Eu fico reparando nas pessoas enquanto fazemos as compras de Natal. Existem as pessoas que se agarram às sacolas e outras que se sentem visivelmente incomodadas de carregar as tralhas. Muitas pessoas não se incomodam de carregar grandes volumes no meio da multidão, quanto mais, melhor. Uns caras ficam indo e voltando ao carro estacionado para se livrar dos pacotes. Alguns homens carregam todos os volumes obedientes, atrás das mulheres. Outros caras vão na frente, com as mãos abanando ou nos bolsos, as mulheres atrás equilibrando sacolas e falando ao celular, gesticulando. Muitos homens, a maioria, não escondem o ar de insatisfação, preferiam estar fazendo alguma outra coisa. Algumas mulheres, poucas, também andam de cara amarrada, infelizes, mas sobrecarregadas de pacotes e sacolas. Pouca gente sorri na multidão. Os casais de jovens namorados são os únicos a olhar para as vitrines distraídos. Quanto mais apaixonado menos se olha a plaqueta com preço.
As pessoas também demonstram diferentes níveis de preocupação com o local onde deixam as sacolas. Existe, por exemplo, o marido cabide, que é uma combinação de tipos mencionados anteriormente. Trata-se de um sujeito que detesta fazer compras e que não suporta carregar sacolas. Esse tipo fica aboletado numa cadeira, no café, com as sacolas em sua volta, dispostas em círculo como as carruagens atacadas pelos Sioux nos filmes de bang-bang. Outros caras ficam em pé, de braços cruzados no peito como os leões de chácara, as sacolas cuidadosamente espremidas entre as pernas. Eu sou do tipo que detesta colocar sacola no chão. E gosto de fazer compras. É uma atividade que muitos consideram estressante, mas eu não. Eu gosto de presentear as pessoas. É estranho isso, porque não tenho dinheiro. Já tive, mas não tenho mais. Mesmo assim acho ótimo dar presentes, encontrar um objeto que caiba no meu orçamento, em suaves prestações a perder de vista, e agrade um pouquinho uma pessoa que eu amo. Não sou do tipo que gosta de resolver tudo de uma tacada. Também não sou meticuloso a ponto de vasculhar a cidade em busca de um presente específico para uma pessoa. Passo horas numa livraria para encontrar um livro que agrade um sobrinho ou que desperte um sorriso num cunhado. Mas não vou pingar de livraria em livraria até encontrar um livro específico. Sou besta assim.
Com a ida ao shopping desta quinta-feira, faltam apenas três presentes da lista. Em outros tempos já teríamos fechado o conjunto e colocado todos os pacotes debaixo da árvore, mas estamos um pouco enrolados e preguiçosos. A batida no carro explica um pouco a preguiça. Minha mulher estava numa curva, presa num engarrafamento. Um espertinho resolveu ultrapassá-la sem ter espaço para isso. Arrancou o espelho retrovisor do lado do motorista. Sem ter como fugir entre tantos veículos parados, o sujeito desligou o carro e se comprometeu a pagar o conserto. Depois ligou e disse que o serviço teria que ser feito numa oficina de sua confiança. Eu quis mandar o sujeito à merda, mas o mar não está pra peixe e descobri que a tal oficina ficava bem perto de onde mora o meu sogro. Então aproveitei o pretexto para ir filar um almoço no sogrão e depois levar o carro na tal oficina. Mas como dirigir sem espelho retrovisor? É uma coisa louca a falta que o espelho faz. Passei na minha mãe, descolei um espelho de maquiagem e prendi com durex no que restou da base do antigo retrovisor. Quebrou o galho legal. Mas demorei muito e acabei invertendo a opção, levei primeiro o carro na oficina indicada. Apesar de já avisado da minha ida ao local, o mecânico ainda não havia pedido o retrovisor substituto. Ela ficou de me ligar assim que recebesse a peça. Intuí logo que daquele mato não sairia coelho por hoje. Então fui almoçar no sogrão.
Minha sogra convalesce de uma cirurgia no coração para a colocação de uma válvula. É uma pessoa idosa que enfrenta com coragem e firmeza uma cardiopatia grave. Ela e o marido montaram uma grande árvore de Natal na sala da casa onde moram. Achei que ficou quase tão bela quanto a árvore que as crianças me ajudaram a montar em casa. O Natal às vezes é uma competição de coisas boas e bonitas que podemos fazer uns pelos outros, eu acredito. Acabou que o mecânico não ligou. É só uma coisa chata para resolver amanhã.
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