É uma coisa meio cíclica. Tenho me sentido sem-graça pra caramba e, ao mesmo tempo, tenho achado tudo um bocado chato. O mundo não mudou de repente, então cheguei à conclusão de que o problema é comigo e por isso resolvi algumas coisas. A principal é ficar o máximo de tempo possível distante de uma tela de vídeo.
Aproveitei a estiagem de vídeo e chuva para remodelar a oficina de carpintaria, reorganizando absolutamente tudo. Agora estou usando o quarto de hóspedes como serraria, o que exigiu a reconstrução de mesas para a serra de esquadria e a nova serra de bancada de 10 polegadas. A antiga oficina agora é área de montagem, ainda um pouco atravancada por três enormes pranchas de eucalipto, que ganhei de um grande amigo, que pretendo transformar numa mesa rústica. Ainda não tenho ideia de como fazer para unir as três pranchas. Talvez tenha que usar pinos ou fazer uns chanfros mais elaborados. Vou ter que pesquisar.
Antes de liberar espaço no quarto de hóspedes, tive que preparar o sótão para receber a imensa quantidade de tranqueira que já havíamos acumulado nos armários. As soluções foram simples, mas tomaram bastante tempo.
Os projetos também são fáceis e pequenos. O princípio básico é começar e terminar no mesmo dia. Parece banal, mas a rotina diária, o mero transporte das crianças, uma pane no meu velho telefone peba e uma série de consultas médicas andaram complicando as coisas. Para aumentar os tropeços, tive algumas despesas extras com a recuperação de aparelhos avariados em função do último apagão. Nada sufocante, mas atrapalhou a contenção de despesas.
A frase título vem de uma brincadeira que eu costumava fazer com Humberto, meu amigo canalha. Trabalhamos juntos durante anos na mesma emissora. Para passar o tempo, todos os dias inventávamos uma frase para ser encaixada durante o resto do período de trabalho, nas pausas para o cigarro e o café. A brincadeira terminou com a frase sugerida pelo Humberto: o terreno pantanoso dos nefelibatas. Nunca consegui encaixar isso em conversa alguma.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
domingo, 4 de maio de 2014
Ô de casa
Rafa é o cãozinho shi-tzu que minha filha ganhou de aniversário de 5 anos. Ele agora está com quatro anos. Ele passa o dia inteiro ao meu lado, se eu deixar. E geralmente eu deixo. Gosto da companhia do Rafa. Ele é silencioso na maior parte do tempo. E quando ele está cheio de ficar ao meu lado, ele simplesmente se levanta e vai se deitar em outro lugar.
Nesses quatro anos de convivência aprendi algumas coisas sobre o Rafa. Sou um péssimo observador de cachorros e não posso dizer que aprendi muito. O essencial é que o Rafa não gosta de nada que altere a rotina. Ele gosta de receber um biscoito e de encontrar a tijela de ração cheia pela manhã, além de água pura. Ele late insuportavelmente se não receber o biscoito. E também torra a paciência se a tijela não for lavada com capricho antes de receber a porção de ração. É preciso abrir a porta para que ele vá para o quintal antes das sete. Atrasos não são tolerados, o Rafa não espera para fazer o número um e o número dois.
No almoço o Rafa fica na dele. Ele está com saudades das crianças e por volta de uma da tarde ele estará de prontidão no topo da escada, de preferência com um brinquedo na boca, aguardando a chegada da minha filha e, depois, do meu filho. É preciso brincar um pouco com ele antes de almoçar. As crianças sabem que o Rafa adora meias e por isso unem o útil ao agradável. Elas chegam da escola e atiram os calçados em qualquer lugar, com as meias dentro. O cachorro só amplia a bagunça. No início dessa mania de meias, as crianças ficaram com uma coleção de pares sem par. Para acabar com o problema decidimos comprar apenas meias brancas. As meias continuam sumindo, mas ninguém repara nos pares improvisados.
À tarde, o cachorro faz praticamente o que fez durante a manhã. Deita-se ao meu lado ou tira um cochilo em algum canto da casa. Como o interfone está quebrado, ele agora não late quando alguma visita bate palmas lá fora. É bem bucólico esse negócio de ficar sem campainha e interfone. É bem legal escutar palmas e a pessoa dizer "ô de casa". O Rafa também gosta porque não se irrita com o barulho. Ele também possui os ouvidos melhores que os meus, e sempre me chama a atenção quando eu não escuto as pessoas chamando lá fora.
Falando em ouvidos, uma das coisas que eu observo no Rafa é a "hora da coçada na orelha". Isso acontece umas duas ou três vezes por dia. Por algum motivo que desconheço e tenho preguiça de procurar saber, o Rafa às vezes é acometido de uma coceira violenta nos ouvidos que o leva a esfregar a cabeça freneticamente no chão. Às vezes, eu ajudo. Mas o Rafa é autossuficiente, ele gosta mesmo é de atravessar a sala com uma das orelhas colada ao chão. Ele faz isso até o ataque de coceira passar ou ficar cansado, o que vier primeiro.
À noite o ritual da alimentação se repete. Biscoito, água e tijela limpa com ração. O Rafa acredita que um dos lados do sofá é propriedade exclusiva dele. Ele não é exigente quanto à programação da TV, desde que o seu lugar no sofá esteja garantido.
É muito raro o Rafa reclamar de alguma coisa. Em geral, ele reclama apenas quando alguém o deixa o portãozinho da escada fechada, impedindo que ele fique fingindo ser um tapete perto de um de nós. Quando isso acontece, ele faz um choramingo parecido com o rangido que a geladeira daqui de casa faz. Esse barulho infernal é muito semelhante a um gemido prolongado e pode ser até um pouco assustador. Às vezes também tenho a impressão de que o Rafa e a geladeira estão conversando. A máquina transmite vibrações gélidas que fazem o cachorro se lamentar em voz alta, sei lá. Outras vezes, quando é bem tarde e todos já estão dormindo, tenho a impressão de ouvir o Rafa e vou até a cozinha, preocupado. Mas é só o barulho da geladeira.
Nesses quatro anos de convivência aprendi algumas coisas sobre o Rafa. Sou um péssimo observador de cachorros e não posso dizer que aprendi muito. O essencial é que o Rafa não gosta de nada que altere a rotina. Ele gosta de receber um biscoito e de encontrar a tijela de ração cheia pela manhã, além de água pura. Ele late insuportavelmente se não receber o biscoito. E também torra a paciência se a tijela não for lavada com capricho antes de receber a porção de ração. É preciso abrir a porta para que ele vá para o quintal antes das sete. Atrasos não são tolerados, o Rafa não espera para fazer o número um e o número dois.
No almoço o Rafa fica na dele. Ele está com saudades das crianças e por volta de uma da tarde ele estará de prontidão no topo da escada, de preferência com um brinquedo na boca, aguardando a chegada da minha filha e, depois, do meu filho. É preciso brincar um pouco com ele antes de almoçar. As crianças sabem que o Rafa adora meias e por isso unem o útil ao agradável. Elas chegam da escola e atiram os calçados em qualquer lugar, com as meias dentro. O cachorro só amplia a bagunça. No início dessa mania de meias, as crianças ficaram com uma coleção de pares sem par. Para acabar com o problema decidimos comprar apenas meias brancas. As meias continuam sumindo, mas ninguém repara nos pares improvisados.
À tarde, o cachorro faz praticamente o que fez durante a manhã. Deita-se ao meu lado ou tira um cochilo em algum canto da casa. Como o interfone está quebrado, ele agora não late quando alguma visita bate palmas lá fora. É bem bucólico esse negócio de ficar sem campainha e interfone. É bem legal escutar palmas e a pessoa dizer "ô de casa". O Rafa também gosta porque não se irrita com o barulho. Ele também possui os ouvidos melhores que os meus, e sempre me chama a atenção quando eu não escuto as pessoas chamando lá fora.
Falando em ouvidos, uma das coisas que eu observo no Rafa é a "hora da coçada na orelha". Isso acontece umas duas ou três vezes por dia. Por algum motivo que desconheço e tenho preguiça de procurar saber, o Rafa às vezes é acometido de uma coceira violenta nos ouvidos que o leva a esfregar a cabeça freneticamente no chão. Às vezes, eu ajudo. Mas o Rafa é autossuficiente, ele gosta mesmo é de atravessar a sala com uma das orelhas colada ao chão. Ele faz isso até o ataque de coceira passar ou ficar cansado, o que vier primeiro.
À noite o ritual da alimentação se repete. Biscoito, água e tijela limpa com ração. O Rafa acredita que um dos lados do sofá é propriedade exclusiva dele. Ele não é exigente quanto à programação da TV, desde que o seu lugar no sofá esteja garantido.
É muito raro o Rafa reclamar de alguma coisa. Em geral, ele reclama apenas quando alguém o deixa o portãozinho da escada fechada, impedindo que ele fique fingindo ser um tapete perto de um de nós. Quando isso acontece, ele faz um choramingo parecido com o rangido que a geladeira daqui de casa faz. Esse barulho infernal é muito semelhante a um gemido prolongado e pode ser até um pouco assustador. Às vezes também tenho a impressão de que o Rafa e a geladeira estão conversando. A máquina transmite vibrações gélidas que fazem o cachorro se lamentar em voz alta, sei lá. Outras vezes, quando é bem tarde e todos já estão dormindo, tenho a impressão de ouvir o Rafa e vou até a cozinha, preocupado. Mas é só o barulho da geladeira.
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Fragmentação e potpourri
Esse meu amigo me conta que inventou um jeito novo de ver filmes.
_É a fragmento-sessão, que eu simplifiquei para fragmentação. Numa sessão de cinema convencional você fica sentado uma hora e meia, ou mais, e acompanha uma narrativa com início, meio e fim. A fragmentação é diferente. Você fica pulando de cena para cena, na ordem que você escolher, durante o tempo que você quiser. Mas é bem mais interessante quando as cenas escolhidas não duram mais que dois ou três minutos - disse meu amigo.
