Dois grandes amigos, o Bob e o Rodrigo Alarrádel, mandaram mensagens para dizer que se mudaram. As mensagens nem chegaram juntas, apenas chegaram no mesmo dia. O Alarrádel é solteiro e se mudou para um dos bairros nobres de Brasília. O Bob é casado e indicou o novo endereço em São Paulo, num bairro super-chique.
Também tenho sentido vontade de mudar de endereço. A última mudança foi há uns dez anos, quando eu e a minha mulher mudamos para o apartamento atual. Éramos uma família pequena, naquela época. Só o casal e uma primavera enorme, plantada num vaso gigantesco, que o Cabeça não quis mais e deu de presente pra gente. Hoje é diferente. Tivemos que nos livrar da primavera, porque as crianças nasceram e precisavam de mais espaço. Hoje elas estão maiores e precisam de ainda mais espaço, mas quando falo em mudança, as crianças desconversam.
_Hablas espanhol? - diz o meu filho, de sete anos, espremendo graça.
_Que passa? - pergunta a minha filha, entrando de cabeça na piada.
_Filhotes, falando sério, vocês gostariam de morar num outro lugar?
_Hasta la vista, baby - diz o meu filho, aparentemente esgotando o vocabulário em espanhol.
_Baby, baby, baby - canta a minha filha, em sua milionésima imitação do Justin Bieber.
Eu fico na minha, não insisto. Até porque não tenho paciência nem para o Justin Bieber original. Para me consolar, ás vezes penso que esse desejo de mudança é igual a um vírus forte que as crianças vão acabar pegando também. E por isso me ponho a sonhar acordado, pensando numa casa ampla, com quintal e cerca viva. Grama baixa, bem cuidada. Uma piscina, talvez. Rafa, o cachorrinho shi-tsu pulando feliz e saltitante pelo gramado. Eu, suado e queimado de sol, cortando a grama com um carrinho de mão. Eu pisando num doce enquanto corto a grama...
Também penso em algumas árvores frutíferas no quintal. Numa safra de jabuticabas. Numa safra de laranjas. Numa safra de mexericas. Goiabas. Manguinhas, quiçá? Também penso em caixas de marimbondos e em mim mesmo fugindo de um monte deles. E abelhas. Tenho horror a abelhas e marimbondos, fazer o quê?...
Mas não deixo esses pensamentos desagradáveis me dominarem. Na verdade, o desejo de mudança é altamente positivo e revigorante. Eu sonho com um monte de paredes para as minhas estantes e livros. Um quarto bacana para eu transformar em escritório. Um outro quarto bacana para eu transformar em oficina de marcenaria e aeromodelismo. Um outro quarto...tudo bem, as crianças e a minha mulher também vão se mudar para lá, então deixo pelo menos um quarto para os três, rá,rá,rá. E a sala, é claro, as crianças também poderão ficar por ali, desde que não mexam na estante, é claro.
_Crianças - eu tento novamente - vocês gostariam de ter um quarto de brinquedos quando formos morar num outro lugar?
_Esto es muy esquisito - diz o meu filho.
_Onde você está aprendendo espanhol? - eu pergunto.
_No DVD do Ben 10, pai.
_Sei, Você enjoou de ver em português e agora assiste em espanhol.
_É,paiê, e eu assisto a Barbie em espanhol - explica a minha filha.
_E em chinês também - diz o menino.
Olho para o lado e lá está minha mulher com o que parece ser um sorriso de apoio e solidariedade.
_E você, minha querida, também gostaria de um quarto só para você?
_Jo no compreendo - ela diz.
Eles vivem fazendo complô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário