debandada de pássaros. Ivo era o melhor atirador do grupo. Era óbvio que havia errado de propósito.
Continuávamos escondidos e quietos. Logo os bichos voltaram. Foi a vez do Carlaile. Acho que também mirou com preguiça, num passarinho no chão. Alvo próximo e fácil. Errou. Carlaile, quando queria, atirava melhor do que meu irmão, que era o segundo melhor atirador do grupo. Nova debandada. Nova espera em silêncio. E era a minha vez.
Olhei para o meu irmão. Ele voltou a dizer que atirar naqueles bichos era covardia. E também voltou a dizer que o covarde que atirasse naqueles passarinhos podia esquecer que era amigo dele. Olhei para os primos. E sem dizer nada, apontei com cuidado para o centro da mangueira. A mira daquela espingarda de chumbo era meio torta, você tinha que dar um pequeno desconto para a direita. O gatilho era leve. Bastava um puxão do indicador. Mirei e mirei. Podia sentir os olhos do meu irmão queimando a minha nuca. No final, fechei os olhos e atirei. Pum!
Abri os olhos e vi um pássaro cair da árvore. Centenas deles voaram imediatamente para outro lugar. No silêncio que se seguiu, só o que eu conseguia escutar era o bater de asas do pássaro que eu havia acertado. O bicho se debatia sobre a palha de arroz. O barulho era o mesmo de uma borboleta batendo as asas perto do seu ouvido.
_Mas por quê você fez isso? – gritou o meu irmão.
E a verdade é que eu não sabia. Ainda não.
_Agora vai lá e pega o passarinho – ordenou.
Eu obedeci. Quando peguei o pardal, sua cabeça pendia mole, já não havia movimento nenhum.
Meu irmão ficou o resto da semana sem falar comigo. Nunca mais caçamos nada.
Mas até hoje, quando olho para o meu irmão, percebo em seu olhar uma tristeza, um senão, como se eu tivesse acabado de matar um passarinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário