quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Um baile na Patagônia



Cat Power - Manhattan

Existe um monte de lugares que eu gostaria de visitar, mas evito. A Patagônia, por exemplo. Tenho vontade de conhecer desde que li "Na Patagônia", de Bruce Chatwin. Livro que por sua vez me levou a ler o "Endurance" e uma série de outros livros sobre as viagens ao ártico e ao antártico. Mas isso foi mais tarde, na releitura. No início, por alguma razão, a Patagônia me levou a "Sobre Heróis e Tumbas", do Ernesto Sábato, que perdi em alguma estante e nunca reli, livro importante que esqueci onde guardei. Não importa. Martin nasceu na Patagônia. E a Seita Sagrada dos Cegos também a alcança.

Houve uma época em que parecia que tudo o que eu lia era uma mensagem cifrada e oculta para me levar para a Patagônia. Até mesmo revista em quadrinhos do Tio Patinhas. As viagens do Beagle e Charles Darwin. Os relatos do descobrimento. As histórias dos homens gigantes levados para exibição na Europa, Quequeeg - o gigantesco e tatuado índio de Moby Dick, cujo caixão salvará o narrador Ishmael no final da história. Mesmo que Melville diga que Quequeeg é o filho do chefe de uma tribo canibal de uma ilhota do Pacífico, para mim ele é da Patagônia, o lugar onde todos os meus mitos convergiam, de Nantucket a Chubut. De algum modo, na minha cabeça adolescente, tudo parecia me dizer que eu encontraria respostas para um monte de perguntas se eu fosse para a Patagônia.

Mas não fui. Nunca. Amigos e familiares foram e me encantaram com histórias maravilhosas sobre o lugar, de como até mesmo o frio que se sente por lá é especial, mais intenso e propenso a provocar tremedeiras de bater queixo. Mesmo assim não fui. Tenho medo de ir à Patagônia e que essa visita me faça perder o encanto que ainda hoje ela provoca, essa proeza de liquidificar referências e, no final, de trazer de volta a vontade de fazer perguntas e traçar caminhos e roteiros inesperados, só meus.

Aqui sou interrompido para ser convidado a uma festa de aniversário. Explico que não posso, que minha filha fará uma importante apresentação de Street Dance e que amanhã, dia da festa, é também o últio dia de ensaio geral.

_Não podemos faltar - eu disse.

_Ótimo, esperamos vocês amanhã - disse a pessoa.

É nessa hora que imagino um baile na Patagônia, enquanto ainda converso com a pessoa ao telefone e procuro explicar que é impossível, não se pode faltar ao último ensaio geral antes da apresentação de street dance. Mas a pessoa está focada no aniversário do filho, tenho certeza de que não entendeu nada do que eu disse. No baile da Patagônia, enquanto dançam e pulam, gigantes que deixam grandes pegadas ensinam aos portugueses de Fernão de Magalhães que não é preciso torcer os pescoços dos pinguins, os bichos morrem com uma leve pressão no peito, bem junto ao coração.

Já estamos no final de ano, os assuntos e temas nos atropelam. Há uma certa impaciência no ar. Talvez o ano que vem seja melhor do que este, mas duvido.


Trecho de "Sobre Heróis e Tumbas", que encontrei na internet: "Nossa razão, nossa inteligência, constantemente nos estão provando que este mundo é atroz, motivo pelo qual a razão é aniquiladora e conduz ao ceticismo, ao cinismo e finalmente à aniquilação. Mas, por sorte, o homem não é quase nunca um ser razoável, e por isso a esperança renasce uma e outra vez em meio às calamidades. E esse mesmo renascer de algo tão absurdo, tão sutil e tão intimamente absurdo, tão desprovido de todo fundamento, é a prova de que o homem não é um ser racional.” (Ernesto Sábato)

domingo, 24 de novembro de 2013

Os instrutivos almoços de domingo



The Walkmen - Another One Goes By

As reuniões de família aos domingos são muitas vezes ótimas e quase sempre instrutivas. Não sei como é na sua família, mas aqui, todos nós ficamos juntos depois do almoço para tomar um café, contar as histórias da semana e criticar as figuras públicas que merecem ser criticadas. Também fazemos elogios, comentamos os filmes que devem ser vistos, as músicas que devem ser ouvidas, os livros que devem ser lidos e reclamamos dos preços que estão subindo demais, da economia que está indo para o buraco e até do sistema de defesa que compramos dos russos. Depois de tudo isso, partimos para a reminiscência das coisas boas e fazemos de tudo para arrancarmos risadas e melhorarmos o humor uns dos outros. Nessa hora, vale colocar qualquer pessoa na berlinda, desde que isso renda uma boa gargalhada. Ficar à mercê das gozações dos familiares é um exercício de aprendizagem muito importante mas pouco valorizado pelas pessoas. Mas eu, não. Dou o maior valor. Eu aprendo muito sobre mim mesmo nos almoços de domingo, especialmente quando estou na berlinda. Hoje, por exemplo, descobri com minha mãe que eu sou um perdulário de café.