_Parece um pouco confuso - eu disse.
_É confuso mesmo. Mas é assim que estou revendo os filmes que eu mais gosto. Vou para o YouTube, digito o nome de um filme que eu me amarro e fico pescando as melhores cenas selecionadas por milhares de pessoas em todo mundo.
_Não sente vontade de ver o filme inteiro? - eu disse.
_Sinto, é claro. Mas passa logo. O que eu gosto mesmo é de curtir as cenas na ordem que eu mesmo escolho, ditada pela memória afetiva do filme.
_Não entendi.
_Vamos supor que eu queira ver cenas de ... sei lá, diz aí um filme que você gosta.
_Cães de aluguel, do Tarantino.
_Esse eu não lembro direito. Fala um outro.
_Brazil, o filme.
_Boa. Mas também não lembro xongas desse aí.
_É melhor você mesmo escolher o filme.
_Branca-de-neve e os 7 anões. Conhece?
_Você tem uma memória afetiva com Branca-de-neve?
_Quem não tem? E ao invés de começar com aquela história de espelho meu, caçador, fuga, anões e etc, eu já vou logo para a melhor parte.
_A transformação de rainha má em bruxa?
_Isso. E depois o banho no Zangado.
_Não lembrava dessa cena.
_Lembra do Dunga engolindo um sabão?
_Claro. Lembro até do outro Dunga, o da seleção, que vivia querendo passar sabão.
_Pois então, o sabão é para lavar o Zangado.
_Entendi. Achei bacana essa fragmentação, mas prefiro ver ou rever os filmes inteiros - eu disse.
_Eu já não tenho paciência. Vou aos pedaços.
_Mas só os que você acha bons, não é? Não sei, há gosto pra tudo. Tem gente que gosta de potpourri. Eu não gosto, apesar de gostar da palavra. Sabia que é uma palavra que vem das guerras napoleônicas? Significa "vaso podre". Os espanhóis misturavam pétalas de flores, rosas, hortelã, menta, canela e cascas de limão e laranja numa vasilha e deixavam fermentar, ou transformavam em sachês.
_Taxi Driver. Já viu Taxi Driver? - disse meu amigo. Mas eu preferi mudar de assunto.
_É a fragmento-sessão, que eu simplifiquei para fragmentação. Numa sessão de cinema convencional você fica sentado uma hora e meia, ou mais, e acompanha uma narrativa com início, meio e fim. A fragmentação é diferente. Você fica pulando de cena para cena, na ordem que você escolher, durante o tempo que você quiser. Mas é bem mais interessante quando as cenas escolhidas não duram mais que dois ou três minutos - disse meu amigo.
_Parece um pouco confuso - eu disse.
_É confuso mesmo. Mas é assim que estou revendo os filmes que eu mais gosto. Vou para o YouTube, digito o nome de um filme que eu me amarro e fico pescando as melhores cenas selecionadas por milhares de pessoas em todo mundo.
_Não sente vontade de ver o filme inteiro? - eu disse.
_Sinto, é claro. Mas passa logo. O que eu gosto mesmo é de curtir as cenas na ordem que eu mesmo escolho, ditada pela memória afetiva do filme.
_Não entendi.
_Vamos supor que eu queira ver cenas de ... sei lá, diz aí um filme que você gosta.
_Cães de aluguel, do Tarantino.
_Esse eu não lembro direito. Fala um outro.
_Brazil, o filme.
_Boa. Mas também não lembro xongas desse aí.
_É melhor você mesmo escolher o filme.
_Branca-de-neve e os 7 anões. Conhece?
_Você tem uma memória afetiva com Branca-de-neve?
_Quem não tem? E ao invés de começar com aquela história de espelho meu, caçador, fuga, anões e etc, eu já vou logo para a melhor parte.
_A transformação de rainha má em bruxa?
_Isso. E depois o banho no Zangado.
_Não lembrava dessa cena.
_Lembra do Dunga engolindo um sabão?
_Claro. Lembro até do outro Dunga, o da seleção, que vivia querendo passar sabão.
_Pois então, o sabão é para lavar o Zangado.
_Entendi. Achei bacana essa fragmentação, mas prefiro ver ou rever os filmes inteiros - eu disse.
_Eu já não tenho paciência. Vou aos pedaços.
_Mas só os que você acha bons, não é? Não sei, há gosto pra tudo. Tem gente que gosta de potpourri. Eu não gosto, apesar de gostar da palavra. Sabia que é uma palavra que vem das guerras napoleônicas? Significa "vaso podre". Os espanhóis misturavam pétalas de flores, rosas, hortelã, menta, canela e cascas de limão e laranja numa vasilha e deixavam fermentar, ou transformavam em sachês.
_Taxi Driver. Já viu Taxi Driver? - disse meu amigo. Mas eu preferi mudar de assunto.
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