segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
Adeus, 2013! Feliz 2014!
Este vai ser o meu último post do ano. Amanhã não quero chegar perto do computador. Estou cheio de idéias. Estou repleto de planos. Estou com uma enorme energia represada. Mas vou deixar para 2014. Você que me acompanhou até aqui, não desista. Amanhã vai ser outro dia.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
É Natal
Ping. Ping. Ping. O dia começou com goteira nova aqui em casa. E justo sobre o armário de roupas da minha mulher, um lugar injustíssimo para goteiras. Subi no sótão e ali estava ela, a origem da goteira. Um joelho no encanamento, um pequeno gotejamento. Corri para buscar minhas tralhas de encanador amador. Aqui em casa eu sou jardineiro amador, encanador amador, carpinteiro amador, eletricista amador, tudo amador. Amo que é uma beleza e realmente adoro consertar as coisas eu mesmo. E só desisto de tentar quando o estrago já está muito grande. Desta vez não foi muito diferente. Afinal, era apenas um pequeno gotejamento. Mas dez minutos depois a pequena fissura no joelho do encanamento se transformou numa fissura coberta com fita veda rosca. E uma hora mais tarde, quando o bombeiro profissional chegou, ele ficou embasbacado ao observar uma bola gotejante de fita veda rosca no encanamento. Em dez minutos ele serrou o cano e substituiu a parte estragada.
_Posso levar isso aqui? - ele disse, apontando para a enorme bola de fita veda rosca com um cano atravessado, no canto do sótão.
_Não. Eu vou transformar essa maçaroca numa bola de verdade. Se eu conseguir mais umas fita isolantes, posso criar a minha própria bola de boliche caseira - eu disse.
_Nunca vi um remendo tão grande - ele disse.
_Eu tenho mania de grandeza. Mas não foi proposital. No início parecia que tudo terminaria rapidamente e que apenas mais uma volta seria o suficiente para conter o vazamento. Mas de repente parece que o joelho se esfarelou e o vazamento ficou realmente grande. E o pior é que eu nem podia descer para desligar o registro, pois o teto ficaria inundado. Eu só podia continuar enrolando, enrolando e enrolando para diminuir o vazamento e ganhar tempo. Antes de você chegar eu já havia descido com cinco baldes cheios. Bom, águas passadas. O serviço ficou em 90?
_Fica por 80 se me deixar levar o remendo - ele disse.
_De jeito nenhum - eu disse.
_70 e eu levo a bolota de fita veda-rosca - ele disse.
_Não, senhor, não está à venda - eu disse.
_60, é a minha última oferta - ele disse.
Caramba, 30 pratas por um pedaço de lixo, eu pensei. Mas depois eu imaginei o bombeiro chegando em casa, ou voltando para a oficina com aquele tosco remendo que eu demorei metade da manhã para fazer e simplesmente rindo do meu esforço e da minha incompetência. Prevaleceu o amor-próprio. Paguei os 90.
Depois que o sujeito foi embora eu me arrependi. Que bobagem, poderia ter economizado trinta pratas. É Natal. É tempo dos homens de boa vontade. E que importância tem se o bombeiro risse da minha ridícula bola de fita de pvc? E se ele estivesse agora mesmo rindo de mim por ter recusado um desconto de 30 pratas num pedaço de cano estragado? Jamais saberei. Não é assim também com o Natal?
_Posso levar isso aqui? - ele disse, apontando para a enorme bola de fita veda rosca com um cano atravessado, no canto do sótão.
_Não. Eu vou transformar essa maçaroca numa bola de verdade. Se eu conseguir mais umas fita isolantes, posso criar a minha própria bola de boliche caseira - eu disse.
_Nunca vi um remendo tão grande - ele disse.
