terça-feira, 10 de junho de 2014

Sem alarde

O fim-de-semana foi agitado. As escolas anteciparam as festas juninas por causa da Copa das Copas e assim ficamos com duas festas no mesmo sábado. Desde que o crime de quadrilha foi praticamente abolido pelo Supremo Tribunal Federal, tenho achado esse costume junino de dançar vestido de caipira meio chato. Mas na primeira escola em que paramos, ainda no período da manhã, um grupo profissional me fez mudar de idéia. Tudo por causa do gordinho. A quadrilha foi anunciada sobre o palco elevado e os dançarinos se posicionaram para a dança. As moças de vestido rodado de chita e tranças, os homens de camisas quadriculadas, calças com remendos falsos e chapéus de palha, alguns com barbas de verdade e um ou outro imberbe com cavanhaque pintado. Era uma quadrilha super-agitada. Os jecas juninos eram todos atléticos e ágeis. Menos o gordinho, é claro. Ele estava numa empolgação danada atrás da barriga, mas já na introdução dava para perceber que ele não daria conta de manter o pique.

_Aposto uma pamonha que o gordinho vai pedir tempo e sair no meio da quadrilha - eu disse para a minha mulher.

_A pamonha não está com uma cara muito boa - disse ela.

_Então vale um yakisoba - eu disse, apontando para o letreiro de uma barraca.

_Fechado.

As coisas estão tão mudadas que a gente nem estranha yakisoba em festa junina. A quadrilha continuou em velocidade. Eu não estava acreditando. O gordinho estava no ritmo da galera, de onde eu estava dava para ver o sujeito suando, mas ele não perdia o embalo e parecia acompanhar a parceira com desenvoltura. Putz, eu pensei. Não é que o gordinho manda bem?! Pula a fogueira iaiá, pula a fogueira iôiô, e o gordinho firme. Eu estava pronto a reconhecer a derrota e bancar o yakisoba quando mudei um pouco de lugar. Tive uma surpresa.

_O gordinho está trapaceando! - eu disse bem alto para a minha mulher. Do meu novo lugar, dava para ver que o sujeito só acompanhava a dança com os braços, as pernas ficavam paradas enquanto o resto da turma pulava e sapateava.

Na sequência da festa junina, levamos um dos filhos para uma festa de aniversário e seguimos para casa. Eu deveria ter aproveitado para tirar um cochilo, mas estava com algumas pendências no escritório para resolver. No meio da tarde escuto um grande estrondo, parecido com a batida de uma porta de vidro que tenho em casa. Corri assustado para lá, mas estava tudo normal, sem problemas. Na minha paranóia, verifiquei as janelas e todo o perímetro da casa e já estava dando tudo por encerrado quando observei uma estranha mancha no janelão da varanda. Era grande e redonda, parecia uma marca deixada por uma bola de futebol. A Copa quase me custou uma vidraça, eu pensei. Decidi procurar a bola, mas ao invés disso encontrei um pombo enorme caído no chão. Era grande mesmo, dos butelos, e por isso mentalmente eu já estava chamando a criatura de Chester.

_E aí, Chester? Vamos, rapaz, levanta daí e bata as asonas. O Rafa vai te pegar! Sai daí, depressa!

Tive que bancar o herói do pombo, pulando na frente do Rafa e salvando a ave no último segundo. O Rafa é perito em finalizar aves que trombam no janelão. Deixei o pombo numa caixa de papelão, apoiado em papel jornal e isopor. Ele estava grogue, mas não parecia muito comprometido, sustentava a cabeça e de vez em quando ensaiava uma tentativa de bater as asas. Eu havia trancado o Rafa dentro de casa e, portanto, todo o quintal estava livre para o pombo.

_Chester, my boy, fique à vontade. Voe quando quiser - eu disse, com grandes esperanças de que o bicho realmente se recuperasse do pancadão e fugisse.

Houve um tempo em que eu achava que era importante chamar a atenção das crianças para essas coisas. Lagarta esquisita. Planta brotando. Passarinho ferido. Galho quebrado. Pombo se recuperando. Eu achava que era meu papel de pai estar presente e procurar transformar qualquer coisa prosaica numa lição positiva, num alento esperançoso, numa epifania educativa sobre a importância de estar atento a tudo o que nos acontece, de celebrar o encanto de viver. Mas isso passou. Agora prefiro viver sem alarde.

No domingo, fui verificar e encontrei o pombo numa posição esquisita, com os olhos brancos e virados, petrificado. Chester não aguentou, coitado. Eu fechei a caixa de sapatos e coloquei no saco preto de plástico. Fiquei contente por não ter chamado as crianças para ver o Chester e criar falsas esperanças.



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