_Como é isso? - eu disse

_Você usa pó demais. Seu café fica grosso, forte, é um exagero. Tem que colocar água para conseguir cortar com faca - ela disse.

_Não sabia que estamos precisando economizar café.

_Não estamos. Mas aquilo que você faz não é café, é um pântano.

Fiquei sem resposta, é claro. Depois disso eu fiquei na minha, que é a única maneira de evitar um longo período na berlinda, sendo peneirado por gozações. Os assuntos mudaram velozmente e, de repente, estávamos engalfinhados numa reclamação generalizada contra o excesso de insetos desta época do ano. A raquete de tênis passava de mão em mão, enquanto falávamos porque os pernilongos estavam atacando sem dó nem piedade. Eu falava pouco, até que minha mulher resolveu me alfinetar.

_O problema com o Careca é que ele alerta os insetos. Ele avisa que está chegando e todos os bichos desaparecem antes que ele consiga exterminar algum.

_Amor, não fala assim, isso é um assunto íntimo.

_Não, agora eu tenho que falar. Quando eu vejo uma barata e grito pedindo ajuda, você só aparece uns cinco minutos depois. E assim mesmo só se aproxima do lugar depois de bater os pés várias vezes. Só falta ele pegar o megafone e gritar para as baratas se esconderem. É um horror. E se ele está por perto, ele sempre encontra uma maneira de fazer a barata escapar. Tropeça, some a pretexto de pegar um chinelo, qualquer coisa. É irritante.

_Você está exagerando, amor.

_Não estou. Seu IAB - índice de aniquilação de baratas deve ser um dos mais baixos do planeta.

_Espera aí, amor, vai com calma. Nunca ouvi falar nesse índice até a semana passada, quando eu matei duas baratas.

_Não senhor, você encontrou as duas mortas e disse que matou logo depois que eu falei no IAB. As baratas provavelmente morreram de frio ou de velhice, nenhuma pareceu esmagada.

_É uma técnica nova que estou usando.

_Deve ser o grito. Você fez tanto barulho que as coitadas morreram de susto, de taquicardia.










sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CDs de viagem



Jimi Hendrix - Castles Made of Sand

Não sei onde estará o álbum duplo "A Arte de Jimmy Hendrix" que havia lá em casa. Escutava muito. Gravei dezenas de fitas para amigos e amigas. Ouvia duas vezes no mesmo dia. Primeiro era na ordem impressa, sem mexer com a agulha. Na segunda vez, escolhia a minha ordem para a coletânea. "Castles made of sand" era uma das minhas favoritas, presença obrigatória no ipod, nos CDs de viagem. Sim, hoje eu me toquei que é preciso começar a elaborar ipods e cds para a viagem de carro que faremos no início do ano. Coisa tão importante quanto a revisão do carro. Estou atrasado nos preparativos do escritório, já deveria ter terminado, mas só hoje consegui concluir a instalação da serra de bancada na mesa que construí especialmente para ela. Com isso pronto, ficarei praticamente sem desculpas para elaborar e construir a estante para o escritório. O modelo está grudado na placa de metal que pendurei na parede há mais de ano. Será tudo em compensado, com molduras de madeira maciça, pinus, massaranduba ou uma outra que estiver em conta. Meu entusiasmo com as palavras anda arrefecido. Minha vontade de contar histórias não é mais a mesma. Talvez seja apenas o final do ano, as decisões que precisam ser tomadas sobre escolas e alterações de rotina. Vamos ver.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O Careca em crise