_Eu tenho mania de grandeza. Mas não foi proposital. No início parecia que tudo terminaria rapidamente e que apenas mais uma volta seria o suficiente para conter o vazamento. Mas de repente parece que o joelho se esfarelou e o vazamento ficou realmente grande. E o pior é que eu nem podia descer para desligar o registro, pois o teto ficaria inundado. Eu só podia continuar enrolando, enrolando e enrolando para diminuir o vazamento e ganhar tempo. Antes de você chegar eu já havia descido com cinco baldes cheios. Bom, águas passadas. O serviço ficou em 90?
_Fica por 80 se me deixar levar o remendo - ele disse.
_De jeito nenhum - eu disse.
_70 e eu levo a bolota de fita veda-rosca - ele disse.
_Não, senhor, não está à venda - eu disse.
_60, é a minha última oferta - ele disse.
Caramba, 30 pratas por um pedaço de lixo, eu pensei. Mas depois eu imaginei o bombeiro chegando em casa, ou voltando para a oficina com aquele tosco remendo que eu demorei metade da manhã para fazer e simplesmente rindo do meu esforço e da minha incompetência. Prevaleceu o amor-próprio. Paguei os 90.
Depois que o sujeito foi embora eu me arrependi. Que bobagem, poderia ter economizado trinta pratas. É Natal. É tempo dos homens de boa vontade. E que importância tem se o bombeiro risse da minha ridícula bola de fita de pvc? E se ele estivesse agora mesmo rindo de mim por ter recusado um desconto de 30 pratas num pedaço de cano estragado? Jamais saberei. Não é assim também com o Natal?
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Tranqueira
Uma das resoluções de fim-de-ano que pretendo cumprir à risca em 2014 é a de não juntar nenhuma tranqueira e me livrar de todas as tranqueiras já juntadas. Pretendo começar por essa moldura de árvore de Natal, que acaba de se queimar. É uma pequena armação de metal por onde corre um fio de lâmpadas led, dentro de uma mangueira transparente, levemente esverdeada. A armação imita a silhueta de um pinheirinho geométrico, com uma estrela na ponta. Armada, media uns oitenta centímetros e ficava parecendo uma árvore de luz neon, tridimensional. Estava conosco há anos, mas ainda me lembro quando minha mulher a trouxe para casa. As crianças eram bebês e estávamos preocupados com a possibilidade de alguma alergia a pó, que mais tarde acabou se confirmando. A preocupação não era exagerada. A árvore de plástico verde já havia entrado em nossas vidas, ensacada e escondida em algum lugar escuro e poeirento do armário na garagem do velho apê. Usávamos pouco porque tínhamos medo das crianças mexerem nas lâmpadas e se machucarem. E usar pouco é uma característica marcante de qualquer tranqueira.
A tendência anti-tranqueira vem sendo reforçada aqui em casa. Neste ano a tranqueiragem diminuiu e foi bem mais fácil arrumar os armários do escritório, por exemplo. Não é uma inteira novidade, todos os anos esvaziamos os armários, não é mesmo? A diferença é que não voltamos a encher tudo com aquelas coisas que um dia terão conserto ou guardam uma gostos lembrança. Não, senhor. Paramos com aquela história de ganhar espaço para perdê-lo cinco minutos depois. Para isso foi fundamental romper o ciclo da tranqueiragem e jogar coisas no lixo. Não é um processo fácil. Quero dizer, algumas pessoas tiram isso de letra, mas não eu. Eu me apego a tranqueiras. Não é que eu seja um acumulador inveterado. Eu sei que a minha coleção de garrafas de Gatorade, de tampinhas de cerveja e de chumbo de balanceamento de rodas podem causar uma impressão adversa, mas a verdade é que essas são coleções respeitáveis, não podem ser confundidas com tralha sem serventia.
