Existem os caras que sabem todas as escalações das seleções brasileiras. Titulares e reservas. Alguns sabem os placares das partidas. O nome do roupeiro e do massagista. Sabem o nome das namoradas dos craques de cada período. Sabem o que fizeram antes dos jogos. E também comentam as escapadelas noturnas das concentrações. Lembram o que os técnicos diziam para os poderosos de então, contam as brigas que aconteceram, as mandingas e espertezas dos nossos melhores jogadores.
Esses caras têm na memória, com a riqueza dos detalhes ditados pela mais profunda paixão, todos os lances decisivos, os chutes na trave, as defesas magníficas que implicaram em trágicas derrotas ou em estupendas vitórias. Essas pessoas sabem o saldo de gols, o número de faltas, as substituições, a ordem em que os pênaltis foram cobrados. Também têm na ponta-da-língua a lista dos lances que deveriam ter sido anulados, os erros crassos cometidos por árbitros e bandeirinhas, as traições amaldiçoadas das seleções que venderam os resultados, que entregaram os pontos, e que foram brutalmente agredidas por seus patrícios.
Muitos e muitos têm conhecimento enciclopédico sobre os países que participam do mundial. Os caras sabem os hinos, reconhecem as bandeiras, os uniformes, as comidas típicas, os trajes, e os craques das seleções adversárias. Sabem escalar as equipes. Recitam com rapidez os nomes dos times de cada atleta, exibem um vasto conhecimento geopolítico e futebolístico.
Para muitos dos meus amigos, o futebol é a nossa mais extraordinária peça de resistência cultural. É por meio dele que conseguimos preservar o nosso sentimento de identidade. É a alegria nacional. Nada nos irmana com tanto fervor quanto o delírio de assistir a uma partida de futebol da seleção brasileira, de ver um gol impossível, feito por um herói que driblou não somente os adversários em campo, mas a miséria, a ignorância, a opressão e os danados dos gringos.
Talvez seja verdade.
Mas comigo talvez não funcione mais. Meu conhecimento de futebol da seleção anda meio esmorecido, eu sei, confesso que não sei escalar a equipe sem a ajuda do google. Minha ignorância é tanta que nem consigo entrar naquela conversa sobre a convocação do Henrique. Quem diabos é Henrique? E por quê aquele outro, sei-lá-quem, não foi convocado? Onde jogam? O Ramirez é titular? Não sei. Sei que o técnico é o Filipão, que eu acho chato e mandão por gostar de bancar o paizão e de ficar na beirada do gramado, berrando. Sinto vergonha alheia de ver o cara berrando, fazer o quê? Tem gente que gosta, acha que aquilo estimula, sei lá. Eu acho um porre. Além disso, em pleno século XXI, poderiam usar alguma coisa mais tecnológica para mandar os recados, uma placa eletrônica, uma palmilha com mensagens em braile para os artelhos, uma caneleira inteligente.
Mesmo assim, seja como for, eu sinceramente espero ainda não estar imune e que a febre coletiva também me contagie. Se isso acontecer, com certeza saberei dizer o nome dos atletas sem recorrer à Internet.
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