Black Crowes High Head Blues

Nunca pensei que diria isso, mas já faz mais de seis meses que não leio uma boa história de detetives, um livro policial ou mesmo um conto de mistério, horror e suspense, na boa tradição iniciada por Edgar A. Poe e refinada por Dashiel Hammett, Raymond Chandler e tantos outros. Um dos motivos para isso é a situação atual do escritório. Um belo dia inventei de colocar toda a minha coleção de livros policiais na parte mais alta da estante que improvisei no escritório. Pareceu uma ótima idéia na ocasião, porque a prateleira improvisada abriu um bom espaço na estante que trouxemos do velho apê. O único problema é que lá, no alto da prateleira, só alcanço de escada. E a escada é pra ficar lá fora, como já disseram Jorge BenJor, o síndico Tim Maia e minha mulher. Sim, não é um problema intransponível, mas você sabe como é, o ser humano tende a fazer o que está ao seu alcance e o resto fica adiado para uma outra hora, que eu não vou lá fora agora nem a pau, juvenal, para buscar uma escada. Mas não vou mesmo. Então, os dias passam, as noites também, e eu acabo deixando para amanhã a releitura de um Ross Mcdonald, um Lawrence Block, um Rex Stout, um Elmore Leonard, ou mesmo uma Patrícia Highsmith que esteja escapando da memória. Estou entrando em crise de abstinência. Estou pior que o Angeli quando entrou em crise. Estou pior do que o Laerte. Não, aí também não. Mas estou mal, amigos da kombi de leitores.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Eu gosto de música velha



BLONDE ON BLONDE - RIDE WITH CAPTAIN MAX

Demorei a reconhecer que eu gosto de música velha. Não é que eu não goste de música nova, atual. Tem muitas coisas novas bem legais e algumas realmente bem originais e inovadoras. E de vez em quando encontro alguém que parece estar igual ao Capitão Kirk no comando da Starship Enterprise, "indo onde ninguém esteve antes". Mas aí, basta futucar um pouco o YouTube e vapt, aparece uma música que chama a atenção. Vou olhar a data da criação e tadam!, é coisa velha. Às vezes é bem antiga mesmo. Aí eu começo a reparar nas músicas novas que eu gosto e pimba!, lembro que aquela coisa nova, tocada daquele jeito por esses garotos, parece aquela banda velha quando estava no começo, experimentando e aprendendo muito. Mas às vezes, em algumas músicas especialmente interessantes, é possível reconhecer sons parecidos com a fase madura de algum criador excepcional.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Selfie, a fotinha de si mesmo



Sneaky Sound System - It's Not My Problem

Até hoje, nunca tinha ouvido falar na palavrinha "selfie". Ouvi dizer que foi escolhida como palavra do ano pelo Dicionário Oxford e embora não tenha muita idéia do isso significa, resolvi adotar a palavrinha, gostei. Para quem não sabe o que significa, informo: selfie é o nome daquela fotinha de celular que uma pessoa tira de si mesma e publica numa rede social. Não basta tirar a fotinha. Ela tem que ser publicada para ser uma "selfie". Eu, por exemplo, nunca tirei uma legítima selfie, eu uso um celular super-peba com uma câmera elementar pebinha, coitada, nem sei como entrar com ela direto na internet. Acho que não tem jeito. Na notícia que ouvi no rádio, havia alguma relação simbiótica entre as selfies e as celebridades, mas não prestei muita atenção nessa parte.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O Guia de Restaurantes do Careca



Joe Cocker and Grease Band - Feelin' Alright

Eu queria um dia escrever um guia dos restaurantes que vale mesmo a saída de casa, aqui em Brasília. É mais um dos milhares de projetos que já comecei , mas deixei sem terminar em alguma pasta eletrônica numa nuvem qualquer. A tecnologia é uma grande aliada dos homens e mulheres sensatos, que imprimem o que interessa e fazem back-up do que é importante. Eu ando esvaziando gavetas e subindo arquivos. Isso é burrice, eu sei, se houver uma pequena tempestade informática meus gigabytes serão destroçados por fagulhas cibernéticas. Seria mais prudente imprimir as coisas e esconder no fundo de uma gaveta. Num dia de sol, eu vasculharia os armários e poderia reencontrar meus pensamentos desconexos alimentando traças e outros insetos chegados em papel. Isso tudo é para dizer que nos últimos dias o sistema elétrico local tem apresentado falhas desconcertantes, meu provedor idem, e minha preguiça tem se agigantado, de forma que o meu exercício diário de blog tem sido bastante intermitente. Mil sinceras desculpas a você, leitor da kombi, que entra aqui todos os dias e só tem encontrado clipes.