A tendência anti-tranqueira vem sendo reforçada aqui em casa. Neste ano a tranqueiragem diminuiu e foi bem mais fácil arrumar os armários do escritório, por exemplo. Não é uma inteira novidade, todos os anos esvaziamos os armários, não é mesmo? A diferença é que não voltamos a encher tudo com aquelas coisas que um dia terão conserto ou guardam uma gostos lembrança. Não, senhor. Paramos com aquela história de ganhar espaço para perdê-lo cinco minutos depois. Para isso foi fundamental romper o ciclo da tranqueiragem e jogar coisas no lixo. Não é um processo fácil. Quero dizer, algumas pessoas tiram isso de letra, mas não eu. Eu me apego a tranqueiras. Não é que eu seja um acumulador inveterado. Eu sei que a minha coleção de garrafas de Gatorade, de tampinhas de cerveja e de chumbo de balanceamento de rodas podem causar uma impressão adversa, mas a verdade é que essas são coleções respeitáveis, não podem ser confundidas com tralha sem serventia.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
O último presente
Acho que todo mundo passa por isso. O último e mais difícil presente de Natal da lista tem de ser o de alguma pessoa querida, que você se preocupa à beça em agradar, mas nem sempre consegue. É aquela pessoa que, por mais que você tente se manter firme, é capaz de abalar a sua segurança. Ela sabe onde atingir o seu amor próprio no lugar onde ele é mais sensível porque te conhece bem demais. Talvez mais do que você mesmo. Na minha lista, essa pessoa é a minha mãe. Só falta o presente dela e hoje quase que encontramos. Mas no último instante eu percebi um pequeno defeito no acabamento da peça escolhida e desisti da compra a tempo. Eu simplesmente sabia que aquele pequeno defeito seria observado de imediato por minha mãe. Ela disfarça muito bem, não deixaria isso transparecer, não faria nenhum comentário. Ela sorriria, elogiaria a escolha, seria superbacana e carinhosa e agiria como se nada de ruim tivesse acontecido, pelo contrário. Só que não. Eu também a conheço muito bem e de algum modo saberia que ela havia encontrado um defeito. Na minha cabeça, isso a deixaria triste consigo mesma porque eu teria, por displicência, adquirido uma peça com defeito. Sim, é complicado. Mas todo mundo sabe que os pais muitas vezes se culpam pelos erros dos filhos, ou exageram suas virtudes, ou superestimam suas qualidades e sublevam seus defeitos. Ou o contrário de tudo isso. Na verdade, é um pouco de tudo, não existem regras quanto a isso, apenas um monte interminável de tipos e combinações possíveis. Mas eu sou supersticioso, e procuro evitar que algumas coisas ruins que eu imagino efetivamente aconteçam.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
A falta que o espelho faz
Eu fico reparando nas pessoas enquanto fazemos as compras de Natal. Existem as pessoas que se agarram às sacolas e outras que se sentem visivelmente incomodadas de carregar as tralhas. Muitas pessoas não se incomodam de carregar grandes volumes no meio da multidão, quanto mais, melhor. Uns caras ficam indo e voltando ao carro estacionado para se livrar dos pacotes. Alguns homens carregam todos os volumes obedientes, atrás das mulheres. Outros caras vão na frente, com as mãos abanando ou nos bolsos, as mulheres atrás equilibrando sacolas e falando ao celular, gesticulando. Muitos homens, a maioria, não escondem o ar de insatisfação, preferiam estar fazendo alguma outra coisa. Algumas mulheres, poucas, também andam de cara amarrada, infelizes, mas sobrecarregadas de pacotes e sacolas. Pouca gente sorri na multidão. Os casais de jovens namorados são os únicos a olhar para as vitrines distraídos. Quanto mais apaixonado menos se olha a plaqueta com preço.
As pessoas também demonstram diferentes níveis de preocupação com o local onde deixam as sacolas. Existe, por exemplo, o marido cabide, que é uma combinação de tipos mencionados anteriormente. Trata-se de um sujeito que detesta fazer compras e que não suporta carregar sacolas. Esse tipo fica aboletado numa cadeira, no café, com as sacolas em sua volta, dispostas em círculo como as carruagens atacadas pelos Sioux nos filmes de bang-bang. Outros caras ficam em pé, de braços cruzados no peito como os leões de chácara, as sacolas cuidadosamente espremidas entre as pernas. Eu sou do tipo que detesta colocar sacola no chão. E gosto de fazer compras. É uma atividade que muitos consideram estressante, mas eu não. Eu gosto de presentear as pessoas. É estranho isso, porque não tenho dinheiro. Já tive, mas não tenho mais. Mesmo assim acho ótimo dar presentes, encontrar um objeto que caiba no meu orçamento, em suaves prestações a perder de vista, e agrade um pouquinho uma pessoa que eu amo. Não sou do tipo que gosta de resolver tudo de uma tacada. Também não sou meticuloso a ponto de vasculhar a cidade em busca de um presente específico para uma pessoa. Passo horas numa livraria para encontrar um livro que agrade um sobrinho ou que desperte um sorriso num cunhado. Mas não vou pingar de livraria em livraria até encontrar um livro específico. Sou besta assim.
Com a ida ao shopping desta quinta-feira, faltam apenas três presentes da lista. Em outros tempos já teríamos fechado o conjunto e colocado todos os pacotes debaixo da árvore, mas estamos um pouco enrolados e preguiçosos. A batida no carro explica um pouco a preguiça. Minha mulher estava numa curva, presa num engarrafamento. Um espertinho resolveu ultrapassá-la sem ter espaço para isso. Arrancou o espelho retrovisor do lado do motorista. Sem ter como fugir entre tantos veículos parados, o sujeito desligou o carro e se comprometeu a pagar o conserto. Depois ligou e disse que o serviço teria que ser feito numa oficina de sua confiança. Eu quis mandar o sujeito à merda, mas o mar não está pra peixe e descobri que a tal oficina ficava bem perto de onde mora o meu sogro. Então aproveitei o pretexto para ir filar um almoço no sogrão e depois levar o carro na tal oficina. Mas como dirigir sem espelho retrovisor? É uma coisa louca a falta que o espelho faz. Passei na minha mãe, descolei um espelho de maquiagem e prendi com durex no que restou da base do antigo retrovisor. Quebrou o galho legal. Mas demorei muito e acabei invertendo a opção, levei primeiro o carro na oficina indicada. Apesar de já avisado da minha ida ao local, o mecânico ainda não havia pedido o retrovisor substituto. Ela ficou de me ligar assim que recebesse a peça. Intuí logo que daquele mato não sairia coelho por hoje. Então fui almoçar no sogrão.
Minha sogra convalesce de uma cirurgia no coração para a colocação de uma válvula. É uma pessoa idosa que enfrenta com coragem e firmeza uma cardiopatia grave. Ela e o marido montaram uma grande árvore de Natal na sala da casa onde moram. Achei que ficou quase tão bela quanto a árvore que as crianças me ajudaram a montar em casa. O Natal às vezes é uma competição de coisas boas e bonitas que podemos fazer uns pelos outros, eu acredito. Acabou que o mecânico não ligou. É só uma coisa chata para resolver amanhã.
As pessoas também demonstram diferentes níveis de preocupação com o local onde deixam as sacolas. Existe, por exemplo, o marido cabide, que é uma combinação de tipos mencionados anteriormente. Trata-se de um sujeito que detesta fazer compras e que não suporta carregar sacolas. Esse tipo fica aboletado numa cadeira, no café, com as sacolas em sua volta, dispostas em círculo como as carruagens atacadas pelos Sioux nos filmes de bang-bang. Outros caras ficam em pé, de braços cruzados no peito como os leões de chácara, as sacolas cuidadosamente espremidas entre as pernas. Eu sou do tipo que detesta colocar sacola no chão. E gosto de fazer compras. É uma atividade que muitos consideram estressante, mas eu não. Eu gosto de presentear as pessoas. É estranho isso, porque não tenho dinheiro. Já tive, mas não tenho mais. Mesmo assim acho ótimo dar presentes, encontrar um objeto que caiba no meu orçamento, em suaves prestações a perder de vista, e agrade um pouquinho uma pessoa que eu amo. Não sou do tipo que gosta de resolver tudo de uma tacada. Também não sou meticuloso a ponto de vasculhar a cidade em busca de um presente específico para uma pessoa. Passo horas numa livraria para encontrar um livro que agrade um sobrinho ou que desperte um sorriso num cunhado. Mas não vou pingar de livraria em livraria até encontrar um livro específico. Sou besta assim.