Sim, quase me perco, mas vamos lá. É verdade de fato que já escrevi umas cinquenta páginas desse guia, que trata da localização, arrumação, serviço, higiene e pratos de alguns restaurantes que frequento aos sábados, e sempre aos sábados, na boa e confiável companhia da minha mulher, do meu amigo Dr. Cabeça e da sua esposa, sempre elegante e bem-humorada, Maira. Ultimamente temos tido também a companhia do Irmão do Dr. Cabeça, pianista clássico de mão cheia, financista versado em letras de câmbio e sabedor de tudo, menos de futebol, que ninguém é perfeito.

Assim de cabeça e agora, aproveitando que a energia e a internet estão finalmente de volta e estáveis, escrevi com certeza sobre o Beirute, que conheço de longa data. Ali a comida é boa e barata, a cerveja está sempre gelada, o chopp é bem tirado, os garçons são gente boa, mas é só. As mesas são apertadas, os bancos são espartanos, o barulho é de algazarra e é preciso conversar aos berros em alguns horários. Não há luxo no Beirute. Nem excessos. Há quem considere o kibe bem feito, outros preferem o filé a parmegiana. Eu gosto do kafta e do mixui. Houve um período em que não dispensava o arak e o steinhagen, junto com o chopp. Mas isso já faz tempo. Eu ainda morava na Asa Sul. Hoje moro mais perto do Beirute da Asa Norte, onde servem comida da mesma qualidade, mas o ambiente é ainda mais estreito. Alguns dos velhos garçons agora andam por lá.

Escrevi sobre uns 15 restaurantes. Talvez ainda volte a falar sobre isso. Mas é preciso ser sincero. A turma está cobrando os olhos da cara, servindo umas coisinhas de nada e ainda dão aquela olhadinha marota quando a gente pede a Nota Legal.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Corruptos em cana, enfim



Ross - Alright by me - dica do Gravetos

O Ministro Joaquim Barbosa tem o meu respeito. Depois de oito anos e cinco meses, os julgados e condenados no processo do mensalão finalmente começarão a cumprir pena. Não é coisa para se comemorar. Isso é apenas o que deve acontecer.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Cinema com chocolate



Smoove & Suonho- A little soul

Andei meio sumido porque fui ao cinema com a minha mulher. Ao invés de pipocas, agora levamos chocolate para comer no cinema. Assistimos a um filme muito tenso com aquele ator que faz o Wolwerine, o outro que faz o amigo do Homem-de-Ferro e um terceiro que não me lembro onde vi, mas todos são muito bons. Inclusive um outro ator que quase não fala nada mas é coberto de porrada o filme inteiro. Na história, duas meninas desaparecem e o filme conta como os pais e um policial enfrentam a situação. Achei muito bom porque é um filme de suspense com ação, mas uma ação bem realista, ninguém faz coisas de 007. Bom, a não ser o cara que leva porrada pra caramba. Na volta pra casa estávamos ainda super-tensos por causa do filme.

_Você lembra da cena em que o detetive quebra o pc e o teclado? - eu disse.

_Claro, é uma cena muito importante.

_Aposto que ele não teria quebrado nada se ao invés de pc fosse um Mac - eu disse.

_Rá, rá. Amor, ninguém liga mais para piadas de tecnologia.

_Estou só querendo quebrar a tensão. Olha lá a paisagem, que legal.

_Não estou vendo nada de mais.

_Parece uma árvore de Natal na horizontal.

_Você pensa em cada coisa esquisita - disse a minha mulher.

_E se eu ligar o rádio agora e tocar "Love is in the air"? - eu disse.

_Acho que vou ter que ver desenho animado para conseguir dormir - disse a minha mulher.

Eu liguei o rádio e estava tocando "Garota eu vou pra Califórnia". Isso foi na sexta-feira. As crianças estavam na tia, com os primos. O sábado passou voando, comigo tentando terminar a nova mesa para a serra elétrica. Ficou pronta e estava tão fissurado por cortar madeira que acabei começando a fazer também a base da nova mesa para tupia. Cortei todas estacas para para a estrutura. Meu irmão voltou dos EUA com um presente, uma base acrílica para a mesa de tupia. Aqui elas custam uma fortuna e o custo de importação é proibitivo. Lá custa menos que 40 pratas. Ele também trouxe uma guia de união rápida. No domingo, não fiz muita coisa pela manhã, só terminei de limpar a oficina. Depois de comer uma carne seca na morango, um super-almoço na casa da sogra, acabei ficando com preguiça de escrever.

Hoje voltou a fazer um calor dos infernos, estou com o Lobo à minha frente. Ele sopra silenciosamente na velocidade média.

Frase do dia