Com a ida ao shopping desta quinta-feira, faltam apenas três presentes da lista. Em outros tempos já teríamos fechado o conjunto e colocado todos os pacotes debaixo da árvore, mas estamos um pouco enrolados e preguiçosos. A batida no carro explica um pouco a preguiça. Minha mulher estava numa curva, presa num engarrafamento. Um espertinho resolveu ultrapassá-la sem ter espaço para isso. Arrancou o espelho retrovisor do lado do motorista. Sem ter como fugir entre tantos veículos parados, o sujeito desligou o carro e se comprometeu a pagar o conserto. Depois ligou e disse que o serviço teria que ser feito numa oficina de sua confiança. Eu quis mandar o sujeito à merda, mas o mar não está pra peixe e descobri que a tal oficina ficava bem perto de onde mora o meu sogro. Então aproveitei o pretexto para ir filar um almoço no sogrão e depois levar o carro na tal oficina. Mas como dirigir sem espelho retrovisor? É uma coisa louca a falta que o espelho faz. Passei na minha mãe, descolei um espelho de maquiagem e prendi com durex no que restou da base do antigo retrovisor. Quebrou o galho legal. Mas demorei muito e acabei invertendo a opção, levei primeiro o carro na oficina indicada. Apesar de já avisado da minha ida ao local, o mecânico ainda não havia pedido o retrovisor substituto. Ela ficou de me ligar assim que recebesse a peça. Intuí logo que daquele mato não sairia coelho por hoje. Então fui almoçar no sogrão.
Minha sogra convalesce de uma cirurgia no coração para a colocação de uma válvula. É uma pessoa idosa que enfrenta com coragem e firmeza uma cardiopatia grave. Ela e o marido montaram uma grande árvore de Natal na sala da casa onde moram. Achei que ficou quase tão bela quanto a árvore que as crianças me ajudaram a montar em casa. O Natal às vezes é uma competição de coisas boas e bonitas que podemos fazer uns pelos outros, eu acredito. Acabou que o mecânico não ligou. É só uma coisa chata para resolver amanhã.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Pássaros dourados
Todos os anos nós montamos a árvore de Natal. Não é enorme, mas é grande. Ficou enorme sobre o baú que construí no final de novembro. A cada ano gostamos de comprar pelo menos um enfeite novo, que irá se juntar aos de outros dezembros. Ontem comprei um pequeno globo coberto de espelhos, que meu filho pendurou em lugar de destaque. Gostamos de ver a árvore bem carregada de bolas e enfeites. Existem bolas douradas, vermelhas, prateadas, em forma de agulha, pinhas, de pião, de madeira, imitando notas musicais, tambores, cornetas, presentinhos, anjos, maçãs, sinos e laços de fita dourados. Houve uma época em que também pendurávamos muitas lâmpadas coloridas, a árvore ficava piscando durante quatro semanas. As lâmpadas chinesas foram se queimando e deixamos de substituí-las. Nesse ano, restaram apenas dois cordões de lâmpadas coloridas para iluminar a árvore. Elas conferem um brilho especial durante a noite. Ainda faltam presentes, mas já se pode deixar um ou outro debaixo da árvore. Também montamos o trenzinho, que meu filho possui desde bebê. Dessa vez fizemos uma pista mais curta, porque o trenzinho estragou e não consegui consertar. Com a pista curta, é mais fácil empurrar os carrinhos manualmente. Pela nossa tradição, toda a família deve participar da montagem da árvore, menos o Rafa, porque os cachorros gostam de morder alguns enfeites, fazem xixi na árvore e também roem as pinhas que penduramos(uma vez quase perdemos um cãozinho por causa disso). Por isso, estamos esperando a minha mulher para completar a última parte e mais importante: a colocação da estrela no alto da árvore. Isso vai ser complicado porque não resta muito espaço entre o teto e a ponta da árvore. A árvore é só um modo de lembrar que de vez em quando é preciso fazer alguma coisa juntos. De algum modo, com o sentimento certo no coração, uma coleção de bolas pintadas, plástico verde e lâmpadas podem compor um símbolo bonito e brilhante de que é bom ter esperança e que dias melhores virão.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
Pneu-grama
O dono da loja de bicicletas comenta com o filho que nunca tiveram um ano tão ruim. É uma loja grande, na esquina da comercial. Deve haver umas 50 bicicletas expostas e um outro tanto dentro da loja, mas não existem empregados. É uma empresa familiar. Eu estou ali olhando uma bicicleta nova para o meu filho, mas de alguma maneira o dono da loja já percebeu que eu não vou comprar nada. Ele não se sente constrangido em deixar que eu escute essa lamentação porque é evidente que ele acredita que eu estou em situação pior. O pudor é um tipo de respeito que só existe entre os que se consideram iguais. Houve uma época em que eu ainda conseguia passar uma impressão diferente para os vendedores, mas agora é impossível. Está na cara que eu não tenho dinheiro. Não com esse par de tênis. Não com esse jeito de perguntar o preço e pelo número de parcelas.
_Você divide em 10 vezes? - eu disse.
_Não, amigo. Só os supermercados conseguem dividir em tantas prestações. Doze parcelas sem juros. Eu só consigo em seis vezes, reduzindo a minha margem ao máximo.
_Você tem um cartão?
_Cartão? Claro, claro. Pois então, filho, pelas minhas contas, vendemos uns vinte por cento a menos. Este é o meu pior ano - ele disse ao filho.
_Nosso. Talvez a coisa mude até o Natal. Não é? - disse o rapaz.
_Esse aqui é o suporte de teto? Como se faz para colocar a bicicleta em cima do carro? Não é muito difícil? - eu disse.
O dono da loja deu de ombros. Volta a conversar sobre o péssimo ano com seu filho.
_Quanto custa o suporte? eu disse.
_O suporte eu só vendo à vista - ele disse.
Engoli a raiva e dei meia volta. Eu olho para o meu filho, que por sua vez observa uma bela bicicleta cheia de molas e amortecedores.
_Talvez a gente possa comprar, vou conversar com sua mãe - eu digo.
_Não, não precisa.
Ele contém o entusiasmo. Não é nenhuma Nimbus 3000, a vassoura mágica de Harry Potter, mas é bacana. Não seria nenhum sacrifício extraordinário comprar a bicicleta, as prestações caberiam no orçamento. O que me preocupa mais é a logística dos passeios, como transportar as bicicletas até onde seja seguro andar de bicicleta. Quando saímos da loja, voltando pra casa, eu lembro ao meu filho do tempo em que ninguém se preocupava em andar de bicicleta na cidade.
_Eu andava pela Asa Sul e Asa Norte sem medo. Cansei de ir da quadra até o parque da cidade e voltar. Lá havia um trator que puxava diversos carros sem motor, que a gente chamava de trenzinho. A grande aventura era tentar pegar carona no trenzinho em movimento. Uma vez fomos de turma, uns seis ou oito garotos para o parque e minha bicicleta ficou com o pneu furado. Não havia como consertar. Um dos garotos tinha um kit para remendos, mas não quis emprestar. Um amigo disse que já tinha passado por aquilo e me ensinou a sair da enrascada. Enchemos o pneu com grama e folhas de jornal enroladas e voltamos pedalando. Levei uns tombos porque a bicicleta fica parecendo que está bamba, mas depois que se pega o jeito, não tem erro. Consegui voltar para casa com todo mundo.
_Pneu-grama?
_É esquisito, mas funciona - eu disse.
Tento sufocar o didatismo que eu deixo interferir em quase todas as nossas conversas. Sou um pai chato, acho que preciso ensinar as coisas ao meu filho, transmitir lições de vida, blá, blá, blá. Sei que ele se chateia com isso e por alguns minutos fico calado, represando a vontade de colocar um desfecho com algum sentido e importância para aquela história do pneu-grama. Então decido que é melhor ficar calado. Por hoje, é melhor ficar calado, estou sem um pingo-de-humor. Algum dia ainda voltaremos a essa mesma história, ela estará sempre esperando. Torço para que eu esteja bem inspirado. Sei que aprendi uma grande lição naquele dia. Todos os dias aprendemos muito sobre engolir sapos.
_Você divide em 10 vezes? - eu disse.
_Não, amigo. Só os supermercados conseguem dividir em tantas prestações. Doze parcelas sem juros. Eu só consigo em seis vezes, reduzindo a minha margem ao máximo.
_Você tem um cartão?
_Cartão? Claro, claro. Pois então, filho, pelas minhas contas, vendemos uns vinte por cento a menos. Este é o meu pior ano - ele disse ao filho.
_Nosso. Talvez a coisa mude até o Natal. Não é? - disse o rapaz.
_Esse aqui é o suporte de teto? Como se faz para colocar a bicicleta em cima do carro? Não é muito difícil? - eu disse.
O dono da loja deu de ombros. Volta a conversar sobre o péssimo ano com seu filho.
_Quanto custa o suporte? eu disse.
_O suporte eu só vendo à vista - ele disse.
Engoli a raiva e dei meia volta. Eu olho para o meu filho, que por sua vez observa uma bela bicicleta cheia de molas e amortecedores.
_Talvez a gente possa comprar, vou conversar com sua mãe - eu digo.
_Não, não precisa.
Ele contém o entusiasmo. Não é nenhuma Nimbus 3000, a vassoura mágica de Harry Potter, mas é bacana. Não seria nenhum sacrifício extraordinário comprar a bicicleta, as prestações caberiam no orçamento. O que me preocupa mais é a logística dos passeios, como transportar as bicicletas até onde seja seguro andar de bicicleta. Quando saímos da loja, voltando pra casa, eu lembro ao meu filho do tempo em que ninguém se preocupava em andar de bicicleta na cidade.
_Eu andava pela Asa Sul e Asa Norte sem medo. Cansei de ir da quadra até o parque da cidade e voltar. Lá havia um trator que puxava diversos carros sem motor, que a gente chamava de trenzinho. A grande aventura era tentar pegar carona no trenzinho em movimento. Uma vez fomos de turma, uns seis ou oito garotos para o parque e minha bicicleta ficou com o pneu furado. Não havia como consertar. Um dos garotos tinha um kit para remendos, mas não quis emprestar. Um amigo disse que já tinha passado por aquilo e me ensinou a sair da enrascada. Enchemos o pneu com grama e folhas de jornal enroladas e voltamos pedalando. Levei uns tombos porque a bicicleta fica parecendo que está bamba, mas depois que se pega o jeito, não tem erro. Consegui voltar para casa com todo mundo.
_Pneu-grama?
_É esquisito, mas funciona - eu disse.
Tento sufocar o didatismo que eu deixo interferir em quase todas as nossas conversas. Sou um pai chato, acho que preciso ensinar as coisas ao meu filho, transmitir lições de vida, blá, blá, blá. Sei que ele se chateia com isso e por alguns minutos fico calado, represando a vontade de colocar um desfecho com algum sentido e importância para aquela história do pneu-grama. Então decido que é melhor ficar calado. Por hoje, é melhor ficar calado, estou sem um pingo-de-humor. Algum dia ainda voltaremos a essa mesma história, ela estará sempre esperando. Torço para que eu esteja bem inspirado. Sei que aprendi uma grande lição naquele dia. Todos os dias aprendemos muito sobre engolir sapos.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
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